Com uma viagem de trem, presidente russo inaugura linha férrea ligando a Rússia à península ucraniana anexada por Moscou em 2014. UE diz que obra é "nova violação da soberania e integridade territorial" da Ucrânia.
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O presidente russo, Vladimir Putin, inaugurou nesta segunda-feira (23/12) a ligação ferroviária que une a Rússia à Península da Crimeia, região ucraniana anexada pela Rússia, com uma viagem de trem.
"A viagem é mais suave do que num automóvel", disse Putin ao maquinista no momento em que as composições cruzavam a ponte sobre o Estreito de Kerch.
Em 2018, Putin já tinha inaugurado o trecho rodoviário da obra que une a Rússia à Crimeia. Com 19 quilômetros, é a ponte mais longa da Europa e começou a ser construída em 2016.
"Este é um acontecimento muito importante para a Crimeia, Sebastopol, para todo o sul da Rússia e para todo o país", afirmou o presidente russo, estimando que 14 milhões de pessoas vão cruzar a estrutura em 2020.
Putin parabenizou os trabalhadores que participaram da obra, afirmando que "ela provou nossa habilidade para realizar projetos de infraestrutura de grande porte".
A construção é criticada pela Ucrânia, que considera a península parte do território nacional anexado pela Rússia em 2014, apesar da realização de um referendo que não foi reconhecido nem por Kiev nem pela comunidade internacional.
A ponte consiste em duas estruturas paralelas, para automóveis e para trens. O projeto custou 3,6 bilhões de dólares. Seu planejamento começou em 2014, logo após a anexação da Crimeia.
O segmento para rodoviário da ponte foi formalmente aberto por Putin em maio de 2018 e disponibilizado para o tráfego de cargas em outono do mesmo ano. A ponte ferroviária será aberta para trens de carga em junho de 2020.
O conflito no leste da Ucrânia, entre os separatistas e as forças de Kiev, mantém-se há quase seis anos, tendo provocado a morte de 13 mil pessoas.
O alto representante da União Europeia (UE) para a Política Externa e de Segurança, Josep Borrell, disse que a ligação ferroviária Rússia-Crimeia constitui "uma nova violação da soberania e integridade territorial" ucraniana por parte de Moscou.
"Esta ligação ferroviária é mais um passo em direção à integração forçada com a Rússia da península ilegalmente anexada e ao isolamento da Crimeia da Ucrânia, da qual continua a fazer parte", disse um porta-voz de Josep Borrell, em comunicado.
Ele também destacou que a ponte que sustenta a ligação ferroviária "limita a passagem de navios" pelo estreito de Kerch até aos portos ucranianos no mar de Azov.
"A União Europeia espera que a Rússia garanta uma passagem livre e desimpedida pelo estreito de Kerch, de acordo com o direito internacional", acrescentou o chefe da diplomacia europeia.
Ele reiterou o "apoio" total da UE à independência, soberania e integridade territorial da Ucrânia, dentro das suas fronteiras legalmente reconhecidas, e recordou que a UE "não reconhece, nem reconhecerá, a anexação ilegal da Crimeia pela Rússia".
Putin ordenou a construção da ponte, que era originalmente um projeto russo-ucraniano, a fim de quebrar o isolamento da península ucraniana anexada por Moscou em março de 2014.
Em março de 2014, a Rússia anexou a Crimeia. Três anos depois, como está a península? O que mudou na vida das pessoas? E Putin cumpriu suas promessas?
Foto: DW/R. Richter
A ocupação da Crimeia
O presidente russo, Vladimir Putin, é comemorado como herói, e bandeiras russas substituíram as ucranianas. A transformação começou em fevereiro de 2014, quando pessoas de uniforme, mas sem insígnias, ocuparam os prédios do governo e do Parlamento em Simferopol, capital da República Autônoma da Crimeia, parte da Ucrânia. Mais tarde, também os quartéis ucranianos seriam ocupados.
Foto: DW/I. Worobjow
Referendo sobre a anexação
Apesar dos protestos e, contornando a Constituição da Ucrânia, em 16 de março de 2014, foi realizado um referendo sobre o estatuto da Crimeia. A entrega da Crimeia à Ucrânia pelo governo russo em 1954 não foi reconhecida, e decidiu-se pela anexação da península à Rússia.
Foto: Reuters
Tártaros da Crimeia
Quem rejeita a anexação pela Rússia, sofre perseguição. Isso acontece também com os líderes do Mejlis, o Congresso do Povo Tártaro da Crimea, que em 2016 foi considerado organização extremista. Buscas e detenções voltam a ser frequentes, tal qual em 1944, quando os tártaros da Crimeia foram deportados como "inimigos do povo" pelos soviéticos.
Foto: picture-alliance/dpa
Só programas russos
As transmissões das emissoras de televisão ucranianas foram interrompidas na Crimeia no começo de 2014. A população só tem acesso a programas russos. O ATR, canal independente dos tártaros da Crimeia, que defende a integridade territorial da Ucrânia, agora transmite a partir de Kiev. Muitos outros meios de comunicação também foram proibidos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/A. Zemlianichenko
Difícil acesso
A lei ucraniana proíbe estrangeiros de entrar na Crimeia sem a permissão das autoridades de Kiev e que não seja pela área continental da Ucrânia. Ao infrator fica proibido viajar pelas demais partes da Ucrânia. Para chegar da Ucrânia à Crimeia, é preciso passar por postos de controle na fronteira administrativa, seja a pé ou de carro.
Foto: DW/L. Grishko
Sanções após a anexação
A União Europeia (UE) e os Estados Unidos não reconhecem a anexação. Eles até aconselham seus cidadãos a não comprar imóveis ou fazer negócios na Crimeia. Empresas da península não podem vender produtos à UE, nem aos EUA. Também foram impostas sanções a pessoas, empresas e organizações.
Foto: picture-alliance/Sputnik/A. Polegenko
Esperando o cumprimento de promessas
Quem votou a favor da anexação no referendo, esperava que Putin cumprisse suas promessas: uma ponte ligando a Crimeia à Rússia, um gasoduto e usinas de energia. Também problemas sociais seriam resolvidos. Os salários não acompanham a inflação. Mas relatos sobre o descontentamento e protestos localizados são divulgados apenas nas redes sociais e meios de comunicação independentes.
Foto: DW/R. Richter
Empreiteira de amigo de Putin
A construção de uma ponte no Estreito de Kertch até a Rússia está em pleno andamento. A obra, no valor de 3,7 bilhões de euros, está nas mãos do oligarca russo Arkady Rotenberg, amigo de Putin. Até o final de 2019, a ponte deverá estar pronta. Ela terá quatro pistas rodoviárias e duas faixas ferroviárias.
Foto: picture-alliance/Tass/V. Timkiv
Pequenos negócios
Empresas de pequeno porte da Crimeia sofrem com a redistribuição de propriedades em favor de empresários russos. A emissora Radio Liberty informou que o número de pequenas empresas na Crimeia diminuiu de 15 mil (2014) para 1 mil (2016). Também os proprietários de imóveis no litoral enfrentam problemas. Tribunais podem anular documentos emitidos antes da anexação.
Foto: DW/A. Karpenko
Grandes perdas no turismo
Na alta temporada, é tempo de praia na Crimeia. Mas o fluxo de turistas diminuiu quase 30% nos últimos três anos. As rotas ferroviárias estão interrompidas e os voos são caros. Devido às sanções impostas pela UE, navios de cruzeiro não atracam mais na Crimeia.
Foto: DW/A. Karpenko
Tesouros históricos
As joias arqueológicas e as armas dos citas, antigo povo de pastores nômades que povoaram a região na Antiguidade Clássica, não poderão mais retornar à Crimeia. No final de 2016, um tribunal holandês decidiu que a rara coleção de 550 artefatos de museus da Crimeia deveria ser dada a Kiev. Os tesouros são parte de uma mostra que estava na Europa Ocidental quando ocorreu a anexação da Crimeia.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Maat
Quem ganhou com a anexação
Desde a anexação, os moradores da Crimeia só podem comprar cartões para telefone, por exemplo, se portarem um passaporte russo. Quem ganhou com a anexação foram aposentados com passaporte russo. As aposentadorias foram equiparadas às vigentes na Rússia, e a idade da aposentadoria para mulheres baixou de 60 para 55 anos.