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Qual é o papel do Brasil na luta contra a mudança climática?

2 de dezembro de 2019

A esta Conferência da ONU sobre Mudança Climática (COP25), o país chega sem o protagonismo que tinha. Especialistas alertam que, em vez disso, há ameaça de retrocessos na proteção ambiental sob o governo Bolsonaro.

Trocos de árvore em desmatamento ilegal na Amazônia
Desmatamento ilegal na Amazônia: metas de proteção florestal estão longe de ser alcançadasFoto: imago images/Westend61

O Brasil, quinta maior nação do mundo, é o sétimo maior produtor mundial de gases de efeito estufa, apesar de um exemplar sistema de produção de eletricidade. A utilização do solo na agricultura é responsável por quase a metade dessas emissões, grande parte das quais devido à dizimação das matas.

Na verdade, portanto, o país poderia contribuir muito para a proteção do clima. O governo quer exigir dos países ricos pelo menos 10 bilhões de dólares por ano para a proteção do clima. Mas quais propostas a delegação brasileira tem a oferecer na COP25, iniciada em Madri nesta segunda-feira (02/12), é um mistério até para quem está por dentro do assunto.

Tasso Azevedo, um dos principais especialistas do Brasil em questões climáticas, acredita que provavelmente o país buscará melhorias no comércio de créditos de carbono. Mas e de resto? "De qualquer forma, o Brasil perdeu o ambicioso papel de protagonista que vem desempenhando desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992", diz Azevedo em entrevista à DW.

"O Brasil tinha todas as condições e vinha tendo uma atitude de ser protagonista, de dar um empurrão para que pudéssemos ser mais ambiciosos nas metas do clima. Mas no momento perdemos essas ambições", acrescenta.

A COP25 deveria acontecer no Brasil, mas o presidente Jair Bolsonaro cancelou o evento. Sua desconfiança em relação às instituições globais faz com que ele frequentemente cogite sair do Acordo de Paris sobre o clima. Além disso, ele enfraqueceu o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) por causa de supostas estatísticas manipuladas sobre o desmatamento e cortou fundos para programas de proteção climática.

As consequências são óbvias. Azevedo alerta que as metas estabelecidas para 2020 durante a Conferência do Clima de Copenhague em 2009 serão apenas parcialmente cumpridas pelo Brasil. A produção total de CO2, conforme anunciado, será de cerca de duas gigatoneladas, e a meta de 45% de energia limpa será alcançada.

Diferentemente do reflorestamento e do desmatamento. Este último deveria ser reduzido em 80% em comparação à média dos anos 1996-2005. Ou seja, até 2020, o desflorestamento deveria ser de no máximo 3.900 quilômetros quadrados por ano, um objetivo longe de ser alcançado. De agosto de 2018 a julho de 2019, foram desmatados 9.762 quilômetros quadrados e, de agosto a outubro deste ano, já foi desmatado o tanto que foi estimado para o período até julho de 2020.

"A gente vai estourar, e em muito, a meta de desmatamento em 2020", opina Azevedo. A promessa feita em Paris de reduzir o desmatamento ilegal na Amazônia a zero até 2030 também está ameaçada, segundo ele. "Hoje, 90% do desmatamento é ilegal."

O governo está tentando de tudo para reverter o progresso alcançado nos últimos 30 anos, segundo Sérgio Leitão, do think tank ecológico Instituto Escolhas. Ele afirma que, em vez de se proteger as reservas naturais e indígenas como se costumava fazer, é feito exatamente o contrário. "No momento atual, os sinais que a gente está emitindo para o mundo é que somos um bad guy, um vilão. Não queremos ser vistos como um país progressista."

Boneco de Bolsonaro em protesto de ambientalistas durante COP24, na PolôniaFoto: Imago/Zuma Press/O. Marques

As energias no Brasil

Mas o Brasil ainda apresenta bons resultados. Por exemplo, 47% da energia produzida vem de fontes limpas, enquanto 85% vem de fontes renováveis​​. São estatísticas de ponta em termos globais. "A matriz energética brasileira é limpa", diz Leitão.

"Mas ela corre o risco de ser crescentemente ocupada por maiores emissões de gás de efeito estufa, por causa da participação maior do gás na matriz elétrica", frisa. O governo planeja aumentar drasticamente a parcela de gás de sua própria produção offshore. "Se isso vier a ocorrer, o gás vai bloquear exatamente o espaço para que se aumente a participação de energia eólica, solar e de biomassa", alerta o especialista.

O Instituto Escolhas calculou que nos próximos 15 anos o Brasil poderia gerar 68% a mais de energia eólica, solar e de biomassa sem provocar custos adicionais para o setor energético. Assim, essas fontes seriam responsáveis por 40% da energia. "Para isso, a gente precisa deixar muito claro que a aposta do Brasil é nas fontes renováveis, e não nas fontes ligadas a combustíveis fósseis."

A expansão da infraestrutura de gás é, além disso, cara e ameaça não ser rentável a longo prazo, alerta Leitão. "Esse universo de crescimento das energias renováveis é imenso, e não faz sentido a gente desperdiçar isso, trazendo gás, por mais que ele possa existir em abundância em função dos recursos do pré-sal. A gente não pode errar, porque o país que errar nas escolhas da sua matriz de eletricidade ficará para trás na corrida do desenvolvimento."

Azevedo destaca a geração de energia limpa, que no ano passado conseguiu reduzir suas emissões mais uma vez em 5%, chegando a 407 milhões de toneladas de CO2. "No caso da energia elétrica, o Brasil não deve a ninguém. Entre as grandes economias, certamente o Brasil é um exemplo."

Nos últimos dez anos, o Brasil esteve entre os três principais países em termos de investimento em energia eólica, que no ano passado superou as usinas de combustíveis fósseis pela primeira vez, com uma participação de 10% na geração de energia. Azevedo ressalta que, embora a energia solar ainda esteja engatinhando, há progressos no setor.

Queimadas na Floresta Amazônica cresceram nos últimos mesesFoto: picture-alliance/dpa/M. Sayao

Por outro lado, a indústria do etanol, que floresceu até a descoberta das gigantescas reservas de petróleo offshore em 2006, está no chão. O Brasil investe em agrocombustíveis desde a década de 1970, e sua frota de automóveis flex, que podem usar tanto gasolina como etanol ou uma mistura dos dois em qualquer proporção, é única no mundo.

"Não tem programa igual no mundo. Somos o único país no mundo que conseguiria fazer uma transição completa, se quiséssemos", diz Leitão.

Azevedo propõe que o governo proíba completamente os motores a gasolina e a diesel para carros, em favor dos motores flex e elétricos. "Mas o governo brasileiro age no sentido contrário, autorizando carro com motor a diesel e permitindo plantação de cana em todos os biomas, com recursos públicos."

Esse foi um novo golpe para a indústria de etanol. No início de novembro, o governo federal revogou um decreto de 2009 que impedia a expansão do cultivo de cana-de-açúcar para as áreas ecologicamente valiosas do Pantanal e da Amazônia. Os consumidores ambientalmente conscientes no exterior não vão gostar do fato de que agora os agrocombustíveis alimentem o desmatamento, prevê Leitão. Existe o perigo de boicotes.

"Não precisamos produzir destruindo"

O calcanhar de Aquiles brasileiro é o uso agrícola do solo, responsável por 70% das emissões, grande parte delas, 845 milhões de toneladas de CO2, através do desmatamento. Se este fosse reduzido a zero, o Brasil poderia reduzir em 44% suas emissões, o correspondente ao que a indústria e o setor elétrico emitem juntos.

Além disso, não é necessário desmatar novas áreas, segundo Leitão. Atualmente, em média, menos de uma cabeça de gado ocupa um hectare de pasto, e milhões de hectares de terra estão vazios. Muito espaço para uma agricultura mais eficiente. "Precisamos mostrar ao mundo que nossa vocação é produzir protegendo e não produzir destruindo."

"Infelizmente, o governo brasileiro está indo numa espécie de contramão dessa possibilidade, dizendo que o desmatamento é a condição para o país continuar crescendo economicamente, aumentando sua produção", avalia Leitão.

"Um problema fundamental é que existem muitos céticos das mudanças climáticas no governo", acredita Azevedo. Ele tem esperança de que, assim como nos Estados Unidos, apareçam impulsos importantes dos governos locais, da sociedade civil e das empresas. "Eles gostariam de ver o Brasil mais proativo."

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