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Disputa de décadas entre nobres e Alemanha tem final feliz

Stefan Dege
17 de junho de 2025

Quadros, móveis e louças preciosos: Casa Hohenzollern, do último imperador alemão exigia devolução de seus bens, tomados pelo Estado após as duas guerras mundiais. A boa notícia: os valiosos objetos continuam nos museus.

Coroa prussiana de 1889 exposta no Castelo Hohenzollern em Hechingen, Baden-Württemberg
Era uma vez um imperador: coroa prussiana de 1889 está exposta no Castelo Hohenzollern, em Hechingen, Baden-WürttembergFoto: Patrick Seeger/dpa/picture alliance

Uma disputa jurídica de quase um século se aproxima do fim na Alemanha. Trata-se de um momento realmente histórico, pois assim ficará esclarecida a situação de propriedade de milhares de obras de arte sob ameaça de ser retiradas das vistas do público.

A Casa Hohenzollern – dinastia nobre a que pertencia também o último imperador alemão, Guilherme 2º – reivindicava diversos objetos em museus do país, além de exigir compensações milionárias por castelos e inventário expropriado – entre preciosas louças, móveis de marfim e quadros importantes.

Tudo começou depois de a Alemanha perder a Segunda Guerra Mundial, quando tropas soviéticas ocuparam seus territórios a leste do rio Elba, e assim, a maior parte das propriedades dos Hohenzollern.

Guilherme 2º, último imperador da Alemanha, em quadro de Philip de LászlóFoto: Ralf Hirschberger/dpa/picture alliance

Uma vez que, na visão da União Soviética, os "junkers", a nobreza rural da Prússia, eram inimigos de classe e pilar do sistema nazista, em 1945 ela fez processo sumário, desapropriando sem indenização todas as casas nobres em sua zona de ocupação. Quatro anos mais tarde, o país se dividia, ficando a parte oriental, a República Democrática Alemã (RDA) sob regime comunista, subordinada à URSS.

Em 1989 caía o Muro de Berlim, a Alemanha era reunificada, e diversos antigos castelos e propriedades do Hohenzollern passaram a integrar de uma hora para a outra a República Federal da Alemanha (RFA).

Do tratado de unificação de 1990 constava, entretanto, que a reforma territorial de 1945 não seria anulada, portanto a família teria que desistir de seus antigos imóveis no leste. Porém mais de três décadas mais tarde os herdeiros do último monarca alemão exigiram do Estado a restituição de seus bens culturais. Inutilmente: o caso passou para o âmbito judicial.

Guilherme da Prússia e o "impulso considerável" ao nazismo

Na disputa por indenização, uma questão ocupava papel central: os representantes da Casa Hohenzollern haviam colaborado com o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores (NSDAP), que governara a Alemanha de 1933 a 1945? Concretamente: os herdeiros do imperador Guilherme 2º, que renunciara em 1918, haviam dado "impulso considerável" ao nazismo?

E qual fora a participação do filho do último monarca, ex-príncipe herdeiro Guilherme da Prússia durante as guerras mundiais? Ele ajudara os nazistas visando restabelecer a monarquia? A Lei de Ressarcimento (Ausgleichsleistungsgesetz) de 1994, que regulamenta a compensação por terras confiscadas no leste em 1945, estipula: quem forneceu "impulso considerável" a Adolf Hitler e os nazistas não tem direito a indenização.

Hitler em campanha eleitoral, em 1932: comprovadamente com apoio do príncipe herdeiro Guilherme da PrússiaFoto: akg-images/picture-alliance

De fato: documentos históricos confirmam a proximidade entre Guilherme e o nazismo, fotos mostram o príncipe herdeiro com o Hitler e outros líderes do partido. Até hoje se debate acaloradamente sobre o papel do aristocrata no Estado nazista: certo está que sua esperança de ser coroado novo imperador se frustrou.

Historiadores como Lothar Machtan e Stephan Malinowski apresentam Guilherme da Prússia como antidemocrata radical, que admirava o líder fascista italiano Benito Mussolini e procurava aproximar-se de Hitler, com a meta declarada de retomar o trono imperial. Ambos concluem: com sua conduta, Guilherme prestou "impulso considerável" ao estabelecimento e consolidação do regime nazista.

Comprovadamente, no pleito de 1932 para presidente do Império Alemão ele se colocou do lado Hitler, gabando-se mais tarde de ter-lhe angariado 2 milhões de votos. Além disso, demonstrou publicamente o alinhamento com as novas elites. O historiador Jacco Pekelder declarou numa entrevista à TV: "O capital simbólico dos Hohenzollern foi muito importante para os nazistas em 1932-33, mesmo que o príncipe herdeiro tivesse sua própria agenda."

Final feliz extrajudicial

Contudo, os editores da coletânea Die Hohenzollerndebatte (O debate dos Hohenzollern), publicada em 2021, colocam em séria dúvida essa tese. O historiador Frank-Lothar Kroll atribui a Guilherme um "engajamento antes marginal" em prol dos nazistas: apesar de ter bajulado Hitler, ele não teria partilhado a ideologia totalitária deste. Seus colegas Christian Hillgruber e Michael Wolffsohn dizem ver pouca base para as acusações de "impulso considerável".

Ao longo de décadas, hordas de advogados, políticos e historiadores se ocuparam com as exigências de devolução e ressarcimento por parte dos descendentes da família imperial. O caso só tomou uma guinada em 2023, quando o bisneto de Guilherme 2º Georg Friedrich, príncipe da Prússia, mudou de estratégia, retirando a queixa e abrindo o caminho para negociações extrajudiciais.

Príncipe Georg Friedrich da Prússia deu a guinada definitiva na disputa pelos bens dos HohenzollernFoto: picture-alliance/dpa/R. Hirschberger

Iniciadas no fim do ano seguinte, já em maio de 2025 estas resultaram no anúncio da criação da Fundação do Patrimônio Hohenzollern, envolvendo os governos federal alemão e dos estados de Berlim e Brandemburgo. Em meados de junho, o projeto obteve o sinal verde definitivo.

A nova fundação de interesse público se encarregará da gestão dos objetos de arte e cultura até então reivindicados pela Casa, além de administrar o inventário de mais de 70 palácios, vilas e outras propriedades em Berlim e Potsdam – não só os que possuía ou utilizava até 1945, como outros que haviam sido expropriados já em 1918, com o fim da monarquia.

O grande ganhador é o público, já que milhares de antigos objetos da família Hohenzollern continuarão podendo ser apreciados nos museus alemães.