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Qual será o destino de Bolsonaro?

10 de fevereiro de 2023

Por temor de condenações, ex-presidente poderia tentar explorar brechas legais e não voltar ao Brasil, dizem especialistas. Asilo e ida para Itália seriam saídas consideradas por entorno de Bolsonaro.

Ex-presidente Jair Bolsonaro na Flórida
Situação migratória do ex-presidente brasileiro está em foco: duração da estadia no exterior depende do andamento de acusações contra Bolsonaro no Brasil.Foto: Paul Hennessy/AA/picture alliance

O futuro político do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está intrinsecamente ligado a seu futuro jurídico. Ou seja: se ele responderá e será julgado, no Brasil, por supostos crimes cometidos durante sua gestão como chefe de Estado. Essa condição ajuda a compreender o interesse por sua situação migratória. 

A viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos Estados Unidos, para um encontro oficial com o presidente Joe Biden nesta sexta-feira (10/02), suscita ainda mais especulações sobre possíveis conversas diplomáticas e políticas que possam ocorrer entre os dois governos referentes à situação de Bolsonaro. 

Porém, não existe nenhuma base jurídica, por ora, para pedido de extradição de Bolsonaro e, ainda que haja pressão política por parte de parlamentares do Partido Democrata americano contra a permanência do ex-chefe de Estado brasileiro no país, um ato de deportação também carece de pressupostos legais. 

Legalmente em solo americano

Derrotado nas urnas, Bolsonaro rompeu uma tradição democrática e evitou dar posse a Lula. Ele viajou aos EUA com visto diplomático, mas perdeu esta condição em 30 de janeiro de 2023, 30 dias após ter deixado o cargo de presidente. Bolsonaro solicitou, então, outro tipo de visto, de turista, que pode se estender por até 180 dias (90, renováveis por mais 90 dias). 

Portanto, o ex-presidente do Brasil permanece legalmente em solo americano, até que seja proferida uma decisão sobre o visto pelo Departamento de Estado dos EUA. 

Mas, no início de fevereiro, em entrevista ao podcast The Charlie Kirk Show, do ativista conservador norte-americano Charlie Kirk, Bolsonaro disse que retornará ao Brasil "nas próximas semanas" para exercer oposição a Lula. Mas não precisou uma data, e é preciso levar em consideração um histórico de declarações erráticas e contraditórias do ex-presidente. 

Bolsonaro também já deixou claro seu interesse em voltar à política no Brasil – e, segundo pesquisadores explicaram à DW, evitar o retorno ao país pode gerar, entre seus próprios apoiadores, a ideia de fuga, restringindo para sempre sua possibilidade de retomar a política nacional.

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Especialistas em direito internacional consultados pela DW Brasil apontam brechas legais para que Bolsonaro permaneça em solo americano por muito mais tempo.

Com base na ampla lista de acusações que pesam contra o ex-presidente no Brasil em diferentes esferas judiciais, há uma linha de juristas que aposta na permanência de Bolsonaro no exterior caso perceba o risco de alguma condenação iminente, cumprindo uma espécie de "prisão moral" –  que não é a prisão do cárcere –, fora de seu país de origem. 

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Neste cenário, ele não voltaria mais ao Brasil, podendo, inclusive, recorrer a um pedido de proteção diplomática (asilo político) a um país governado por algum líder de extrema direita, ideologicamente alinhado ao ex-presidente. 

"Acho muito difícil que ele responda pelos crimes no Brasil", sinaliza Maristela Basso, professora de direito internacional da USP, que aponta aspectos do processo legal que dariam margem a Bolsonaro para permanecer ou nos Estados Unidos ou buscar proteção diplomática em outro país.

Caso tenha uma condenação, uma sentença transitada em julgado, ou um pedido de prisão preventiva, e opte por não voltar ao Brasil, explica a professora, Bolsonaro permanecerá com "uma pena moral, mas que não atingirá os direitos de liberdade dele de ir e vir" caso consiga um asilo político, por exemplo. 

"É um outro tipo de prisão, não é a do cárcere, mas é aquela prisão que vai te perseguir para sempre. O mundo é sua cela e você está protegido só ali dentro [de determinado país ou zona], mas não pode sair mais para lugar nenhum", explica a professora.

De fato, as acusações que pesam contra o ex-presidente são gravíssimas e extensas, tais como: abuso do poder econômico nas eleições de 2022, atos antidemocráticos e planejamento de um golpe de Estado, incitação aos atos violentos e de vandalismo em 8 de janeiro, irregularidades administrativas e charlatanismo na pandemia de covid-19, e genocídio dos povos indígenas.

Porém, há também especialistas que apostam no retorno dele ao Brasil por acreditar na morosidade do Judiciário e na impossibilidade de cumprimento de pena, recorrendo a inúmeros recursos jurídicos para responder em liberdade a todas as acusações. 

Cidadania italiana?

Raquel Salcon, professora de Direito Penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito-SP), também não crê no retorno de Bolsonaro ao Brasil. "Se ele voltar, extraditado ou não, não significa que será preso. Pode ser que ele venha e responda aos processos em liberdade. Se ele não conseguir renovar o visto nos EUA, voltar ao Brasil acho que ele não fará."

Ela crê que o ex-presidente poderá viajar a outro país, sem tratado de extradição com o Brasil, em que entenda estar sob menor risco.

A hipótese de concessão de uma outra cidadania, como a italiana, à qual Bolsonaro poderia solicitar por razões consanguíneas, apresenta alguns aspectos complexos.

O ex-presidente conseguiu a cidadania italiana honorária. Existe, no direito internacional, segundo explica Maristela Basso, "o forum shopping, em que se escolhe um passaporte para se evadir da aplicação da lei de seu país". Fica evidente a má fé, segundo ela –, ou seja, a ação de usar um passaporte apenas para fugir da aplicação do direito brasileiro. 

Asilo político para casos de perseguição

Os especialistas abordam a questão do asilo político porque um pedido de extradição precisa ser muito bem fundamentado juridicamente, com um processo judicial já avançado contra o réu. 

Esse não é, até o presente momento, o caso de Bolsonaro. "Brasil e Estados Unidos possuem um tratado de extradição dos anos 60. Nele, há mais de 30 crimes ou delitos previstos que são passíveis de entrega dos indivíduos que foram processados e condenados no país, que requer a extradição. Entre eles, por exemplo, está o homicídio ou dano doloso a edifícios públicos", explica Lucas Carlos Lima, professor de Direito Internacional na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisador convidado na Sorbonne.

O governo brasileiro, diz ele, precisaria identificar no pedido de extradição o crime praticado por Bolsonaro, "o qual deve ser previsto tanto no ordenamento jurídico penal brasileiro quanto no americano e estar compreendido no tratado de extradição". 

"Pedir asilo político é sempre possível, o que não significa que isso seria concedido. O asilo político é uma figura jurídica a ser utilizada em casos de comprovada perseguição. A concessão de asilo político num eventual caso de condenação por um tribunal brasileiro, seguido do pedido de extradição, por exemplo, poderia eventualmente implicar na violação do tratado de extradição", argumenta o professor da UFMG.

Lima acha complexa a concessão do asilo pelos EUA, nas atuais circunstâncias: "Decisões de asilo efetivamente podem demorar anos. Havendo uma decisão e um pedido de extradição, conceder asilo pode violar o tratado. Se o asilo for concedido antes do pedido de extradição, isso não muda o cenário. Há uma obrigação do Estado em extraditar em virtude do tratado", alerta. 

Entre as acusações que pesam contra o ex-presidente, está incitação aos atos golpistas de 8 de janeiro às sedes dos Três Poderes, em BrasíliaFoto: Sergio Lima/AFP

O asilo, explica o professor Eduardo Biacchi Gomes, doutor em direito e professor de direito internacional da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná, não protege um condenado. "Para o direito internacional, a prática de crime não legitima a concessão de asilo."

No entanto, ele pontua que o asilo, que pode ser territorial ou diplomático, é uma decisão discricionária de um chefe de Estado. "Falando em tese, um presidente da Hungria ou outro país [de extrema direita] alinhado ideologicamente a Bolsonaro poderia conceder esse asilo. Mas, juridicamente, eu não veria margem para esta decisão."

Extradição: só com processo ou condenação

Só pode ser extraditado um indivíduo processado ou condenado, ou seja, não basta haver contra ele apenas indiciamento ou investigação. Ainda que um pedido seja fundamentado, é preciso observar o devido processo legal, e Bolsonaro poderia rejeitar a extradição formalmente, recorrendo.  

Segundo Lima, "uma vez que o Departamento de Justiça recebe um pedido de extradição estrangeira, deve analisar legalmente o pedido e, se aprovado, encaminhá-lo ao Ministério Público (Attorney Office) dos Estados Unidos no distrito judicial em que o fugitivo está localizado – no caso de Bolsonaro, Miami-Dale, na Flórida". Maristela Basso acrescenta: "A corte dos EUA que vai receber um eventual pedido de extradição teria que chamar Bolsonaro para se defender". 

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Segundo a professora da USP, ao se deparar com a iminência de uma extradição, a defesa de Bolsonaro poderia optar pelo pedido de proteção diplomática (asilo), que também teria que obedecer a trâmites burocráticos e legais até uma eventual decisão, o que daria ainda mais tempo ao ex-presidente.

Haveria, inclusive, possibilidade de pedir asilo ainda durante a gestão Biden, que é do Partido Democrata e oposto à linha ideológica de Bolsonaro. Como a análise de um pedido de asilo pode levar anos, o Partido Democrata poderá não estar mais no poder.

Algo que pode tornar a situação do ex-presidente dramática, na visão da professora, seria uma condenação pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Ainda que os EUA não sejam signatários do TPI, Bolsonaro entra na lista vermelha da Interpol. "Ele não pode ir a lugar nenhum. Pode ser preso em qualquer aeroporto mequetrefe", explica. 

Turista nos EUA

No momento, Bolsonaro está legal nos EUA por ter solicitado um novo visto de turista. Se obtiver o visto, poderá permanecer no país por mais 3 meses, pelo menos, podendo ser prorrogável. 

Questionado pela DW Brasil, Felipe Alexandre, porta-voz do escritório de advocacia AG Immigration, que presta assessoria jurídica para questões de imigração nos Estados Unidos e aconselha Bolsonaro, respondeu por e-mail que espera que a resposta das autoridades americanas demore alguns meses, já que ela "envolve análise tanto do USCIS [Serviço de Imigração e Cidadania americano] quanto do Departamento de Estado".

Para Alexandre, o pedido de mudança de status feito por Bolsonaro é "a melhor opção” para seu cliente: "Acreditamos que será aceito pelo governo com base nas circunstâncias do caso e em precedentes. Nosso foco tem sido garantir que a petição seja bem-sucedida e não discutimos nenhuma outra possibilidade com o cliente". O advogado não respondeu se já foi cogitado por Bolsonaro o pedido de asilo, alegando não poder passar informações privilegiadas de seus clientes.

"Não há nenhuma condenação ainda contra Bolsonaro. Só ser investigado, como regra, não fundamenta uma extradição. O que me parece é que se os EUA não renovarem o visto (de turista), isso impossibilitaria a permanência dele e isso acabaria sendo uma espécie de solução salomônica para o caso", pontua Raquel Salcon, da FGV.

"No fundo, toda extradição envolve uma decisão política ao final. Passaria pelo Biden. Não é só um processo jurídico, e nem só político." Para a professora de Direito Penal, a possibilidade mais concreta de uma responsabilização jurídica contra Bolsonaro seria pela incitação aos crimes antidemocráticos e à invasão da sede dos Três Poderes em 8 de janeiro deste ano. Além disso, ela observa que a questão indígena "possivelmente vai gerar ação criminal contra o ex-presidente".

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