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ConflitosSíria

Queda de Assad abala jogo de forças no Oriente Médio

9 de dezembro de 2024

Em só 11 dias, rebeldes deram fim a um regime de mais de meio século que resistiu a quase 14 anos de guerra civil. Fuga do ditador sírio abre caminho para revisão do mapa estratégico na região.

Mulheres tiram foto com celular de poster rasgado de Bashar al-Assad na rua
Ditador Bashar al-Assad já é lembrança do passado na SíriaFoto: Orhan Qereman/REUTERS

Os sírios acordaram nesta segunda-feira (09/12) para um futuro cheio de esperança embora incerto, depois que rebeldes tomaram a capital, Damasco, e o presidente Bashar al-Assad fugiu para a Rússia, após 13 anos de guerra civil e mais de 50 anos de um regime brutal liderado pela sua família.

Com o toque de recolher declarado pelos rebeldes, Damasco permaneceu calma após o amanhecer, com as lojas fechadas e as ruas praticamente vazias. A maioria dos que circulavam eram rebeldes, e muitos carros tinham placas de Idlib, a província no noroeste do país da qual os combatentes lançaram seu avanço relâmpago há apenas 12 dias.

Foram necessários apenas 11 dias para que os rebeldes sírios forçassem Assad a fugir do país e impusessem uma nova revisão do mapa estratégico no Oriente Médio.

A tomada da capital síria encerra uma guerra que matou centenas de milhares de pessoas, causou uma das maiores crises de refugiados dos tempos modernos e deixou cidades bombardeadas até virarem escombros, áreas rurais despovoadas e a economia esvaziada por sanções globais. Milhões vivendo em campos de refugiados na Turquia, Líbano e Jordânia podem finalmente voltar para casa.

O homem forte da Síria havia resistido por quase 14 anos a uma revolta que muitos acreditavam ter se exaurido. Sua queda ocorreu após uma série de convulsões no campo de batalha para outros aliados do Irã. Desde setembro, Israel praticamente decapitou a liderança do Hezbollah no Líbano, enquanto a morte de líderes do Hamas desferiu grandes golpes em Teerã, apoiador-chave de Assad.

Derrota do "Eixo da resistência"

Andreas Krieg, especialista em segurança do King's College de Londres, ressalta que o Irã e outros membros do "Eixo da Resistência" agora terão que se concentrar na "sua própria casa".

"Dessa forma, o eixo perderá seu sabor transnacional e sua profundidade estratégica regional", avalia.

A grande velocidade com que os rebeldes, liderados pelo grupo islâmico Organização para a Libertação do Levante (Hayat Tahrir al-Sham ou HTS), tomaram Aleppo e depois o país surpreendeu o mundo.

Ninguém na Síria, nem nas capitais que se opunham ou apoiavam Assad, esperava que Damasco caísse tão rápido. As atenções estavam centradas na guerra em Gaza, entre Israel e o Hamas, e nos ataques de Israel ao Hezbollah no Líbano.

Combatente da oposição pisa em cabeça de estátua de Hafez al-Assad, pai de Bashar al-AssadFoto: Hussein Malla/AP/dpa/picture alliance

O líder sírio, de 59 anos, há muito parecia seguro, com o apoio dos seus aliados iranianos, russos e do Hezbollah. Alguns vizinhos árabes tinham mesmo começado a normalizar as relações, tensas desde o início da guerra civil, após a repressão dos protestos antigovernamentais em 2011.

Mas o HTS, que teve origem na Al Qaeda antes de cortar os laços com a organização, destruiu essa perspectiva em apenas alguns dias, quando cidades caíram e estátuas do temido pai de Assad, Hafez al-Assad, foram derrubadas.

Ataque do Hamas e reação de Israel foram gatilho

O ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro de 2023, arrastou o Irã e os seus aliados do "Eixo da Resistência" para um conflito que expôs as suas fraquezas.

O poder militar do Hezbollah foi enfraquecido, e o seu líder, Hassan Nasrallah, foi morto por Israel. O Exército israelense já tinha atacado as linhas de abastecimento militar e financeiro do Hezbollah do Irã e através da Síria.

Esse apoio sírio ao Hezbollah enfrenta uma nova ameaça por parte dos novos senhores de Damasco, que irão apontar o dedo para o papel crucial do grupo na manutenção de Assad no poder durante tanto tempo.

Os apoiadores remanescentes do Irã no Iêmen e no Iraque, ao mesmo tempo que assediam os Estados Unidos e seus aliados na região, continuam sendo um incômodo, mas parecem incapazes de realizar grandes mudanças.

Rússia pode perder bases

A Rússia, envolvida numa guerra com a Ucrânia que consome seus recursos, também enfrenta decisões de alto risco, já que sua maior base naval no Médio Oriente se situa em Tartus, na costa mediterrânica da Síria.

"É provável que a percam", afirma Krieg. "Não vejo como é que o novo regime ou a nova ordem sociopolítica permitirão que os russos permaneçam, depois de tudo o que fizeram para apoiar o regime de Assad."

"A Turquia, um dos principais apoiadores dos rebeldes, é a grande vencedora regional com a queda de Assad", acrescenta Krieg. Mas, embora tenha influência, ela não controla os rebeldes, segundo o especialista.

Trump é fator adicional de incerteza

Com conflitos em curso em várias frentes do Oriente Médio, a região também terá de lidar com o novo governo de Donald Trump nos EUA.

"Em um momento de total incerteza, esse evento transformador [na Síria] torna tudo ainda mais imprevisível", constata Aron Lund, especialista do think tank Century International.

"O problema não é só a queda do regime de Assad, mas também a questão sobre o que virá em seu lugar. E quanto tempo isso leva para se cristalizar. Portanto, é possível que vários tipos de disputas regionais aconteçam na Síria", ressalta Lund.

Trump já havia dito que os EUA não devem se envolver na Síria. Mas agora ele terá que lidar com um novo Oriente MédioFoto: Thibault Camus/AP Photo/picture alliance

Vários países da região têm apoiado diferentes facções anti-Assad na Síria desde 2011. No entanto, os Emirados Árabes Unidos e outros países do Golfo recentemente reataram relações com Assad, após mais de uma década de isolamento.

Muitos governos temem os grupos islâmicos sunitas, como a Irmandade Muçulmana. Eles enfrentarão desafios ainda maiores com os novos governantes de Damasco, afirma Lund. "Essa é a Irmandade Muçulmana com esteroides, algo muito mais militante e hostil para eles", compara.

Mas Israel, e seus amigos e inimigos, esperam que as linhas de frente mudem novamente quando Trump retornar à Casa Branca em janeiro. Do Marrocos à Arábia Saudita e Israel, os países estarão esperando garantir o apoio de Trump.

No passado, ele havia dito que os Estados Unidos não deveriam se envolver na guerra da Síria. Mas Trump também terá que lidar com um novo Oriente Médio.

Krieg acredita que o que ocorre na Síria também deve servir de alerta para os líderes de Líbia, Egito e Tunísia, que também sofreram revoltas durante a Primavera Árabe.

"É o fim do jogo para o mito da 'estabilidade autoritária'", alerta. "Acabou o jogo para os contrarrevolucionários na Rússia, Emirados Árabes Unidos e Irã."

Reações de EUA e Israel no terreno

Neste domingo, Israel atacou locais ligados ao Irã na Síria. O país também enviou tanques para além da fronteira a uma zona-tampão desmilitarizada, para evitar que a turbulência se espalhe por lá, mas diz que pretende se manter fora do conflito. Nesta segunda-feira, militares israelenses publicaram fotos de suas forças na área de fronteira do Monte Hermon.

Os Estados Unidos, que têm 900 soldados na Síria, operando ao lado das forças lideradas pelos curdos no leste do país, disseram que, em ataques aéreos no domingo, suas forças atingiram cerca de 75 alvos ligados ao "Estado Islâmico" (EI).

"Existe a possibilidade de que elementos na área, como o EI, possam tentar tirar proveito dessa oportunidade e recuperar capacidade. Esses ataques se concentraram nessas células", disse o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, durante uma visita ao Japão.

md/lf (AFP, Reuters)

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