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Quando o sonho do trabalho vira pesadelo

Roselaine Wandscheer3 de dezembro de 2002

A escravidão moderna ainda existe em regiões pobres e ricas. Neste Dia Internacional da Abolição da Escravidão, a DW-WORLD traz uma entrevista exclusiva sobre o trabalho alemão no combate do trabalho escravo na Amazônia.

Mão-de-obra explorada derruba mata na AmazôniaFoto: AP

"A escravidão, hoje, não é mais o fato de se comprar uma pessoa como se compra um boi", explica Cláudio Moser, encarregado de projetos da Misereor, a agência de cooperação da igreja católica alemã. Ser escravo significa perder o direito fundamental de ir e vir, através da apreensão de documentos ou de dívidas.

Neste 2 de dezembro, instituído pelas Nações Unidas como Dia Internacional da Abolição da Escravidão, Cláudio lembra que o trabalho escravo pode manifestar-se de forma muito sutil: "Em vez de correntes nas pernas, hoje em dia eles têm os documentos apreendidos pelos patrões ou são obrigados a pagar dívidas de passagem, hospedagem e comida, cobrados a preços exagerados."

Na Europa, por exemplo, a escravidão moderna manifesta-se de várias formas. Uma delas é o tráfico humano, em que as pessoas são buscadas ilegalmente e trazidas para os países ricos em condições desumanas, muitas vezes morrendo no caminho. É o caso, por exemplo, das mulheres forçadas à prostituição e das crianças encontradas presas em casa, vítimas de abuso sexual.

Engajamento alemão no Brasil

A Alemanha presta vários tipos de apoio no combate ao trabalho escravo no Brasil. Este trabalho é feito principalmente através da Comissão Pastoral da Terra (CPT), presente em quase todo o país. Além da Misereor, várias organizações sindicais alemãs, da igreja evangélica e outros grupos de apoio participam do Fórum Carajás. Seu alvo são os problemas da Amazônia Oriental, sendo que o trabalho escravo é apenas um dos problemas desta região, como conta Cláudio Moser.

No Brasil, a forma mais freqüente de escravidão moderna acontece nas fazendas do interior, geralmente na derrubada de mato para a abertura de novos campos. O fazendeiro encomenda a força de trabalho a intermediários, chamados "gatos".

Cláudio explica que a mão-de-obra é atraída através de um adiantamento, sem saber que se trata de uma armadilha: "Em geral, a pessoa interessada recebe em torno de 40 reais adiantados e é levada de caminhão à fazenda, normalmente muito distante. A partir deste momento, o trabalhador já começa a se endividar, sendo obrigado a assumir as despesas com o transporte, pernoite e comida. No final do mês, ele têm mais a pagar do que receber de volta."

Apenas a ponta do iceberg

Barçaca no rio AmazonasFoto: AP

Os casos só vêm à tona quando há alguma denúncia. A queixa leva ao acionamento do Ministério do Trabalho, que promove batidas nos locais suspeitos. Mesmo assim, Cláudio não acredita que os números disponíveis revelem a verdadeira dimensão do problema. "São apenas a ponta do iceberg", suspeita.

Em 1992, haviam sido denunciados 16 mil casos de trabalho escravo na Amazônia Oriental. Este número cresceu assustadoramente nos anos seguintes, chegando a 26 mil em 1995. Depois disso, começou a diminuir. Das 2400 denúncias em 1996, baixou para 465 no ano 2000, voltando a subir para 2416 no ano passado.

Esta oscilação, segundo Cláudio, deve-se, por um lado, ao cuidado dos próprios fazendeiros para evitar queixas. Por outro, já é o efeito das campanhas de apoio, conscientização e esclarecimento feitas na região pela Pastoral da Terra.

Ficar de olhos abertos

Na área da prevenção, a Misereor colaborou recentemente com a publicação de um panfleto em forma de história em quadrinhos, intitulado "De olho aberto para não virar escravo". Cláudio explica que o objetivo é tanto advertir sobre o trabalho escravo, como também incentivar as denúncias ao esclarecer os trabalhadores sobre seus direitos. Além disso, a Misereor defende os direitos dos trabalhadores na Justiça.

Para dar uma idéia dos riscos envolvidos neste trabalho, o encarregado de projetos da Misereor conta um caso ocorrido há algumas semanas. Numa batida em conjunto com a Polícia Federal na região de Xinguara, os 11 integrantes de uma equipe que havia libertado 57 trabalhadores mantidos sob forma de trabalho escravo receberam um telefonema com ameaças de morte no hotel onde estavam hospedados.

Acabar com a impunidade

"Ainda há muitas ameaças contra quem combate a escravidão. Por isso, a importância de punições exemplares através de um Estado de Direito eficiente", reivindica o encarregado de projetos da agência de cooperação da igreja católica alemã.

Cláudio Moser lamenta que, dos 1337 assassinatos de índios, pequenos agricultores e religiosos registrados pela CPT de 1985 a 2001, só 102 casos foram levados a julgamento. Dos 94 executores acusados e dos 13 mandantes, 56 assassinos e oito mandantes foram condenados, inclusive os de Chico Mendes.

A escritora inglesa Binka Le Breton, que mora no Brasil, publicou este ano o livro Vidas Roubadas, onde revela mais detalhes sobre a escravidão moderna na Amazônia brasileira.

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