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Queda de Assad é desastre geopolítico para Irã

Amir Soltanzadeh
9 de dezembro de 2024

Fim súbito da ditadura na Síria representou perda de um aliado importante, reverberando forte no establishment político do regime fundamentalista iraniano.

Bashar al Assad (esq.) e Ali Khamenei em Teerã, 30/05/2024
Bashar al Assad (esq.) e Ali Khamenei em Teerã, 30/05/2024Foto: Office of the Iranian Supreme Leader/AP/picture alliance

Na sequência da rápida derrubada do governo sírio por grupos rebeldes, a liderança do Irã luta para acomodar a perda de seu importante aliado Bashar al Assad. De início, as autoridades de Teerã minimizaram a situação, descrevendo como "normais" as condições no país vizinho. No entanto é muito provável que sua estratégia regional esteja ameaçada.

A Síria tem sido uma pedra angular do que os iranianos denominam a Crescente Xiita, uma visão geopolítica visando conectá-los a seus aliados no Líbano e mais além.

O líder supremo Ali Khamenei descreveu a Síria como um "pilar" do "Eixo de Resistência", uma rede de grupos apoiados pelo Irã que se opõem à influência de Israel e dos Estados Unidos no Oriente Médio. Além disso, ela proporcionava um corredor para armas e outros recursos iranianos chegarem até seus aliados no Líbano.

A família Assad regeu a nação com punho de ferro por mais de 50 anos, e sua queda representa um revés devastador para a visão iraniana. Observadores antecipam que a República Islâmica poderá continuar apoiando grupos aliados na região, porém com capacidade financeira e militar significativamente reduzida.

Segundo o analista político dissidente Mohammad Javad Akbarin, é possível que Teerã modifique sua tática de manter influência, impedindo que uma ordem nova e estável se sedimente na Síria. Tal passo tem precedentes, pois o país respaldou forças desestabilizadoras no Iraque e no Afeganistão para contrapor-se à influência americana e projetar seu próprio poder. Entretanto, as atuais dificuldades econômicas do Irã limitariam seu poder de agir na mesma escala.

Sírios festejaram em peso a deposição de Bashar al AssadFoto: Bekir Kasim/Anadolu/picture alliance

Apoio bilionário a Assad dói no povo iraniano

O custo de apoiar o governo Assad tem sido fonte de frustração crescente no Irã. Em entrevista a um jornal em 2020, o ex-presidente da Comissão Parlamentar de Segurança Nacional e Política Externa Heshmatollah Falahatpishe revelou que seu país gastara cerca de 30 bilhões de dólares (R$ 181,4 bilhões) para manter Assad no poder.

Esse apoio, juntamente com o da Rússia, permitiu que o ditador mantivesse a vantagem na guerra civil – durante a qual reprimiu brutalmente a oposição, sendo acusado de crimes de guerra, inclusive de ofensivas indiscriminadas contra civis.

A carestia econômica em grande escala no Irã tem provocado ressentimento entre a população: muitos acusam o governo de priorizar gastos externos em vez de suprir necessidades domésticas como a construção de escolas e hospitais nas regiões mais pobres.

Em postagem recente no X, o ex-deputado iraniano Bahram Parsaei enfatizou que as despesas com Assad contornaram a aprovação parlamentar, e perguntou quem arcaria com o débito, agora que o déspota sírio se foi.

Teerã em crise de legitimidade frente ao povo

Numerosos iranianos receberam a notícia com otimismo cauteloso – sobretudo aqueles desiludidos com seu próprio governo autoritário. Para o ativista político Reza Alijani, residente em Paris, a queda de Assad permite paralelos entre os sistemas repressivos de Damasco e Teerã.

Por exemplo, as alegações das forças rebeldes vencedoras da Síria – de que garantirão governança inclusiva e se esforçarão para evitar o caos, entre outras – podem servir como modelos para o futuro do Irã, caso a República Islâmica venha a cair. Ao mesmo tempo, Alijani reconheceu os desafios de transitar da ditadura para a democracia, sobretudo em sociedades marcadas por décadas de regime autoritário.

Há anos a propaganda iraniana tem frisado o sucesso e a unidade do "Eixo de Resistência" – uma narrativa que a derrubada de Assad vem minar, deixando decepcionados os apoiadores linhas-duras do regime. Há notícias de que facções pragmáticas do governo estão preocupadas de que a perda da Síria possa inspirar revoltas semelhantes no Irã.

O sociólogo Saeed Peyvandi, igualmente sediado em Paris, postula que ao colapso de Assad pode expor a erosão do "contrato social" entre o Estado iraniano e seus cidadãos. A seu ver, o abismo crescente entre a elite governante e o público refletiria uma crise mais ampla de legitimidade que os regimes frequentemente enfrentam.

Paralelo entre Irã atual e colapso da Alemanha Oriental?

Certos analistas são céticos de que a abordagem do Irã vá mudar enquanto o líder supremo Khamenei continuar no poder. Outros, contudo, veem possíveis paralelos com casos históricos de potencial transformação política.

O pesquisador Erfan Sabati, residente em Londres, compara o atual estado do Irã com o da comunistaRepública Democrática Alemã (RDA) antes da queda do Muro de Berlim, pois é comum regimes autoritários aparentarem ser inabaláveis, até que subitamente desmoronam sob o peso da revolta pública e pressões externas.

As recentes ondas de protestos na República Islâmica, inclusive o movimento Mulher, Vida, Liberdade, expuseram um descompasso crescente entre o governo iraniano e seu povo. Cabe agora constatar se a liderança nacional é capaz de se adaptar aos novos desafios internos e externos, ou se vai se aferrar a sua estratégia atual.