Quatro perguntas sobre pedidos de prisão da cúpula do PMDB
Jean-Philip Struck7 de junho de 2016
Segundo imprensa, procurador-geral solicitou ao STF que Sarney, Renan, Jucá e Cunha sejam presos. Quais as chances de o Supremo acatar pedidos? E quais podem ser os impactos sobre o processo de impeachment contra Dilma?
Anúncio
Calheiros e Jucá reagem a pedido de prisão da PGR
01:32
Veículos de imprensa noticiaram nesta terça-feira (07/06) que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que decrete a prisão do presidente do Senado, Renan Calheiros, do senador Romero Jucá, do ex-presidente José Sarney e do deputado afastado Eduardo Cunha – todos do PMDB.
No caso de Renan, Sarney e Jucá, os pedidos de prisão estão relacionados a gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. As conversas sugerem uma trama para atrapalhar as investigações da Lava Jato. A Procuradoria-Geral da República (PGR) também pediu que Renan seja afastado da presidência do Senado.
Já o pedido contra Cunha envolve uma avaliação da PGR de que o deputado, mesmo afastado do comando da Câmara por ordem da Justiça, ainda interfere no seu funcionamento para atrapalhar as investigações que tramitam contra ele na Casa. Na tarde desta terça-feira, Janot evitou confirmar a existência dos pedidos, mas o vazamento levantou uma série de questões. Veja algumas delas:
Quando o STF vai analisar os pedidos?
Não há data prevista. No caso do afastamento de Cunha da presidência da Câmara em maio, transcorreram cinco meses entre o pedido da PGR e uma decisão do Supremo. Nesse período, o relator da Lava Jato, o ministro Teori Zavascki, sofreu críticas pela demora.
Para o professor de direito constitucional da FGV-SP Rubens Glezer, agora o Supremo deve sofrer mais pressão para analisar o caso rapidamente. "A divulgação desses pedidos parece uma iniciativa para pressionar o STF. Isso pode apressar uma tomada de posição, especialmente em um momento de desconfiança", diz Glezer, lembrando que alguns suspeitos insinuaram em gravações que tinham trânsito com alguns ministros.
"O Supremo tem uma tendência de não interferir em outros poderes. No caso de Cunha, Teori agiu assim porque esperava que o mundo político resolvesse o assunto sozinho, mas no final, conforme Cunha manobrava, ele foi forçado a agir", afirma.
Quais as chances de o STF acatar os pedidos da PGR?
Nos casos da Lava Jato, a regra tem sido Teori decidir monocraticamente (sozinho) sobre prisões pedidas pela PGR e depois remeter sua decisão para seus colegas, em turmas ou no plenário. No caso de Renan, Cunha e Jucá, a decisão de afastar ou prender provavelmente será analisada pelo plenário. No caso de Sarney – um político sem mandato – os ministros podem decidir remeter o caso ao juiz Sérgio Moro.
Para Glezer, o Supremo está numa situação delicada. "O caso do senador Delcídio do Amaral (preso em novembro por acusações semelhantes) estabeleceu um precedente. Mesmo sem querer, toda vez que o STF decide, ele estabelece uma regra", afirma. "É difícil eles decidirem agora de forma diferente, a não ser que digam que erraram no caso de Delcídio ou estabeleçam alguma diferenciação sobre o impacto das acusações, mas isso vai ter um custo para a imagem do STF."
Glezer aponta que o pedido da PGR pelo afastamento de Renan também é uma incógnita. "O afastamento de Cunha parece ter estabelecido um precedente, mas ao mesmo tempo os ministros não especificaram bem os motivos que provocaram a sua queda. Não se sabe se foi pelo conjunto ou pelo peso de algumas das acusações. Do ponto de vista técnico, não foi uma decisão bem formulada", afirma.
Como fica o impeachment no Senado no caso de afastamento ou prisão de Renan e Jucá?
Caso Renan seja afastado e até mesmo preso, o comando do Senado passará para o primeiro vice-presidente, o petista Jorge Viana (AC). Parte da imprensa especula que Viana pode ajudar a sabotar o andamento do impeachment caso venha a assumir o cargo nas próximas semanas, período em que antecede a reta final do processo. O julgamento deve ser realizado em agosto.
Para Glezer, é improvável que Viana tenha poder para interferir, porque os procedimentos já estão nas mãos do presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que vai presidir o julgamento da presidente afastada Dilma Rousseff.
Além disso, o calendário da tramitação formulado pelo relator Antonio Anastasia (PSDB-MG) já foi aprovado pela comissão do impeachment. "Experiências anteriores mostraram que tem sido muito difícil interferir ou manipular o impeachment", afirma Glezer, lembrando a manobra fracassada do presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PR-MA), para parar o processo.
No entanto, um eventual afastamento ou prisão de Jucá pode ter consequências no placar. Jucá, aliado do presidente interino Michel Temer, é um voto certo pelo afastamento definitivo de Dilma. Em maio, 55 senadores votaram pelo afastamento de Dilma. São necessários 54 votos para que ela perca o cargo definitivamente.
Como seria o procedimento de prisão dos integrantes da cúpula do PMDB?
Pelas regras, a ordem de prisão de um senador ou deputado em exercício precisa ser analisada pelo STF e, caso receba sinal verde, ainda ser confirmada pela respectiva Casa do parlamentar. Seus colegas devem, então, confirmar ou suspender a decisão por maioria simples.
Foi esse o procedimento contra Delcídio no ano passado. No caso de Jucá e Cunha, o procedimento seria igual. No caso de Renan, o processo seria teoricamente igual, mas é a primeira vez que uma situação dessas envolve o presidente em exercício de uma Casa, e existem dúvidas sobre qual seria o poder de Renan para interferir na votação.
"Essas regras foram feitas com boa intenção: preservar o Congresso de um eventual Executivo despótico que usasse o Judiciário para perseguir parlamentares. Mas o que se vê agora são parlamentares usando essas regras em benefício próprio", afirma Glezer.
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.