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Quase 70% dos brasileiros têm medo de violência política

15 de setembro de 2022

Pesquisa realizada pelo Datafolha indica que milhões de brasileiros foram vítimas de ameaças por suas posições políticas recentemente. Levantamento também aponta que quase 90% apoiam a democracia.

Protesto pró-armas em Brasília em julho de 2020
Protesto pró-armas em Brasília em julho de 2020Foto: Andressa Anholete/Getty Images

As eleições de 2022 têm sido marcadas por sucessivos casos de violência política. Um estudo realizado pelo Datafolha, divulgado nesta quinta-feira (15/09), traz números preocupantes sobre esse cenário. Mais de 67% dos entrevistados afirmam ter medo de serem agredidos fisicamente em razão de suas escolhas políticas.

Chama atenção o dado de que 3,2% dos entrevistados diz ter sido vítima de ameaças por suas posições políticas nos 30 dias anteriores à realização da pesquisa, conduzida entre 3 e 13 de agosto. O percentual corresponde a 5,3 milhões de eleitores, se extrapolada a amostra do estudo e considerada a população com 16 anos ou mais.

A pesquisa Violência e Democracia: panorama brasileiro pré-eleições de 2022 foi encomendada pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Foram ouvidas 2.100 pessoas, em 130 municípios.

O coordenador de projetos do Fórum, David Marques, lembra que o Brasil apresenta um contexto problemático mesmo fora das eleições.

"O Brasil tradicionalmente tem problemas com relação à proteção de pessoas que se envolvem nesse universo da política e afrontam, de alguma forma, o poder econômico e político no país", afirma.

De acordo com a ONG Global Witness, o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking de países com mais assassinatos de ativistas ambientais, por exemplo.

Marques ressalta que a especificidade do momento atual é a disseminação do medo de sofrer violência política na sociedade como um todo, e não apenas entre lideranças políticas e jornalistas.

"A gente tem vivido um cenário de bastante polarização política, principalmente a partir de 2014, com pontos altos em 2018. Nos últimos quatro anos, o debate político se tornou bastante acirrado e agressivo. Essa configuração da nossa arena política tem se refletido na sociedade, nas relações interpessoais", observa.

Violência pode aumentar

O pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública assinala que há um risco elevado de escalada da violência conforme a eleição se aproxima – com possibilidade de se tornar ainda mais agravada em um eventual segundo turno da eleição presidencial.

"Temos lideranças políticas no Brasil que incentivam essa agressividade, que apostam nessa agressividade como ferramenta de luta na arena política. Esse cenário reforça o papel dos órgãos de segurança pública em fazer a contenção desse momento político delicado, como instituições de Estado que são", diz.

Na semana passada, o trabalhador rural Rafael Silva de Oliveira, de 24 anos, foi presso após confessar ter assassinado um colega de trabalho durante uma discussão sobre política em uma chácara no Mato Grosso.

Em depoimento à polícia, Rafael, que é apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL), disse ter dado ao menos 15 facadas na vítima, Benedito Cardoso dos Santos, de 42 anos. O assassino utilizou um machado para tentar decapitar Benedito, apoiador de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Por meio de uma rede social, Lula lamentou o episódio e prestou condolências aos familiares de Benedito. "A intolerância tirou mais uma vida. O Brasil não merece o ódio que se instaurou nesse país", afirmou.

Sem ter comentado o crime, o presidente Bolsonaro adotou um tom violento contra o Partido dos Trabalhadores em discurso realizado dois dias após o assassinato.

"O PT, esta praga sempre está contra a população. Este pessoal não produz nada, só gera desgraça para o povo. Com esta nossa reeleição, pode ter certeza, varreremos para o lixo da História este partido", bradou o presidente, provocando aplausos e gritos de apoio da plateia.

Em julho, um caso semelhante foi registrado em Foz do Iguaçu (PR), quando o guarda municipal Marcelo Arruda foi morto a tiros pelo agente penitenciário Jorge Guaranho. Apoiador de Bolsonaro, Guaranho invadiu a festa de aniversário da vítima ao saber que a comemoração tinha como tema Lula e o PT.

Na última semana, Ciro Gomes (PDT), candidato à Presidência, e Guilherme Boulos (Psol), candidato a deputado federal por São Paulo, denunciaram ameaças de bolsonaristas durante eventos públicos de campanha. Em ambos os casos, os agressores diziam estar armados.

Apoio maciço à democracia

A pesquisa realizada pelo Datafolha trouxe indicadores positivos sobre o apoio dos brasileiros à democracia. Quase 90% dos entrevistados concordam que o vencedor das eleições nas urnas deve ser empossado em 1º de janeiro de 2023.

O estudo detalha que 89,3% dos entrevistados concordam com a frase "o povo escolher seus líderes em eleições livres e transparentes é essencial para a democracia", enquanto 88,5% concordam que "o povo ter voz ativa e participar das principais decisões governamentais é essencial para a democracia".

Os dados ganham destaque em um momento de questionamento da transparência das eleições e da confiabilidade das urnas eletrônicas por Bolsonaro e segmentos da sociedade brasileira. 

A cientista política Mônica Sodré, diretora-executiva da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, avalia que o Brasil está inserido em uma onda global de "autocratização", caracterizada pela erosão interna das instituições.

"Isso vem pela tentativa de revisionismo histórico científico em material didático, pela tentativa do Estado de ter mais vigilância e controle sobre o dia a dia dos cidadãos, vem quando a gente ataca as instituições, as eleições, descredibilizando o processo", detalha.

Em relatório publicado em 2019, o instituto V-Dem, um dos principais centros de estudos globais sobre a democracia, rebaixou o Brasil da posição de "democracia liberal" para a posição de "democracia eleitoral". "Na prática, isso significa que a saúde e a qualidade da nossa democracia estão em decréscimo", explica Sodré.

De acordo com a pesquisadora, o embasamento da pesquisa do Datafolha em uma metodologia científica minuciosa permite assegurar que as vozes de contestação ao processo eleitoral no Brasil não podem ser consideradas representativas da sociedade. No entanto, ela ressalta a importância da defesa permanente da democracia.

"A sociedade civil, partidos políticos, lideranças políticas, empresários, todos precisam estar atentos e vigilantes. A democracia é uma conquista civilizatória, relativamente recente. Nada garante que ela vá permanecer, e a tarefa de todos nós é sermos vigilantes e defendê-la", alerta.

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