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Que venham os investimentos alemães

Marcio Weichert7 de janeiro de 2003

Lula espera mais investimentos da Alemanha, desde que produtivos. Assessor de relações internacionais da Presidência fala à DW-WORLD da nova política externa brasileira, Mercosul, Alca, União Européia e outros temas.

Novo governo quer recolocar Brasil e AL no centro das atenções mundiaisFoto: AP

Na Alemanha e na Europa, a América Latina está fora de moda. Há anos, esta parte do planeta vem perdendo importância na política externa dos países da União Européia, cujas atenções voltam-se – por razões econômicas, políticas e de segurança – sobretudo para o Leste Europeu, a China e a Rússia, além dos Estados Unidos.

Recolocar a AL na ordem do dia do Velho Continente e da comunidade mundial será uma das prioridades do governo Lula. "A América Latina precisa se transformar efetivamente numa área de crescimento econômico, justiça social e de fortalecimento democrático para que a atenção se volte uma vez mais para nós", analisa Marco Aurélio Garcia, assessor de relações internacionais da Presidência da República.

Mercosul, Alca e União Européia

Neste sentido, o governo petista vai priorizar a articulação política com os vizinhos da América do Sul, em especial os dos Mercosul. "Temos de nos reunir o mais rapidamente para construir uma pauta de revigoramento do Mercosul que inclua uma política externa comum", prega o gaúcho de 61 anos, que espera assim fortalecer a importância do Mercado Comum do Cone Sul no cenário internacional.

Crise argentina: danos econômicos e políticos ao MercosulFoto: AP

Marco Aurélio considera a negociação de um acordo de livre comércio com a União Européia prioritária, em relação à formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), pois elas se iniciaram antes. "Mas, se houver freios, as negociações da Alca podem ganhar maior velocidade", avisa o professor de História, principal mentor da política externa do Partido dos Trabalhadores. Fundador do PT em 1980, Marco Aurélio foi secretário de relações internacionais do partido durante dez anos.

Em conversa com a DW-WORLD, ele deixou transparecer ver a Alca ainda como algo distante. "Queremos chegar a acordos interamericanos, que podem ser bilaterais. E igualmente ter relações com a América do Norte e com a UE", disse o ex-vereador de Porto Alegre e secretário de Cultura de São Paulo no governo Marta Suplicy (2001-2002).

Dever de casa para avançar as negociações

As negociações Mercosul-UE estão, porém, mesmo emperradas. No último encontro, em maio na Espanha, os europeus vincularam um acordo de livre comércio à atual rodada de negociações da Organização Mundial do Comércio. México, Chile e África do Sul já assinaram tratados com a UE, passando o Mercosul – e o Brasil – para trás. Marco Aurélio reconhece a necessidade de fazer algo urgente para enfrentar a concorrência.

Ministra alemã da Agricultura, Renate Künast, engajada por produtos orgânicosFoto: AP

"Temos de viabilizar uma economia de maior escala para tornar nossas exportações mais competitivas. Remover obstáculos tributários, creditícios e outros que dificultam nossas exportações. E ter uma audácia muito grande na busca de novos espaços para a agricultura, a indústria e os serviços brasileiros", complementa o assessor da Presidência.

Nesta estratégia, o governo Lula pretende adotar uma política de defesa da agricultura orgânica, apesar da tendência de expansão da agricultura transgênica no Brasil. "Devemos tirar maior proveito das demandas européias neste sentido e mostrar que a produção não transgênica tem também significação econômica muito forte", observa o professor de 61 anos.

Relações Brasil-Alemanha

Dentro da União Européia, a Alemanha continuará merecendo atenção especial, até mesmo como aliada na briga pelo fim das subvenções agrícolas na UE, facilitando o acesso dos produtos brasileiros ao mercado europeu. O tema foi inclusive assunto da audiência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o secretário de Estado do Ministério das Finanças da Alemanha, Caio Koch-Weser. O teuto-brasileiro nascido no Paraná representou o chanceler federal Gerhard Schröder na posse de Lula.

O alemão paranaense Caio Koch-Weser representou o governo Schröder na posse de LulaFoto: AP

Marco Aurélio cita porém outros meios de a Alemanha colaborar para o sucesso do novo governo brasileiro. "Uma das maneiras é investir ainda mais na área produtiva. Em segundo lugar, abrir as linhas de crédito de que tanto precisamos para estimular nossas exportações. Em terceiro, desenvolver uma maior cooperação científica. Em quarto, contribuir para nossos programas sociais", listou o assessor de Lula.

São Paulo é o maior pólo empresarial e industrial alemão no exterior, o que garante quase por si só ao Brasil um fluxo corrente de investimentos diretos, apesar de as empresas alemãs terem se mantido praticamente distantes do processo de privatizações e liberalização da economia brasileira nos anos 90.

Segundo o porto-alegrense, os investidores estrangeiros não têm por que temer o governo petista, que pretende direcioná-los para a produção e não a especulação. Aos investidores, o professor promete "um ambiente econômico sadio, que propiciará investimentos os mais rentáveis possíveis, desde que esta rentabilidade se dê fundamentalmente no setor produtivo".

Ele lembrou, porém, que as relações Brasil-Alemanha vão muito além das econômicas. "Temos realizações comuns na busca da paz, de soluções negociadas para os conflitos internacionais, por maior solidariedade internacional, pelo combate ao terrorismo, à miséria e à fome. A Alemanha poderá inclusive se associar ao Brasil em operações triangulares de apoio a países da África, sobretudo aqueles de expressão portuguesa", anunciou Marco Aurélio.

E na área de energia atômica? Diante da crise energética de 2001, o governo FHC desengavetou o projeto da usina nuclear Angra 3, previsto em acordo Brasil-Alemanha dos anos 70. Hoje, porém, o parceiro europeu caminha para desativar suas próprias usinas nucleares, investindo em energias renováveis. "O governo vai reexaminar a questão, mas ainda não dispomos de todos os elementos para decidir", responde, cauteloso, o professor da Universidade Estadual de Campinas.

Vínculos partidários com Alemanha de ontem e de hoje

À lembrança de que o PT enviava dirigentes através de programas de intercâmbio para a Alemanha Oriental e outros países de regime comunista antes da queda do Muro de Berlim, Marco Aurélio reage com tranqüilidade.

"O PT já nasceu (em 1980) crítico ao comunismo e à social-democracia, tal como esta se configurava naquele momento, com nítido deslize para o neoliberalismo econômico. Surgimos como partido pluralista, fortemente impregnado de valores democráticos e por isso mesmo crítico a muitas das experiências do chamado socialismo real. O fato de enviar militantes para a Alemanha Oriental não significa que estivéssemos solidários com as idéias dominantes naquele regime. Pelo contrário", esclareceu o intelectual, acrescentando que da mesma forma o PT sempre enviou delegações para a Alemanha Ocidental, Suécia, Dinamarca e França, "sem que o partido estivesse vinculado ao capitalismo ou às idéias da social-democracia destes países".

Hoje, o PT mantém relações institucionais com três partidos alemães. Dois deles compõem o atual governo federal: o Partido Social-Democrático (SPD) e o Partido Verde. Já o Partido do Socialismo Democrático (PDS), descendente do antigo partido comunista da Alemanha Oriental, faz oposição e possui a menor representação no parlamento alemão, com apenas dois deputados.