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Queda de Carlos Ghosn surpreende japoneses

Julian Ryall de Tóquio /av
21 de novembro de 2018

Empresário franco-brasileiro era tido como disciplinado, competente e principal responsável por forjar a bem-sucedida aliança Nissan-Renault-Mitsubishi. Colegas se mostram incrédulos diante das acusações.

Carlos Ghosn
Ghosn demonstrou ter toque de Midas quando se tratou de ressuscitar uma empresa à beira da falênciaFoto: picture-alliance/AP Photo/T. Chea

No espaço de poucas horas, o executivo franco-brasileiro Carlos Ghosn, de 64 anos, perdeu toda a credibilidade. Nesta segunda-feira (19/11) o presidente do conselho de administração da Nissan foi preso no Japão pela acusação de falsificar relatórios financeiros e de declarar uma renda 5 bilhões de ienes (cerca de 39 milhões de euros) inferior à real, ao longo de cinco anos.

A prisão gerou uma crise corporativa intercontinental. Ghosn – que ostentava a fama de ter salvado praticamente sozinho uma das principais montadoras japonesas, devolvendo-lhe a competitividade internacional – está no centro de uma aliança entre a Nissan, a Renault e a Mitsubishi, que, juntas, fabricam um de cada nove carros vendidos no mundo.

Nesta quarta-feira, uma corte de Tóquio atendeu a um pedido dos promotores para ampliar por mais dez dias a detenção do executivo. Segundo relatos na imprensa, as imputações podem lhe valer uma pena de até dez anos de detenção ou uma multa de 10 milhões de ienes, ou ambos.

Apesar de os advogados do franco-brasileiro não terem se pronunciado, a mídia japonesa ventilou a possibilidade de que ele refutará as acusações diante do tribunal. A Nissan também poderá encarar uma pena financeira de até 700 milhões de ienes.

As ações da empresa na bolsa de valores se recuperaram nesta quarta-feira, após terem despencado 5,5% na véspera, quando foi divulgada a prisão de Ghosn. A companhia é alvo de críticas por suposta falta de governança corporativa, carência de diretores externos com a experiência gerencial necessária, e por colocar tanta autoridade nas mãos de uma só pessoa.

Do Olimpo empresarial à cela de prisão

Carlos Ghosn tornou-se presidente da Nissan Motor Company em junho de 2000, depois de outros representantes da indústria automotiva fracassarem na tarefa de reerguer a empresa.

Agora, numa cela no Japão, devem parecer distantes, para o empresário nascido no Brasil, os felizes dias de retorno à lucratividade, da criação da aliança Renault-Nissan-Mitsubishi e de um rosário de prêmios internacionais pela contribuição para o comércio global – inclusive de Cavaleiro da Legião de Honra da França.

Ghosn é muito popular no Japão e alcançou um status de herói entre muitos japoneses por causa de seu sucesso à frente da Nissan. Ele chegou a ter um mangá (tradicional história em quadrinhos) inspirado nele.

Como era inevitável, a imprensa japonesa tem firme na mira o quartel-general da Nissan em Yokohama, no sudoeste de Tóquio. É constante o fluxo de alegações na mídia de que Ghosn teria usado dinheiro da multinacional para despesas pessoais e exigido que ela lhe comprasse diversas residências pelo mundo afora.

Alguns relatos têm acirrado o sentimento de indignação entre os cidadãos japoneses comuns ao enfatizar que o executivo tinha um salário anual de 4,987 bilhões de ienes (38,83 milhões de euros), sem os pagamentos extras alegados.

Bons tempos passados: Ghosn apresenta modelo Fuga no salão do automóvel de Makuhari, próximo a Tóquio, em 2009Foto: AP

Jogador de bridge ou hipócrita?

Companheiros de trabalho próximos de Ghosn disseram que as alegações são difíceis de acreditar e, devido à personalidade dele, antecipam que o executivo adotará uma postura combativa nas futuras audiências judiciais.

"Ele é a pessoa mais disciplinada que eu conheço", afirmou à DW John Harris, redator de discursos na Nissan entre 2005 e 2008. "Ele chegava para um reunião, se sentava, sempre dizia uma palavra, "bon", em francês, e partia direto para o cerne da questão. Ele estava sempre pronto a conversar sobre o assunto que fosse e tinha uma memória e olho incríveis para detalhes."

Ghosn também demonstrou ter toque de Midas quando se tratou de ressuscitar uma empresa à beira da falência. "Antes de ele chegar, a companhia era uma burocracia descontrolada, desconecta, sem qualquer direção", lembra Harris.

"Ele se deu conta de que a coisa mais importante era conseguir que a organização inteira focasse nas prioridades e desenvolvesse recursos humanos internos, que eram uma bagunça quando ele chegou", prossegue o redator. Essencialmente, Ghosn eliminou o sistema de promoção baseado em tempo de casa, adaptando-o para que funcionários jovens e cheios de energia e visão ganhassem visibilidade.

Harris diz não conseguir entender por que o executivo franco-brasileiro teria subitamente decidido pegar mais dinheiro da empresa, sobretudo com a vida notoriamente pacata que levava quando o autor de discursos trabalhou para ele. O conceito de uma noitada para Ghosn era jogar bridge com os vizinhos, diz.

Segundo outro observador do setor automobilístico, contudo, ele aparentemente mudou por volta de 2010, quando se divorciou, e as noitadas de bridge estariam em forte contraste com seu segundo casamento, em 2016, quando alugou o Palácio de Versalhes para a recepção.

A mídia do Japão tem citado a primeira esposa, Rita, segundo a qual Ghosn seria "narcisista" e "hipócrita".

Perguntas em aberto

Para Mieko Nakabayashi, professora de ciências sociais da Universidade Waseda, em Tóquio, "Ghosn é quase um exemplo clássico de líder empresarial bem-sucedido, e ele conquistou enorme respeito no Japão por sua liderança".

"É cedo demais para se saber, mas é possível ele ter achado que o salário na Nissan não estava alinhado com os de executivos de companhias internacionais. E é verdade que os diretores executivos japoneses não ganham tanto quanto altos empresários em outras regiões: é uma diferença cultural. Mas parece um fim muito triste para o tempo dele na Nissan", observou Nakabayashi.

"Neste momento ainda há diversas perguntas sem resposta, portanto o caso no tribunal vai ser acompanhado de perto" pelos japoneses, prosseguiu a docente. "Embora a Nissan deva, seguramente, estar preocupada que a investigação possa revelar outros problemas, e isso pode ter um sério impacto sobre ela."

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