1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW
HistóriaTanzânia

Quando a maior montanha alemã ficava na África

Marc von Lüpke-Schwarz 21 de abril de 2014

O alemão Hans Meyer foi o primeiro europeu a alcançar em 1889 o ápice do monte Kilimanjaro. Até a Primeira Guerra Mundial, o cume conhecido como "Pico Imperador Guilherme" era considerado o ponto mais alto da Alemanha.

Foto: zeno.org

Os brados de "Hurra, hurra, hurra!" ecoaram em 6 de outubro de 1889 do topo nevado do pico Kibo, ápice do monte Kilimanjaro, na África. O alemão Hans Meyer e seu acompanhante austríaco Ludwig Purtscheller uniram as vozes para que o mundo escutasse sua euforia.

Aventureiro Hans Meyer (1958-1929)Foto: picture-alliance/dpa

Meyer era o primeiro europeu a alcançar o alto da montanha, alguns passos antes de seu colega austríaco. A uma altura de 5.895 metros, o alemão olhou para baixo e contemplou a Terra. Com cuidado, retirou da mochila uma pequena bandeira da Alemanha e a fincou no solo.

"Pelo direito de primeiro escalador, eu batizo este cume desconhecido e sem nome do Kibo, ápice da terra africana e alemã: Kaiser Wilhelm Spitze [Pico Imperador Guilherme]", proclamou Meyer.

De repente, a Alemanha possuía uma montanha com quase 6 mil metros de altura. O Zugspitze, ponto mais alto do país até então, não media sequer a metade. E do alto das nuvens Meyer não se esqueceu de pegar um presente para o doador do nome: com grande honra, o escalador entregaria depois aquela "pedra mais elevada" ao imperador Guilherme 2º em pessoa. O presenteado mais tarde mandou aplicar o suvenir na decoração do Grottensaal, o Salão da Gruta, no Novo Palácio de Potsdam.

Ponto mais alto da África

O conquistador do Monte Kilimanjaro nasceu em 22 de março de 1858, na Turíngia. Sua família era famosa na Alemanha inteira pelo Léxico de Conversação Meyer, obra encontrada praticamente em todos os lares burgueses. Graças à editora fundada por seu avô, Hans Meyer gozava da independência econômica necessária para viajar.

Colonialismo: para os alemães, os nativos eram mão de obra barataFoto: Bundesarchiv,Walther Dobbertin- CC-BY-SA

Em 1887, partiu para a África Oriental, onde se apaixonou pelo Monte Kilimanjaro. "A noroeste, o cume nevado do Kilimanjaro paira sobre nós, brilhante, gigantesco, sobrenatural", descreveu o aventureiro com entusiasmo. O Kilimanjaro é um maciço do qual se projetam três altos picos originados pelos vulcões extintos Kibo, Mawenzi e Shira. O Kibo é também o ponto mais alto do continente africano.

Meyer sonhou então em ser o primeiro a pisar esse topo. O desafio esportivo, no entanto, não era sua principal motivação. Como convicto colonialista, queria sinalizar com a proeza a força da Alemanha e seu suposto direito em possuir colônias. Desde 1885, o país regia sobre a África Oriental Alemã, região que abrangia basicamente os territórios das atuais Tanzânia, Ruanda e Burundi.

Além de ser uma questão de prestígio para o império, o interesse principal dos alemães era a exploração econômica de sua colônia. Eles cobravam impostos altíssimos e escravizavam grande parte da população nativa. Revoltas sangrentas contra a dominação alemã assolavam constantemente a região. A maior delas, a rebelião dos maji-maji, em 1905, redundou em cerca de 100 mil mortes. Os alemães esmagaram a revolta, agindo com brutalidade extrema, também contra a população civil.

Monte Kilimanjaro permanece atração entre montanhistasFoto: picture-alliance/dpa

"Negros fiéis"

Como todos os colonizadores alemães, Hans Meyer dependia em 1889 da ajuda dos nativos para carregarem seus equipamentos, cuidarem de sua alimentação ou mesmo para aconselhamento. Esses eram os "negros fiéis", como Meyer os "elogiava" segundo sua visão de mundo racista, enquanto fazia planos para explorar a colônia da forma mais eficiente. Para ele, a "riqueza da África" era a sua "ainda latente mão de obra". Mas para que desta saíssem bons trabalhadores, seria necessário "condensar, elevar e enobrecer a peculiar cultura negra".

Significa que os africanos precisavam ser "civilizados" de acordo com os preceitos da "cultura alemã". Um, em especial, teve provavelmente muito a agradecer a Hans Meyer. O jovem de 18 anos Yohani Kinyala Lauwo, da tribo dos chagga, guiou o alemão até o cume da montanha. Assim, Lauwo foi o primeiro tanzaniano a vencer o Kilimanjaro – fato esse que não despertou grande interesse na Alemanha.

O monte em si, no entanto, tornou-se célebre no império: homens, mulheres e crianças, todos logo sabiam que a montanha mais alta da Alemanha ficava na África distante. Jornais, revistas e livros encarregaram-se de propagar a notícia.

Partida do Kilimanjaro

Placa em homenagem a Meyer, como primeiro europeu a escalar o KilimanjaroFoto: Muhammad Mahdi Karim

Em breve, outros alemães quiseram escalar o Kilimanjaro. Com o objetivo de oferecer abrigo e proteção aos escaladores durante a subida, foram construídas cabanas: uma reprodução daquilo que os alemães conheciam dos Alpes. Em 1912, foi erigida a Bismarckhütte e em 1913, a Petershütte, em homenagem ao colonialista Carl Peters. Ainda hoje essas construções oferecem abrigo aos montanhistas, embora sob outros nomes.

Contudo, os alemães não tiveram muito tempo para se dedicar ao prazer das caminhadas nas alturas. A Primeira Guerra Mundial eclodiu em 1914, e a África Oriental Alemã virou zona de guerra, onde as tropas alemãs e britânicas se enfrentaram. Em 1919, o Reino Unido tomou posse da colônia, que só se tornaria livre algumas décadas mais tarde.

Apenas em 1961 a futura Tanzânia conquistou sua independência. Na véspera desse grande acontecimento, o ápice do pico Kibo foi escalado novamente e ganhou um novo nome: Uhuru, que em suaíle significa "liberdade".