Quais as chances de uma contraofensiva da Ucrânia no sul?
Roman Goncharenko
2 de setembro de 2022
Há sinais de que Kiev esteja preparando um contra-ataque em grande escala em torno de Kherson. Segundo especialistas militares, hora e lugar seriam ideais. E caberia apressar-se, pois a oportunidade ameaça durar pouco.
Anúncio
Entre as questões que ocupam os ucranianos neste início de setembro, uma das mais prementes é se serão capazes de expulsar as forças russas de seu sul, como conseguiram no norte. Caso positivo, dentro de que prazo? Há indicações crescentes de uma contraofensiva a caminho para retomar Kherson, porém a situação no solo permanece opaca.
Quando a Rússia invadiu o país vizinho, em fevereiro, suas tropas tentaram capturar Kiev, mas fracassaram. Em março, tiveram que recuar de sua posição no norte da capital e a Ucrânia reassumiu o controle. Agora o foco ucraniano é a cidade de Kherson, logo a noroeste da península da Crimeia, anexada unilateralmente por Moscou há oito anos.
Na segunda-feira (29/08), representantes do Exército ucraniano informaram que "operações ofensivas" estavam sendo realizadas no sul. A imprensa ocidental noticiou que diversas localidades já haviam sido reconquistadas, porém a liderança nacional se mantém reticente, com o presidente Volodimir Zelenski advertindo que nenhum detalhe da campanha seria tornado público.
Por sua vez, o Ministério da Defesa russo afirmou que teria repelido recentemente um contra-ataque. Ben Hodges, ex-general comandante do Exército dos Estados Unidos na Europa, comentou à DW: "Realmente dá a impressão de que algo grande está começando, mas ainda não estamos seguros. Há muito mais para ocorrer nos próximos dias."
Por que Kherson é tão importante
Kherson é a maior cidade ucraniana sob ocupação russa. Nos primeiros estágios da guerra, as tropas de Moscou se deslocaram rapidamente para o norte, a partir da Crimeia ocupada, estabelecendo um corredor terrestre com a Rússia e conquistando amplos trechos das costa do Mar de Azov e do Mar Negro. Trata-se de território de grande importância estratégica, pois a Ucrânia exporta mercadoria a partir dos portos locais.
O rio Dniepre, que atravessa a região, abastecia a Crimeia de água potável. Depois que a Rússia tomou a península, em 2014, a Ucrânia cortou essa fonte, porém desde que as tropas invasoras ocuparam a área, elas voltaram a direcionar água para lá, via um canal.
Durante semanas especulou-se sobre uma potencial contraofensiva no sul. Falando ao jornal britânico The Times, em junho, o ministro ucraniano da Defesa, Oleksii Reznikov, revelou que Zelenski ordenara a retomada das zonas litorâneas do país.
No momento, ninguém sabe com certeza se essa operação está em curso, mas, segundo o ex-comandante Hodges, a ocasião seria ideal: "Se a Ucrânia realmente lançar sua ofensiva, ela terá escolhido a hora e lugar certos."
Com armamentos pesados fornecidos pelo Ocidente, em especial o sistema de mísseis High Mobility Artillery Rocket System (Himars), de fabricação americana, a Ucrânia tem atingido as linhas de abastecimento russas ao leste do Dniepre, próximo a Kherson. A própria cidade se situa na margem ocidental do rio, o que dificulta o envio de reforços russos.
Imagens de satélite também provam que as Forças Armadas ucranianas conseguiram danificar diversas pontes nas proximidades de Kherson. O Himars também foi empregado para atacar postos de comando e controle russos, observa Hodges.
Anúncio
Kiev pressionado a partir para a ofensiva
O contra-ataque ucraniano despertou grandes expectativas entre a população civil, desejosa de que seu exército não só defenda, mas também reconquiste território. "Kiev está sob pressão para não apenas jogar na defensiva, mas partir para a ofensiva", confirma o analista militar Bradley Bowman, do think tank FDD, sediado nos EUA – um sentimento compreensível, segundo ele, considerando-se tudo por que o país tem passado.
Além disso, acrescenta, a Ucrânia deveria avançar agora com a campanha, pois a janela de oportunidade poderá se fechar em breve. Além de notícias de reforços russos para a área, a Rússia está preparando um referendo para justificar a anexação do sul da Ucrânia, como fez na Crimeia em 2014.
Para o especialista britânico em assuntos militares Justin Crump, a campanha ucraniana recente "certamente parece uma operação ofensiva muito mais significativa, alinhando-se com o que o presidente queria". No entanto, o tempo mais frio e úmido no outono e inverno (que se aproximam no hemisfério norte) complicará os esforços para recuperar território.
Numa mensagem de vídeo aos líderes do G7, em junho, Zelenski afirmou querer dar fim à guerra até o inverno. Contudo, quando um repórter da DW abordou o assunto no fim de agosto, o presidente recusou posicionar-se. Por outro lado, ressalvou que a Ucrânia está determinada a se defender, e só negociará com a Rússia quando sentir que deve fazê-lo.
Ataques da Rússia a alvos civis na Ucrânia
Vladimir Putin nega que o exército russo esteja atacando alvos civis na guerra na Ucrânia. Mas os fatos o contradizem, como mostra esta galeria de fotos, que nem de longe abrange todos os ataques russos.
Foto: Maksim Levin/REUTERS
Mais de 5.500 civis mortos
O presidente russo, Vladimir Putin, declarou no fim de junho: "O exército russo não está atacando alvos civis". Observadores independentes discordam: de acordo com dados da ONU, mais de 5.500 civis morreram na Ucrânia desde o início da guerra e mais de 7.800 ficaram feridos como resultado de ataques russos. Na foto, um centro comercial destruído em Kremenchuk, 27/06/2022.
Foto: Efrem Lukatsky/AP Photo/picture alliance
Chaplyne: 25 mortos em bombardeio
Uma enorme cratera em Chaplyne. A pequena cidade no leste da Ucrânia, com cerca de 3.800 habitantes, foi alvo de um ataque russo em 24 de agosto, como admitiu mais tarde o Ministério da Defesa em Moscou. O alvo foi um trem de transporte de armas, mas o ataque também atingiu civis. Segundo a companhia ferroviária ucraniana, 25 foram mortos, incluindo duas crianças.
Foto: Dmytro Smolienko/Ukrinform/IMAGO
Vinnytsia: 28 vítimas em ataque com foguete
Em 14 de julho, o exército russo atingiu com um míssil a Casa dos Oficiais de Vinnytsia, onde teria ocorrido "uma reunião da liderança militar das Forças Armadas ucranianas e fornecedores estrangeiros de armas". Entre os 28 mortos, estavam três crianças e três oficiais, além de mais de 100 feridos. Vinnytsia se localiza a sudoeste de Kiev.
Foto: State Emergency Service of Ukraine/REUTERS
Chasiv Yar: 48 mortos em bombardeio
Na noite de 9 de julho, a pequena cidade de Chasiv Yar, no leste da Ucrânia, foi bombardeada. Segundo a mídia, os lançadores de foguetes múltiplos Uragan foram disparados em áreas residenciais. Um edifício residencial de cinco andares foi duramente atingido, e 48 corpos foram resgatados de seus escombros.
Foto: Nariman El-Mofty/AP/dpa/picture alliance
Serhiyivka: 21 mortos em ataque com mísseis de cruzeiro
Um ataque a Serhiyivka em 1º de julho custou pelo menos 21 vidas. O porto perto de Odessa aparentemente foi atingido por mísseis de cruzeiro durante a noite, como a Anistia Internacional informou após investigações no local. Pelo menos 35 ficaram feridos nos ataques. Por ser um resort de saúde, Serhiyivka é particularmente popular entre os turistas russos.
Foto: Maxim Penko/AP/picture alliance
Kramatorsk: 61 mortos na estação de trem
Imagens terríveis de Kramatorsk deram a volta ao mundo em 8 de abril: vários mísseis submarinos russos 9K79-1 Tochka atingiram a estação ferroviária da cidade no leste da Ucrânia, enquanto passageiros esperavam pelo trem. 61 foram mortos, incluindo sete crianças. Cientistas de balística determinaram que os mísseis haviam sido disparados da área da Ucrânia controlada pelos russos.
Foto: Ukrainian President Volodymyr Zelenskyy's Telegram channel/dpa/picture alliance
Bucha: encontrados 1.316 corpos
Bucha tornou-se sinônimo das ações brutais do Exército russo: depois que as tropas inimigas partiram, em 30 de março, vários corpos jaziam na rua Jablunska. No total, foram encontrados 1.316 corpos em Bucha e arredores. Embora a Rússia tenha negado quaisquer massacres, verificadores de fatos internacionais e equipes de investigação confirmaram execuções de civis por soldados russos.
Foto: Zohra Bensemra/Reuters
Mykolaiv: 36 mortos em ataque à administração regional
Em 29 de março, um ataque aéreo atingiu o prédio da administração regional de Mykolaiv. A parte central do edifício foi completamente destruída, do primeiro ao nono andar, restando apenas um esqueleto do prédio. A explosão também danificou vários edifícios residenciais e administrativos próximos, causando a morte de 36 cidadãos.
Em 16 de março, uma bomba destruiu o teatro no centro de Mariupol. De acordo com a Human Rights Watch, mais de 500 civis estavam se abrigando dos ataques no prédio na época. A palavra "Crianças" escrita em enormes letras brancas na frente e atrás do prédio não serviu como escudo. Segundo a prefeitura, 300 morreram.
Foto: Pavel Klimov/REUTERS
Mariupol: quatro mortos em ataque a clínica
Um ataque aéreo russo em 9 de março destruiu o hospital infantil e a maternidade de Mariupol. Houve menos quatro mortes, incluindo uma grávida e seu bebê, 17 ficaram feridos. Enquanto o Ministério da Defesa russo falou de uma "provocação encenada", o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, chamou o atentado de "crime de guerra".
Foto: Evgeniy Maloletka/AP/picture alliance
Charkiv: foguete mata 24 pessoas
Um vídeo de vigilância divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia mostrou um foguete atingindo o prédio da Administração Estatal Regional de Kharkiv em 1º de março, causando 24 mortes, inclusive de transeuntes.
Foto: Pavel Dorogoy/AP/picture alliance
Inquérito do Tribunal Penal Internacional
As autoridades ucranianas relatam mais de 29 mil crimes de guerra, do início do conflito, em 24 de fevereiro de 2022, até 26 de agosto. Investigações independentes prosseguem. O Tribunal Penal Internacional enviou equipes para coletar informações. De acordo com as Convenções de Genebra, ataques deliberados a civis são crimes de guerra. No entanto, a Rússia não reconhece a corte sediada em Haia.