Para quebrar preconceitos, iniciativa de Bonn, na Alemanha, promove jantares entre moradores e migrantes. Com um refugiado da Síria à mesa, as perguntas são tantas que a comida se torna secundária.
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O queijo gratinado já está meio seco, os champignons entre as placas de macarrão já não fumegam mais. Os grandes pedaços de lasanha permanecem intocados nos pratos. Embora o refugiado Nidal, da Síria, e o grupo de alemães tenham se encontrado para jantar juntos, hoje a comida é assunto secundário. E fica difícil falar de boca cheia.
A anfitriã Nina e seus amigos têm muitas perguntas. E Nidal, que já vive há um ano e meio na Alemanha, tem prazer em respondê-las – em alemão, naturalmente. Para tal, tira da mochila um pequeno mapa da Europa, fornecido pela Central Federal de Educação Política. Ele o estende sobre a mesa: seu país natal fica tão perto que também está incluído no mapa.
O heterogêneo grupo está reunido graças à iniciativa Ich Lade Dich Ein (Eu te convido), em que moradores da cidade de Bonn são incentivados a convidar refugiados e novos imigrantes para jantar com eles. Muitos dos recém-chegados não conhecem nenhum alemão. A ideia subjacente é uma refeição dividida, como forma mais rápida de vencer as barreiras de aproximação e desfazer os preconceitos.
"Ou eu seria morto ou teria que matar"
"Aqui fica Homs, foi aqui que estudei", mostra Nidal. Quando "o problema" – assim ele se refere aos conflitos sangrentos na Síria – alcançou sua cidade, ele foi inicialmente para Aleppo. Contudo, com o término dos estudos, crescia o medo de ser recrutado para o serviço militar. "Para mim estava claro: se eu fosse para o Exército, ou ia ser morto ou ia ter que matar outras pessoas. Eu não queria isso."
Segue-se uma longa narrativa sobre a ainda mais longa viagem que Nidal enfrentou para chegar à Europa. Primeiro para a Turquia; depois de avião até a Argélia; de lá, mais de 12 horas através do deserto até a Líbia, onde de início ele se escondeu por vários dias com um grupo de sírios.
"Não tínhamos quase nada para comer, só queijo, durante 13 dias só comemos queijo." Então, ele e outros integrantes do grupo foram capturados e colocados numa prisão líbia, de onde puderam sair duas semanas mais tarde, graças a um contato.
À medida que, pouco a pouco, a lasanha vai desaparecendo dos pratos, Nidal segue contando coisas sobre as quais raramente se ouve num jantar. Numa embarcação grande, ele atravessou o Mar Mediterrâneo até a Itália. Por ser homem, ele teve que ficar na casa de máquinas escura por 17 longas horas. "Eu pensei: 'OK, estou morto.'" Mais de um mês depois de ter saído de Aleppo, chegou à Alemanha. E por sorte foi parar em Bonn, diz o sírio, com um sorriso.
Engajamento em Bonn
Seus anfitriões logo entendem o motivo de tal felicidade: embora eles próprios trabalhem com refugiados, no clube esportivo ou na escola, Nidal parece mais bem informado do que todos os quatro juntos. Ele participa ativamente de várias associações e comunidades, que vai contando nos dedos: Pro Familia, JASA Kulturverein, Post-Sportverein, Save Me. Na igreja católica Thomas Morus, também ajuda como tradutor.
Para completar, ele recomenda o Begegnungscafé – o "café do encontro" de Bonn. Todos riem, pois nunca poderiam esperar que um professor de inglês da Síria, de 29 anos, conhecesse a cidade renana quase melhor do que eles.
No dia a dia, Nidal constata que nem todos os migrantes conseguem ou querem se integrar tão rapidamente quanto ele, que atua quase diariamente como tradutor-intérprete. "Alguns só falam árabe. E não é em todo lugar que as estruturas para refugiados são tão boas como aqui, em Bonn." No momento, ele está aprendendo vocabulário de medicina, para poder auxiliar melhor nesse campo.
Várias vezes Nidal enfatiza que é só graças àquele que o ajuda, o seu "padrinho", que ele tem a possibilidade de ajudar assim. "Sem ele, eu não saberia absolutamente nada." Logo após sua chegada à Alemanha, uma iniciativa para refugiados lhe designou uma pessoa de apoio, que inclusive o auxiliou a encontrar moradia. Agora, ambos estão praticamente todo dia em contato.
Mais perguntas e sorvete derretido
A sobremesa – tortinhas de framboesa com sorvete de baunilha – está na mesa. A cada minuto o clima fica mais relaxado. O grupo só se lembra de comer quando o sorvete derretido já está alcançando a beira dos pratos. São numerosas demais as perguntas que estão na ponta da língua, esperando para ser feitas.
Por que uma guerra, por que justamente na Síria? A Alemanha deveria intervir por meios militares? Por que o presidente Bashar al-Assad não desiste? Aqueles que hoje abandonam o país voltarão um dia para ajudar na reconstrução?
Nidal fica devendo essas respostas: "Eu não sei", é tudo o que pode dizer. São perguntas que muitos se fazem. Mas que, depois do jantar na companhia do refugiado sírio, se tornaram ainda mais urgentes para Nina e seus amigos.
As fronteiras mais protegidas do mundo
Elas não dividem apenas países, mas separam pais de filhos, ricos de pobres, cristãos de muçulmanos. Conheça algumas das fronteiras mais vigiadas e controversas.
Foto: Wualex
Sérvia-Hungria: coração da rota dos Bálcãs
Numa imagem simbólica da atual crise, migrantes entram na União Europeia ao cruzarem trilhos entre a Sérvia e a Hungria. Em setembro, a fronteira foi fechada, obrigando os refugiados a buscarem novas rotas. Em agosto deste ano, a quantidade de pessoas detectadas nas fronteiras da Europa ultrapassou o número registrado em todo o ano passado: foram 350 mil, sem contar as que entraram despercebidas.
Foto: DW/J. Stonington
A ponte coreana sem volta
A fronteira entre as Coreias do Sul e do Norte está fechada e altamente militarizada há 62 anos. Esta placa marca uma "ponte sem volta", vista na foto do lado sul-coreano. Desde o fim da década de 1990, cerca de 28 mil norte-coreanos fugiram para o país vizinho. Recentemente, ambos os países concordaram em permitir que familiares se reunissem perto da fronteira.
Foto: Edward N. Johnson
A longa fronteira entre EUA e México
Muros e cercas protegem um terço de toda a fronteira, ou 1.126 quilômetros, depreciativamente chamados de "parede de tortilla" pelos americanos. Com 18.500 oficiais posicionados ao longo dela, a fronteira é uma das mais vigiadas do mundo. Mesmo assim, milhões tentam a sorte nos Estados Unidos. Em 2012, 6,7 milhões de mexicanos viviam no país vizinho como imigrantes ilegais.
Foto: Gordon Hyde
700 deportações por dia
A fronteira entre EUA e México é fonte de atritos políticos e de profundas tensões. Esta cena pacífica, no lado mexicano, ilude. A cada dia, 700 pessoas são deportadas de volta para o México. Para aqueles que passaram muitos anos em território americano, não é fácil se readaptar à velha casa.
Foto: DW/G. Ketels
Marrocos-Espanha: Pobreza e campos de golfe
Duas realidades econômicas distintas se chocam nos enclaves espanhóis de Melilla e Ceuta, que fazem fronteira com o Marrocos. Refugiados de toda a África buscam uma maneira de colocar os pés num país europeu para ali pedirem asilo. Muitos tentam pular as cercas ao redor dos enclaves. Com uma série de barreiras e o Marrocos agindo de forma mais ativa, menos cenas como esta têm ocorrido.
Foto: picture-alliance/dpa
Brasil-Bolívia: qual lado é menos verde?
De acordo com imagens de satélite, o limite do desmatamento brasileiro é definido pela fronteira com a Bolívia. Nos últimos 50 anos, o Brasil desmatou, legal e ilegalmente, 20% da Floresta Amazônica no país. Contudo, a Bolívia também está ameaçada pelo desmatamento e precisa ser estudada com mais profundidade, segundo cientistas.
Foto: Nasa
Haiti-Rep. Dominicana: Uma ilha, dois mundos
Apesar de ambos os países dividirem a mesma ilha, a realidade entre eles é bem distinta. A República Dominicana é um paraíso turístico, enquanto o Haiti é um dos países mais pobres do planeta. Logo, muitos haitianos se mudam para o país vizinho. Em 2015, o governo dominicano enrijeceu as leis de migração, fazendo com que cerca de 40 mil haitianos voltassem para casa.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Bueno
Tensão entre Egito e Israel
Com deserto de um lado e uma aglomeração urbana do outro, a fronteira entre Egito e Israel separa uma maioria islâmica de uma maioria judaica. A paz que reinou na região por mais de 30 anos foi substituída recentemente por violência, militarização e tensões diplomáticas. No fim de 2013, Israel conclui a construção de uma cerca dividindo os dois territórios.
Foto: NASA/Chris Hadfield
Paquistão-Índia: 'linha de controle'
Durante o primeiro conflito armado entre Paquistão e Índia, entre 1947 e 1949, a região da Caxemira foi dividida por uma "linha de controle" entre a parte paquistanesa, com maioria muçulmana, e a parte indiana, de maioria hindu e budista. A linha, contudo, não impediu ataques terroristas que visavam instaurar uma Caxemira islâmica – resultando na morte de cerca de 43 mil pessoas desde 1993.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Singh
Saara Ocidental: o muro marroquino
Até 1976, o Saara Ocidental era uma colônia espanhola. Para reivindicar o território, o rei do Marrocos enviou 350 mil pessoas à região. Os nativos, porém, iniciaram um movimento de independência chamado de Frente Polisário. O conflito dividiu o Saara Ocidental entre a República Árabe Saaraui Democrática e o Marrocos. Entre os dois territórios há uma barreira de areia, altamente militarizada.
Foto: Getty Images/AFP/P. Hertzog
Israel-Cisjordânia: Conflito sob pedras
Desde 2002, foram construídos muros e cercas controversas, que já atingem uma extensão de 759 quilômetros. Em áreas densamente povoadas, como nesta foto, de Jerusalém, um muro de concreto de nove metros de altura fortifica a fronteira entre Israel e a Cisjordânia. Em 2004, a Justiça decidiu que a construção de um muro nas áreas palestinas não é compatível com as leis internacionais.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Sultan
Três países, uma só fronteira
Em algumas partes do mundo, as fronteiras não são demarcadas por patrulhas, cercas ou muros. Esta pedra com três faces sinaliza a divisa entre três países: Alemanha, Áustria e República Tcheca – parte do espaço Schengen. O trânsito livre entre essas fronteiras só foi limitado recentemente por causa da crise dos refugiados na Europa.