Com Brasil, incêndios na América do Sul quebram novo recorde
14 de setembro de 2024
Região teve mais de 346 mil focos de incêndio. Fumaça tóxica que encobriu 60% do país tem castigado também vizinhos. Na semana passada, Bolívia decretou emergência nacional.
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Os incêndios devastadores que estão consumindo grandes porções de florestas na América do Sul quebraram um novo recorde: com mais de 346 mil focos registrados em um ano até 11 de setembro, a região superou sua pior marca da série histórica, iniciada em 1998 – até então, o recorde era de 2007, com pouco mais de 345 mil focos de incêndio.
Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e se baseiam em análises de imagens de satélite.
Segundo o órgão, a situação é pior no Brasil. Depois vêm Bolívia, Peru, Argentina e Paraguai. Incêndios intensos e incomuns também castigaram a Venezuela, a Guiana e a Colômbia no início do ano, mas diminuíram consideravelmente desde então.
Só o Brasil já bateu a marca de 180 mil focos de incêndio em 2024, segundo o Inpe, totalizando mais de 224 mil km² de área queimada até o final de agosto – quase o tamanho do estado de São Paulo.
Mais da metade da América do Sul – região da qual fazem parte Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela – chegou a ficar coberta pela fumaça, segundo a pesquisadora de qualidade do ar Karla Longo, do Inpe.
A capital paulista chegou a figurar por cinco dias seguidos como a metrópole com o pior ar do mundo, com uma concentração de poluentes na atmosfera 14,4 vezes superior ao limite recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), segundo o site suíço IQAir.
O ar tóxico deve pressionar o sistema de saúde, com mais pessoas procurando atendimento por problemas respiratórios, e possivelmente levar a mortes prematuras, afirmou Longo.
A inalação de fumaça de incêndios florestais contribui, em média, para 12 mil mortes prematuras por ano, segundo um estudo de 2023 publicado no jornal científico Environmental Research: Health.
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Mudanças climáticas agravam quadro
Brasil e Bolívia enviaram milhares de brigadistas para tentar controlar as chamas – tarefa difícil diante do clima extremamente seco e dos ventos.
Cientistas dizem que embora os incêndios sejam, em maioria, de causa humana, as condições climáticas desfavoráveis impulsionadas pelas mudanças climáticas têm facilitado a propagação do fogo.
A América do Sul vem sendo atingida por uma série de ondas de calor desde o ano passado, e o Brasil enfrenta uma seca sem precedentes, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), cuja série histórica vai até a década de 1950.
"Não tivemos inverno", disse Longo à agência de notícias Reuters, comentando as altas temperaturas registradas na capital paulista. "É absurdo."
Setembro é tipicamente o pior mês para queimadas na América do Sul. Não está claro ainda se o continente continuará a registrar um alto número de incêndios florestais pelo restante do ano.
E embora haja previsão de chuva para o centro-sul do Brasil, no norte da Amazônia e no Centro-Oeste a seca deve persistir até outubro.
Protestos na Bolívia
Em La Paz, na Bolívia, centenas têm saído às ruas para exigir ações urgentes contra os incêndios.
"Por favor, percebam o que está realmente acontecendo no país. Perdemos milhões de hectares", afirmou à Reuters uma ativista que participou dos protestos. "Milhões de animais foram queimados até a morte."
O país, que segundo o Inpe teve ao menos 64 mil km² consumidos pelo fogo neste ano, declarou na semana passada emergência nacional e acionou os militares.
ra (Reuters, ots)
Os devastadores incêndios florestais no Brasil
Fogo da Amazônia a São Paulo: agosto respondeu por quase metade da área queimada no Brasil ao longo de 2024.
Foto: JOEL SILVA/REUTERS
Metrópoles cobertas de fumaça
Somente no dia 24 de agosto de 2024, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou cerca de 5 mil incêndios no Brasil. Várias cidades que concentram milhões de habitantes ficaram totalmente cobertas por nuvens densas de fumaça, incluindo Manaus (foto), no Amazonas. Na Amazônia, foram contabilizados 1,7 mil incêndios, e muitas cidades decretaram situação de emergência.
Foto: Bruno Kelly/REUTERS
A dimensão da catástrofe ambiental
A fumaça se espalhou por mais de 4 mil quilômetros, da região amazônica, no Norte, passando pelo Pantanal, no Centro-Oeste, e chegando a uma das regiões agrícolas mais importantes do país, no sudeste do estado de São Paulo.
Foto: CARLOS FABAL/AFP/Getty Images
Por um triz
O fogo que se espalhava numa plantação próxima a um condomínio de luxo em São Paulo foi controlado pouco antes de as chamas atingirem as casas. De acordo com as autoridades, os incêndios deixaram pelo menos duas pessoas mortas no estado e destruíram mais de 20 mil hectares em menos de uma semana. O governo paulista estima um prejuízo de R$ 935 milhões.
Foto: Joel Silva/REUTERS
Incêndios criminosos
Na maioria dos casos, as chamas são provocadas intencionalmente. Práticas de queimadas ilegais são usadas para abrir áreas para agricultura e pecuária. A Polícia Federal e as autoridades ambientais investigam dezenas de casos. Três pessoas foram detidas no penúltimo fim de semana de agosto de 2024.
Foto: JOEL SILVA/REUTERS
Pior caso em 17 anos
Manaus, capital do Amazonas, foi coberta por fumaça no dia 27 de agosto. Esses são os piores incêndios registrados na Amazônia nos últimos 17 anos, com mais de 60 mil casos desde o começo do ano. A região amazônica como um todo enfrenta uma grave seca, que os especialistas acreditam estar relacionada com os efeitos do El Niño e das mudanças climáticas.
Foto: Edmar Barros/AP Photo/picture alliance
Seca recorde
Os incêndios são agravados pela seca. Bancos de areia estão aparecendo no Rio Madeira, um afluente do Rio Amazonas. Os níveis do rio vêm diminuindo desde o começo de junho, um mês antes do habitual, dificultando o acesso das vilas e cidades da região a suprimentos básicos. As autoridades temem que a atual seca seja ainda mais intensa que a de 2023, que já havia sido recorde.
Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images
Agosto responde por metade da área queimada em 2024
De acordo com o Monitor do Fogo da plataforma MapBiomas, 56.516 km² foram queimados no Brasil em agosto, quase metade do total de 113.960 km² atingidos pelo fogo no país em 2024. A área queimada em oito meses equivale a mais que o dobro da registrada no mesmo período de 2023 (52.519 km²). Este foi o pior agosto desde que o MapBiomas iniciou as medições, em 2019.
Foto: Eraldo Peres/AP/picture alliance
São Paulo: metrópole com a pior qualidade de ar no mundo
Em setembro, São Paulo foi considerada por vários dias seguidos a grande cidade mais poluída do mundo pela agência de monitoramento IQAir. A fumaça vinda de focos de queimada na Amazônia e no interior do estado mudou a cor do céu paulistano. A Defesa Civil de São Paulo afirmou no dia 9 de setembro que quase todo o estado estava em situação de emergência para incêndios.
Foto: Paulo Lopes/ZUMA/picture alliance
Brasil concentra três quartos dos incêndios da região
Em 10 de setembro, o Inpe afirmou que, em 24 horas, o Brasil concentrou 75,9% das áreas afetadas pelo fogo em toda a América do Sul. Uma missão humanitária composta por 62 bombeiros do Brasil foi designada para combater incêndios florestais na faixa de fronteira com a Bolívia, que ameaçam atingir o Pantanal brasileiro.
Os incêndios estão sendo considerados um revés político para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que prometeu proteger a Amazônia e combater o desmatamento ilegal até 2030. Sob o governo antecessor do ex-presidente Jair Bolsonaro, a destruição da Amazônia alcançou patamares recordes.