Qual é o risco de contaminação nuclear após ataques ao Irã?
22 de junho de 2025
EUA e Israel bombardearam instalações de enriquecimento de urânio. Órgão fiscalizador da ONU afirma até agora não ter informações sobre aumento nos níveis de radiação, e especialistas veem danos limitados.
Imagem de satélite mostra danos à planta de enriquecimento de urânio de Natanz após bombardeio israelense em 14 de junho de 2025Foto: Maxar Technologies/AP/picture alliance
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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou ter "obliterado" as três principais instalações do programa nuclear iraniano na noite deste sábado (21/06 no horário de Washington, madrugada de domingo no Irã): Isfahan, Natanz e o ultraprotegido complexo subterrâneo de Fordo, que foi alvejado com bombas especiais antibunker capazes de "escavar" o solo antes de explodir a até 61 metros de profundidade.
Fordo era considerado especialmente estratégico porque teria sido projetado para produzir graus mais puros de urânio, o que o tornava militarmente mais significativo. Foi ali que, em 2023, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), órgão de fiscalização nuclear da ONU, anunciou ter encontrado partículas de urânio enriquecido a um grau de 83,7% de pureza – próximo dos 90% necessários ao desenvolvimento de armas nucleares.
A extensão dos danos causados pelo ataque deste domingo segue desconhecida.
Desde 13 de junho, Israel também vem atacando instalações nucleares em Natanz, Isfahan, Arak e Teerã. A ação tem o objetivo declarado de inviabilizar o desenvolvimento de armas de destruição em massa pelo regime iraniano. Teerã nega que tivesse essa pretensão e alega que seu programa nuclear tinha apenas fins civis.
Mas até que ponto esses bombardeios poderiam provocar um desastre nuclear?
Órgão fiscalizador da ONU monitora situação
A AIEA detectou danos à instalação de enriquecimento de urânio em Natanz, ao complexo nuclear de Isfahan e a centros de produção de centrífugas em Karaj e Teerã.
Em Arak, segundo a entidade, as forças israelenses danificaram o reator de pesquisa de água pesada de Khondab, que ainda estava em construção, além de uma planta próxima que produzia água pesada. A AIEA afirma que as estruturas não estavam em operação e não continham material nuclear, e que portanto não houve efeitos radiológicos.
Sobre os ataques deste domingo a Isfahan, Natanz e Fordo, o órgão disse que não há informações sobre aumento nos níveis de radiação. "Até o momento, não esperamos que haja qualquer consequência para a saúde das pessoas ou do ambiente fora das áreas atingidas", afirmou o diretor da AIEA, Rafael Grossi.
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Risco de contaminação limitado, dizem especialistas
Especialistas afirmaram que o risco de contaminação decorrente dos ataques contra a infraestrutura nuclear iraniana é baixo. Isso porque, ao contrário da usina nuclear de Bushehr – que não foi atacada –, não há reações nucleares acontecendo nas unidades de enriquecimento de urânio bombardeadas.
Horas antes do ataque a Fordo, a emissora americana NPR havia informado que o urânio enriquecido armazenado nos subterrâneos do complexo está na forma gasosa, e que "isso significa que não há como ocorrer uma reação em cadeia nuclear descontrolada".
Como explicou à Reuters a pesquisadora Darya Dolzikova, do think tank londrino Rusi, ataques a instalações nas etapas iniciais do ciclo do combustível nuclear — as fases em que o urânio é preparado para uso em um reator — representam, sobretudo, riscos químicos, e não radiológicos.
Nas instalações de enriquecimento, como Natanz, Isfahan e Fordo, a preocupação dos cientistas é com o UF6, ou hexafluoreto de urânio.
"Quando o UF6 interage com o vapor d'água no ar, ele produz substâncias químicas nocivas", disse Dolzikova à agência de notícias Reuters. "Com ventos fracos, grande parte do material tende a se depositar nas proximidades da instalação; com ventos fortes, o material pode viajar por distâncias maiores, mas também tende a se dispersar mais amplamente. O risco de dispersão de produtos químicos perigosos é menor em instalações subterrâneas."
Chefe da unidade de segurança civil da Universidade de Leicester, no Reino Unido, Simon Bennett também afirmou à Reuters que os riscos ao meio ambiente decorrentes de um ataque a instalações subterrâneas são mínimos, pois o material nuclear está "enterrado sob possivelmente milhares de toneladas de concreto, terra e rocha".
Antes de entrar num reator nuclear, o urânio é pouco radioativo, explica James Acton, codiretor do Programa de Políticas Nucleares do Fundo Carnegie para a Paz Internacional. "O hexafluoreto de urânio é tóxico, mas não costuma se deslocar por grandes distâncias e é pouco radioativo", acrescentou.
Segundo ele, é improvável que ataques como os que Israel vêm conduzindo causem consequências significativas para além das próprias instalações nucleares.
Ataque a usina de Bushehr (foto) poderia provocar desastre nuclearFoto: Caren Firouz/File Photo/REUTERS
Ataque a Bushehr poderia provocar desastre nuclear
A grande preocupação dos especialistas é com a segurança do reator nuclear em Bushehr, na costa do Golfo. A instalação é a única usina nuclear em operação no país, e funciona com combustível importado da Rússia.
O temor de uma catástrofe tomou conta da região na última quinta-feira passada, quando os militares israelenses anunciaram ter alvejado Bushehr e depois voltaram atrás, dizendo que haviam se enganado – Israel afirma querer evitar qualquer desastre nuclear.
Especialistas concordam que ataques a instalações de enriquecimento de urânio seriam um problema menor de contaminação química, com alcance restrito ao entorno, mas que danos a reatores de energia seriam um problema muito mais sério. Num cenário desses, elementos radioativos seriam liberados no ar ou no mar, possivelmente causando uma "catástrofe radiológica", nas palavras de Acton.
Além de Bushehr, há ainda um reator de pesquisa nuclear em Teerã que contém radioatividade e que, se atingido, representaria um grande risco de contaminação radiológica "mais parecido com Fukushima ou Tchernobil", nas palavras do jornalista Geoff Brumfiel à emissora NPR.
Segundo Brumfiel, outro local crítico é o reator nuclear em Dimona, Israel. Ele é parte do programa de armas nucleares israelenses e, se atingido pelo Irã, poderia desencadear uma crise de grandes proporções.
Países do Golfo estão especialmente preocupados
Para os países do Golfo, o impacto de qualquer ataque a Bushehr seria piorado pelo potencial de contaminação do mar na região, comprometendo seriamente uma fonte importante de água potável dessalinizada.
A água dessalinizada responde por mais de 80% da água potável nos Emirados Árabes Unidos, e por cerca de 50% na Arábia Saudita. No Barein e no Catar, a dependência é total.
O Conselho de Cooperação do Golfo (GCC, em inglês) está em alerta máximo para monitorar qualquer eventual contaminação decorrente dos ataques, segundo a Reuters, mas até o momento não detectou quaisquer sinais de ameaça.
"Se um desastre natural, vazamento de óleo ou mesmo um ataque proposital prejudicarem a dessalinização da água, centenas de milhares de pessoas poderiam perder o acesso a água de forma praticamente instantânea", explicou Nidal Hilal, professor de engenharia e diretor do Centro de Pesquisa em Água em Abu Dhabi da New York University.
"Plantas costeiras de dessalinização são especialmente vulneráveis a ameaças regionais, como vazamentos de óleo e contaminação nuclear", disse Hilal.
ra/as (Reuters, AP, ots)
O mês de junho em imagens
Reveja alguns dos principais acontecimentos do mês
Foto: Leo Correa/AP/picture alliance
Em ação sem maiores danos, Irã responde a EUA com mísseis no Catar
Em resposta ao bombardeio dos EUA a instalações nucleares, o Irã disparou mísseis contra uma base militar americana no Catar. A ação – "fraca", nas palavras de Donald Trump, que teria sido avisado com antecedência – não deixou feridos. Segundo o Catar, os mísseis foram interceptados. (23/06)
Foto: Stringer/Anadolu/picture alliance
EUA entram na guerra no Irã e atacam instalações nucleares
Nove dias após início da campanha militar israelense, o presidente Donald Trump anuncia que aviões dos EUA "obliteraram" três instalações nucleares iranianas e ameaça Teerã com mais ataques se regime não aceitar imposição de um acordo. Um dos alvos foi o complexo subterrâneo de Fordo (foto). Ataques foram confirmados pelo Irã, mas a extensão dos danos ainda é desconhecida. (22/06)
EUA enviam bombardeiros, e tensão no Oriente Médio escala
Apontados como os únicos capazes de bombardear alvos subterrâneos de difícil acesso no Irã, aviões americanos B-2 foram enviados a Guam, uma ilha no Pacífico. Embora motivo do deslocamento não estivesse claro, ele ocorreu num momento em que o presidente americano Donald Trump avaliava a possibilidade de interferir diretamente na guerra entre Israel e Irã. (21/06)
Foto: Matrixpictures/picture alliance
Parlamento britânico aprova legalização do suicídio assistido
A câmara baixa do Parlamento do Reino Unido aprovou um projeto de lei que permite a adultos com doenças terminais encerrarem voluntariamente suas vidas. A votação representa um passo rumo à legalização do suicídio assistido, sendo considerada uma das mudanças mais significativas na política social britânica em décadas. O procedimento já é legal em países como Espanha e Áustria. (20/06)
A escalada militar entre Israel e Irã se agravou no sétimo dia do conflito, quando um míssel iraniano provocou danos ao principal hospital do sul de Israel e ataques aéreos israelenses atingiram uma importante instalação nuclear iraniana. O centro médico Soroka, na cidade de Bersebá, foi atingido por um míssil balístico, deixando vários feridos. (19/06)
Foto: Tsafrir Abayov/Anadolu /picture alliance
Milhares protestam na Argentina contra prisão de Cristina Kirchner
Apoiadores da ex-presidente da Argentina saíram às ruas em defesa da líder peronista, que começou a cumprir seis anos de prisão domiciliar por corrupção. Os manifestantes se concentraram em frente à casa do governo argentino e se espalharam pelas ruas vizinhas. Em discurso, Kirchner prometeu "voltar com sabedoria", apesar de não poder mais se candidatar a cargos públicos. (18/06).
Foto: Gustavo Garello/AP Photo/picture alliance
PF indicia Carlos Bolsonaro e Ramagem por "Abin paralela"
A PF concluiu a investigação sobre esquema de espionagem ilegal de celulares na Abin e indiciou mais de 30 pessoas, incluindo o ex-diretor da agência Alexandre Ramagem e o vereador Carlos Bolsonaro. A investigação mira servidores e políticos que teriam monitorado telefones e computadores de desafetos de Jair Bolsonaro durante seu governo. Ele é acusado de se beneficiar do esquema (17/06)
Foto: Fellipe Sampaio/STF
Agência para refugiados da ONU demitirá 3,5 mil funcionários
O Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur) anunciou que cortará 3,5 mil empregos – quase um terço de seus custos com a força de trabalho – devido à escassez de recursos, e reduzirá a escala de sua ajuda em todo o mundo após uma queda no financiamento à ajuda humanitária, principalmente dos recursos vindos dos EUA sob Donald Trump. (16/06)
Foto: Florian Gaertner/IMAGO
Milhares protestam nos EUA contra Trump
Uma multidão tomou as ruas de 2 mil cidades americanas em oposição à gestão de Donald Trump, acusado de autoritário pelos manifestantes. O envio de forças federais para reprimir protestos em Los Angeles na última semana e a convocação de um desfile militar que acontece neste sábado em Washington também pautaram as críticas nos atos apelidados de "No Kings" (Sem Reis). (14/04)
Foto: Yuki Iwamura/AP/dpa/picture alliance
Israel e Irã trocam agressões em escalada militar
Israel lançou um ataque contra instalações nucleares do Irã, matando 78 pessoas, incluindo três dos chefes militares do país e dezenas de civis. A ofensiva desencadeou uma troca de agressões sem precendentes entre os países. Em retaliação, a República Islâmica disparou dezenas de mísseis contra Tel Aviv e Jerusalém, furando o Domo de Ferro israelense e ferindo 34 pessoas. (13/06)
Foto: Leo Correa/AP/picture alliance
Queda de avião na Índia deixa mais de 200 mortos
Um avião da Air India com 242 pessoas a bordo caiu em uma área residencial logo após decolar perto do aeroporto de Ahmedabad, no oeste da Índia. Apenas um dos passageiros a bordo sobreviveu. A polícia indiana contabiliza ainda outras 24 vítimas que estavam no solo e morreram no momento do acidente. A causa do acidente está sendo investigada (12/06)
Foto: Ajit Solanki/AP Photo/picture alliance
Ajuda humanitária em Gaza na mira de militares israelenses
Pelo menos 21 palestinos morreram enquanto se dirigiam a locais de distribuição de ajuda humanitária em Gaza. Entidades denunciam, além da violência, quantidade insuficiente de alimentos, após meses de bloqueio à entrada de itens básicos por Israel. O exército israelense alegou que disparou "tiros de advertência". O número de palestinos mortos em 20 meses de guerra já supera 55 mil. (11/06)
Foto: Saeed Jaras/Middle East Images/AFP/Getty Images
Réu no STF, Bolsonaro é interrogado em processo da trama golpista
Ao longo de dois dias, ex-presidente e outros sete ex-auxiliares acusados de integrar "núcleo crucial" da trama golpista depuseram na Primeira Turma. Político negou ter discutido planos de golpe após perder a eleição e disse que só debateu medidas constitucionais com militares, mas que não editou "minuta do golpe". (10/06)
Foto: Fellipe Sampaio/STF
Israel detém barco que levava Greta Thunberg e o brasileiro Thiago Ávila
A Marinha de Israel interceptou um barco que tentava levar ajuda humanitária a Gaza. O veleiro Madleen, da iniciativa internacional Flotilha da Liberdade, levava 12 ativistas a bordo. Eles foram escoltados até um porto e, segundo o governo israelense, serão deportados. (09/06)
Trump chama militares para reprimir protestos na Califórnia contra prisão de imigrantes
O presidente americano Donald Trump enviou militares da Guarda Nacional a Los Angeles para conter protestos que eclodiram na esteira de uma série de operações de detenção de supostos migrantes irregulares. A medida não tem apoio do governo do estado da Califórnia, que acusou Trump de tentar provocar uma crise. (08/06)
Foto: Frederic J. Brown/AFP
Rússia amplia ataques contra 2ª maior cidade da Ucrânia
A Rússia executou diversos ataques no centro de Kharkiv, segunda maior cidade da Ucrânia, deixando cinco civis mortos e mais de 61 feridos, incluindo um bebê e uma adolescente de 14 anos. Bombas planadoras, um míssil e 53 drones atingiram prédios residenciais. O prefeito do município classificou a ação como o ataque mais severo desde o início da guerra. (07/06)
Foto: Sofiia Gatilova/REUTERS
Marcelo livre
Um juiz americano determinou a libertação do estudante brasileiro Marcelo Gomes da Silva, de 18 anos, que chegou aos Estados Unidos com cinco anos de idade e foi detido pelo Serviço de Imigração (ICE) a caminho de um treino de vôlei. Ele ficou preso por cinco dias, durante os quais dormiu em chão de concreto, sem acesso a chuveiro, acompanhado de homens com o dobro da sua idade. (06/06)
Foto: Rodrique Ngowi/AP
Musk e Trump trocam insultos e rompem relações
Bilionário que atuou como conselheiro da Casa Branca criticou projeto de lei de Orçamento de Trump que prevê cortes de impostos e aumento de gastos batizado pelo presidente como "Big Beautiful Bill". Musk chegou a endossar impeachment de Trump e associou presidente ao pedófilo Jeffrey Epstein. Trump reagiu dizendo que Musk "enlouqueceu" e ameaçou cortar contratos da SpaceX com governo. (05/06)
Foto: Nathan Howard/REUTERS
Moraes ordena prisão de Carla Zambelli após deputada deixar o país
O ministro do STF acatou pedido da PGR de prisão preventiva contra a deputada federal e determinou a inclusão dela na lista de procurados da Interpol. Moraes determinou bloqueio de salários, bens, contas bancárias e perfis em redes sociais. Parlamentar deixou o país após ser condenada a 10 anos de prisão e à perda de mandato por envolvimento na invasão do CNJ. (04/06)
Foto: Adriano Machado/REUTERS
Governo da Holanda desmorona após saída de ultradireitista
Alegando insatisfação com a política migratória, Gert Wilders – também conhecido como "Trump holandês" – e seu partido deixaram coalizão de governo, levando primeiro-ministro Dick Schoof (foto) à renúncia após menos de um ano de mandato. Sem maioria no parlamento, Schoof permanecerá interinamente no cargo até a realização de novas eleições e formação de um novo gabinete. (03/06)
Foto: Peter Dejong/AP/picture alliance
Conservador Karol Nawrocki vence eleição presidencial na Polônia
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Na véspera de uma nova rodada de negociações de paz, Ucrânia e Rússia intensificaram sua ofensiva militar e protagonizaram ataques sem precedentes. Enquanto, Kiev destruiu 41 aviões militares na Sibéria, ofensiva de maior alcance no território russo em três anos de guerra, Moscou lançou número recorde de drones contra território ucraniano. (1º/06)