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HistóriaReino Unido

Quão alemão é o sangue da família real britânica?

Silke Wünsch
5 de maio de 2023

Os laços familiares entre as casas reais europeias têm uma história de séculos. E os Windsor têm laços especialmente estreitos com dinastias da Alemanha, que já geraram até desconfiança de nacionalistas britânicos.

Charles e sua mulher, Camila, posam para foto em frente ao Portão de Brandemburgo, em Berlim, durante visita oficial em 2019
E quão alemão, afinal, é o rei Charles 3º?Foto: Soeren Stache/dpa/picture alliance

Tudo começou há uns bons 300 anos, quando em 1º de agosto de 1714 morreu a rainha inglesa Anne. Como resultado, o príncipe eleitor alemão Georg Ludwig von Hanover foi proclamado rei da Grã-Bretanha à revelia. Ele era o único herdeiro possível do trono, tornando-se assim o primeiro alemão a ascender ao trono inglês.

Exportando os maus hábitos

Inicialmente, seus súditos britânicos não ficaram muito entusiasmados com a ideia. O rei alemão não pisou em solo inglês até dois meses após sua proclamação, tendo sido coroado rei George 1º em 20 de outubro de 1714. Divorciado e sem mal falar inglês, ele não parecia fazer o mínimo esforço para esconder suas duas concubinas. George tampouco tinha boas maneiras: dizem que ele teria emitido uma instrução protocolar pedindo que não fosse jogada carne assada nos criados durante os banquetes da corte.

O rei George 1º em pintura de 1714Foto: National Portrait Gallery/dpa/picture alliance

Mas os britânicos também reconhecem as contribuições de George 1º a seu povo. Ele reprimiu, por exemplo, uma das revoltas jacobitas na Escócia; estabeleceu o sistema bipartidário, que é válido ainda hoje; construiu uma marinha eficiente e expandiu o Império Britânico.

George 2º e George 3º

Seu filho George 2º, por sua vez, legou aos britânicos o hino nacional God Save The King - ou mais tarde God Save The Queen. Já seu neto George 3º seria o primeiro na linha de reis de ascendência alemã a nascer na Inglaterra e a ter o inglês como língua materna. Ele se casou com a princesa alemã Charlotte de Mecklenburg-Strelitz, com quem teve 15 filhos.

George 3º, porém, sofria de um distúrbio metabólico que o levava a graves transtornos mentais e o tornava cada vez mais incapaz de governar. Sua "doença mental" chegou a lhe render o apelido de "O Louco".

Alvo frequente de caricaturistas: o rei George 3º liderando um exército de potes de barroFoto: Heritage Art/Heritage Images/picture alliance

Reputação da família real despenca com George 4º

Seu filho mais velho, o excêntrico Georg August Friedrich, assumiu os assuntos de Estado antes mesmo da morte do pai, tornando-se rei de fato em 1820. Com uma árvore genealógica predominantemente alemã, ele assumiu o trono como George 4º.

Adepto de um estilo de vida extravagante, George 4º não era muito popular entre seus súditos, tendo inclusive ganhado o apelido de "O Gordo". Sua excentricidade era tamanha que acabou prejudicando gravemente a reputação da família real. Tanto que, após sua morte, nenhum britânico parece lamentar sua perda.

George 4º não deixou nenhum legado político em particular - mas, sim, cultural: foi durante o seu reinado que a Casa Buckingham foi convertida em um palácio. Já no balneário de Brighton, ele foi responsável pelo Royal Pavilion, uma construção ainda única na Europa em termos de exotismo e opulência.

Royal Pavilion, em Brighton: residência de verão de George 4ºFoto: Phil Bird/Zoonar/picture alliance

Rainha Victoria e Príncipe Albert

Em 1837 foi coroada a rainha Victoria, sobrinha de George 4º e de origens predominantemente alemãs. Ela se casaria com um primo, o príncipe alemão Albert, da Casa de Saxônia, Coburgo e Gota. A princípio, Albert era motivo de riso dos britânicos: "o que nossa rainha quer com um príncipe provincial alemão?" Mas em breve, eles acabaram mudando de ideia: Albert intercedia por seus súditos e dizem que foi ele quem estabeleceu na Inglaterra o costume alemão de montar árvores de Natal.

Ele também trouxe a primeira exposição mundial para Londres em 1851 e reformou a administração e o setor de construção do reino. Com Albert, a família real britânica conseguiu recuperar seu prestígio. Ainda hoje, é possível encontrar em Londres uma série de homenagens ao príncipe consorte alemão, como uma estátua dele no centro da capital inglesa, a ponte Albert (Albert Bridge) e a famosa sala de concertos Royal Albert Hall.

A "Avó da Europa"

Enquanto isso, a rainha Victoria assumia funções mais representativas - além de seu papel de mãe de nove filhos. Sua influência na política externa consiste sobretudo em seus laços familiares com todas as casas governantes importantes da Europa.

A rainha Victoria Foto: CPA Media Co. Ltd/picture alliance

De maneira habilidosa, ela tratou de casar sua prole com diversas outras cortes principescas europeias. Não é de se admirar, portanto, que os descendentes de Victoria tenham ocupado ou ainda ocupem o trono em muitas casas reais europeias: a rainha Margrethe 2º, da Dinamarca; os reis Harald, da Noruega, e Carl Gustav, da Suécia; o ex-casal real espanhol Juan Carlos e Sofía. Apelidada de "Avó da Europa", Victoria ficou 64 anos no trono, chegando a ser a monarca mais antiga da Grã-Bretanha - pelo menos por 120 anos, até ser superada por sua tataraneta, Elizabeth 2ª.

De Saxônia-Coburgo a Windsor

Victoria morreu em 1901. Seu filho mais velho, Edward 7ª, a sucedeu no trono, tornando-se o primeiro rei inglês da dinastia alemã de Saxônia, Coburgo e Gota (ou Sachsen-Coburg und Gotha, em alemão). Para tornar o nome mais palatável para os ouvidos britânicos, ele foi inclusive renomeado como "Saxe-Coburg and Gotha". Em 1910, subiu ao trono seu filho George 5º, casado com a alemã Mary von Teck - mais conhecida como "Queen Mary".

"Queen Mary" e George 5º visitando a Irlanda do Norte em maio de 1921Foto: empics/picture alliance

Foi durante o reinado de George 5º que eclodiu a Primeira Guerra Mundial. A Inglaterra declarou guerra ao kaiser (imperador) alemão Guilherme 2º - primo de George 5º e neto da rainha Victoria - e todos no país se voltaram contra tudo o que era alemãoO império alemão, afinal, era visto pelos ingleses como o principal agressor no conflito e nacionalistas britânicos desconfiavam dos laços da família real com o país continental. Foi por isso que, em 1917, George 5º decidiu mudar o nome alemão da família real para Windsor, denominação que se manteve até os dias de hoje. George também abriu mão de todos os títulos alemães, e seu primo Louis von Battenberg fez o mesmo. A partir desse momento, sua família passaria a se chamar Mountbatten . E é desta família que veio o príncipe Philip, marido da rainha Elizabeth.

A realeza e os nazistas

O filho de George, Edward 8º, subiu ao trono em 1936. Mas ele acabaria renunciando o posto por amor ao se casar com a americana divorciada Wallis Simpson. Quem assumiu foi seu irmão Albert, que virou George 6º. Naquela época, a Alemanha estava sob o poder de Adolf Hitler e os nazistas, e o Terceiro Reich era visto com um misto de ceticismo e interesse no exterior.

A mãe de Edward e Albert, "Queen Mary", valorizava muito suas raízes alemãs e insistia que elas fossem preservadas pelos seus filhos - sobretudo diante dos diversos parentes que possuía na Alemanha de Hitler. Edward, portanto, mostrava abertamente sua simpatia pelos nazistas alemães. Há inclusive uma foto em que ele e sua esposa apertam a mão do "Führer" com um sorriso digno de pena.

Alemanha e Reino Unido: fortes laços rompidos com a Segunda Guerra Mundial Foto: EPA/dpa/picture alliance

Somente alguns anos atrás, veio à tona o trecho de um vídeo em que Edward e sua cunhada aparecem fazendo a saudação nazista com duas meninas. As meninas em questão eram Margaret e Elizabeth, a futura rainha da Inglaterra; por trás da câmera, estava George 6º, pai de Elizabeth. Ainda hoje, essa cordialidade observada no histórico das relações entre a nobreza britânica e os nazistas alemães não é bem vista por muitos britânicos - e, tanto quanto possível, tais evidências ainda são mantidas em sigilo.

E quão alemão, afinal, é o rei Charles 3º?

A mãe da rainha Elizabeth era britânica e, portanto, a rainha inglesa era descendente de alemães apenas em parte. Seu marido Philip, por outro lado, tinha ancestrais predominantemente alemães e também falava alemão fluentemente. Em 1947 ele se tornou um cidadão britânico, desistindo de seu título aristocrático alemão "von Schleswig-Holstein-Sonderburg-Glücksburg" pouco antes de se casar com Elizabeth e mantendo apenas o nome "Mountbatten". Pode-se dizer, portanto, que o filho mais velho dessa união, o atual rei Charles 3º, tem uma ascendência com cerca de metade de suas raízes de origem alemã.

O rei Charles 3º: britânico, sim, mas com muitos ancestrais alemãesFoto: Daniel Leal/AFP/Getty Images

Com sua primeira esposa, a britânica Diana Spencer, Charles teve dois filhos, William e Harry. A esposa do príncipe William, Kate, não tem nenhum ancestral alemão; Já Meghan, a esposa de Harry, é filha de um americano com raízes irlandesas, mas dizem que ela tem ancestrais alemães.

É extremamente improvável que uma pessoa de origem alemã volte a ascender ao trono inglês. De fato, existe uma descendente alemã direta de monarcas ingleses: Karin Vogel. Ela é a 4.973ª da lista britânica de sucessores. Em sua árvore genealógica, bem lá atrás, aparece George 1º, o primeiro rei britânico vindo da Alemanha.

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