Qual é a estratégia de Putin na negociação com a Ucrânia?
Grzegorz Szymanowski
15 de março de 2025
Presidente russo diz aprovar ideia de cessar-fogo, mas impõe diversas condições – que, segundo críticos, dizem muito sobre os verdadeiros objetivos do Kremlin.
Especialistas veem em posição ambígua de Vladimir Putin sobre cessar-fogo tentativa de ganhar tempo para assegurar interessesFoto: Kremlin Press Office/TASS/IMAGO
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Antes de responder concretamente sim ou não à proposta americana para um cessar-fogo na guerra na Ucrânia, Vladimir Putin dirigiu na quinta-feira (13/03) "palavras de gratidão" ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, "por dedicar tanta atenção à resolução do conflito".
O gesto reverente não era por acaso. "Putin quer que Trump acredite que ele está interessado num acordo", afirma Anton Barbashin, cientista político e editor-chefe do site Riddle Russia. O presidente russo não quer incorrer no mesmo erro do líder ucraniano Volodimir Zelenski e aborrecer Trump. Em vez disso, explica Barbashin, Putin "quer apertar todos os botões necessários para fazer Trump falar com ele" e garantir um bom negócio.
Mas a ideia de Putin de como deveria ser esse acordo pode ser diferente da de Trump. O americano quer uma trégua inicial de 30 dias nos combates. Putin sinalizou que apoiava a ideia, mas acrescentou que há "questões que precisamos discutir". Mas que questões são essas, e o que elas revelam sobre as intenções da Rússia?
Putin quer mais concessões na mesa
As objeções de Putin ao cessar-fogo, que ele chamou de "questões", são na verdade demandas explícitas: rendição dos soldados ucranianos que ainda combatem na região russa de Kursk; veto à mobilização de novos soldados ucranianos e suspensão de entrega de armas a Kiev enquanto durar a trégua.
Segundo Putin, o cessar-fogo deve "levar a uma paz de longo prazo e eliminar as causas do conflito". Essa formulação vaga é uma tentativa de alinhar as negociações aos objetivos de longo prazo de Moscou na Ucrânia.
"A Rússia está mirando num cessar-fogo que levaria diretamente a conversas de paz", afirma Barbashin. Por isso, Moscou quer assegurar várias concessões de antemão, incluindo a confirmação "tanto da Otan quando da Ucrânia" de que Kiev jamais será parte da aliança militar.
Além disso, os objetivos de guerra declarados publicamente por Putin incluem a exigência da retirada completa das tropas ucranianas das regiões de Luhansk, Donetsk, Zaporíjia e Kherson, que a Rússia não conseguiu ocupar totalmente.
Quais as chances de Putin ganhar o que ele quer?
Especialistas alinhados ao Kremlin avaliam que Trump pode considerar as condições de Putin aceitáveis. "Os EUA podem muito bem concordar com a exigência de um embargo de armas, porque Trump não quer gastar mais dinheiro americano com a Ucrânia", afirmou o cientista político Sergei Markov no Telegram. Segundo ele, a mobilização de soldados na Ucrânia já seria tão impopular a esta altura que pará-la poderia fortalecer o governo de Zelenski.
Mas os EUA voltaram a enviar armas para a Ucrânia, após pausar a ajuda por alguns dias. E a mobilização ainda é a única opção que a Ucrânia tem para manter sua defesa. Portanto, parece improvável que o país aceite suspendê-la.
"Apesar de tudo que estamos ouvindo de Washington, a Ucrânia na verdade ainda tem muitas cartas na manga", avalia o especialista em segurança Dmitri Alperovitch. A Ucrânia, segundo ele, poderia escolher continuar se defendendo com ajuda da Europa, mesmo sem apoio dos EUA. "Seria muito mais difícil, mas eles têm essa opção."
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Rússia tenta ganhar tempo e não espantar Trump
Muitos especialistas acreditam que Putin esteja tentando ganhar tempo – tempo para expulsar as tropas ucranianas da região russa de Kursk e convencer Trump, talvez numa reunião de cúpula, da necessidade de um acordo mais abrangente.
De acordo com Barbashin, se Putin conseguir impor suas demandas, "isso abriria caminho para uma discussão muito mais ampla sobre a arquitetura de segurança europeia". Trump, que não esconde seu ceticismo em relação à Otan, pode estar preparado para uma conversa dessas – o que criaria uma oportunidade única para a Rússia.
Ao mesmo tempo, parece que as opções de Trump para influenciar Putin são limitadas. Putin se gaba de que a economia russa, impulsionada primariamente por gastos militares, ainda está funcionando apesar das sanções impostas pelas grandes potências.
"Trump tem poucas opções para enfrentar tanto uma rejeição russa quanto uma aceitação fingida e prolongada", escreveu o pesquisador e jornalista Alexander Baunov numa análise para o Carnegie Russia Eurasia Center, em Berlim. Em vez de ameaçar com punições, o método mais eficaz para convencer Putin é oferecer a ele a "tentação de um grande acordo" – algo que se alinharia muito aos interesses do líder russo.
Guerra na Ucrânia completa três anos
Resistência militar, milhões de refugiados, milhares de mortes e o medo da retirada dos EUA: uma retrospectiva do drama no país do Leste Europeu desde a invasão russa em fevereiro de 2022.
Foto: Narciso Contreras/Anadolu/picture alliance
Exército russo se posiciona
Imagens de satélite mostram tanques e tropas russas em Yelnya, na Rússia, perto da fronteira com a Ucrânia. Em 11 de novembro de 2021, o então secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, alertou o presidente russo, Vladimir Putin, sobre os riscos que resultariam caso suas tropas invadissem a Ucrânia. Putin ignorou os alertas e ordenou a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022.
Foto: Maxar Technologies/AFP
Invasão da Ucrânia
A ofensiva militar russa contra a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022 resultou em ataques com mísseis nas cidades de Kiev, Odessa e Kharkiv. Um prédio militar foi incendiado na capital ucraniana. A guerra, chamada por Moscou de "operação militar especial", havia começado.
Foto: Efrem Lukatsky/AP Photo/picture alliance
O trauma de Bucha
Após algumas semanas, o exército ucraniano expulsou tropas russas das cidades do norte e do nordeste. O plano das forças de ocupação de cercar Kiev fracassou. As atrocidades cometidas pelos militares russos foram reveladas durante a libertação dos territórios. As imagens de civis torturados e mortos em Bucha, perto de Kiev, deram a volta ao mundo. Autoridades registraram 461 mortes.
Foto: Serhii Nuzhnenko/AP Photo/picture alliance
Vida em ruínas
Nos planos de Moscou, a invasão deveria durar três dias e terminar em vitória. De acordo com o Instituto para o Estudo de Guerra, o Kremlin agora controla 20% do território ucraniano, principalmente no leste.
Foto: Sofiia Gatilova/REUTERS
Eleições nos territórios ocupados pela Rússia
Desde setembro de 2022, a Rússia anexou as regiões de Donetsk, Lugansk, Zaporíjia e Kherson. Um ano depois, Moscou realizou eleições nas mesmas regiões. O partido Rússia Unida saiu vitorioso em todas as votações, apontadas amplamente como fraudulentas.
Foto: Alexander Ermochenko/REUTERS
Nove milhões em fuga
A guerra na Ucrânia provocou uma onda de refugiados na Europa sem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial. De acordo com a ONU, 3,7 milhões de ucranianos estão internamente deslocadas no país. Outros seis milhões fugiram da Ucrânia, e a maioria foi acolhida pela Polônia e Alemanha.
Foto: Hannibal Hanschke/Getty Images
Mariupol, símbolo da resistência ucraniana
O cerco à cidade de Mariupol, no sul da Ucrânia, durou 82 dias. A cidade foi fortemente bombardeada e os últimos defensores ucranianos se entrincheiraram na siderúrgica de Azovstal. A foto de uma mulher grávida sendo retirada da maternidade deu a volta ao mundo.
Foto: Evgeniy Maloletka/AP/dpa/picture alliance
Ponte da Crimeia em chamas
Com 19 quilômetros de comprimento, a Ponte da Crimeia é a mais longa da Europa. Explosões danificaram severamente a ponte em outubro de 2022, que ficou apenas parcialmente transitável. Em junho de 2023, um novo ataque causou mais danos. O ministro da Defesa ucraniano admitiu que o serviço secreto do país estava por trás dos ataques.
Foto: Alyona Popova/TASS/dpa/picture alliance
Inundações em larga escala
Em 6 de junho de 2023, a barragem de Kakhovka, no rio Dnipro, foi deliberadamente explodida. A Rússia e a Ucrânia culparam uma à outra. A barragem estava sob controle russo na época. Ocorreram grandes inundações, e milhares perderam suas casas.
Foto: Libkos/AP Photo/picture alliance
Infraestrutura de energia destruída
Os ataques russos têm mirado repetidamente a rede elétrica. Em junho de 2024, o ministro de Energia da Ucrânia anunciou que 80% das usinas térmicas e mais da metade das hidrelétricas haviam sido atacadas. O resultado foram cortes significativos de energia e o agravamento da situação humanitária, principalmente no inverno.
Foto: Sergey Bobok/AFP
Ataques ucranianos em território russo
Em agosto de 2024, as forças armadas ucranianas lançaram uma ofensiva em território russo pela primeira vez. Inicialmente, conseguiram controlar cerca de 1,4 mil quilômetros quadrados na região de Kursk. Desde então, perderam novamente dois terços do território ocupado.
Foto: Roman Pilipey/AFP/Getty Images
Guerra dos drones
Os drones viraram um artefato de guerra central na Ucrânia. Ambos os lados usam os veículos aéreos não tripulados para reconhecimento e vigilância, mas também para ataques direcionados.
Três anos de guerra deixaram marcas profundas na sociedade e no território ucranianos. No leste e no sul, muitas cidades e vilarejos foram severamente devastados pelos ataques russos. Várias se tornaram cidades fantasma, como o vilarejo de Bohorodychne, na região de Donetsk.
Longe do front, os problemas não são imediatamente visíveis. A vida continua para alguns, com lojas, cafés e restaurantes abertos. Geradores de energia viraram um antídoto contra cortes de energias.
Foto: Oleksandr Kunytskyi/DW
Trump, um agente de mudança?
Durante a campanha eleitoral, o então candidato Donald Trump afirmou que poderia acabar com a guerra em 24 horas. Em mais de um mês de mandato, ainda não conseguiu. Entretanto, sua aproximação com a Rússia e o simultâneo distanciamento da Ucrânia geraram preocupações crescentes entre ucranianos sobre a possibilidade de a guerra terminar em breve sob termos ainda desconhecidos.