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Queda do governo abre disputa política arriscada na Ucrânia

Roman Goncharenko (msb)25 de julho de 2014

Racha na coalizão do governo, seguida da renúncia do primeiro-ministro, embaralha disputa por poder no país em plena guerra civil. Para especialistas, situação favorecerá presidente Petro Poroshenko.

Foto: Reuters

"Uma guerra política", "uma facada nas costas", "caos na administração pública". Foi com essas palavras que a bancada do partido Pátria, a maior do Parlamento ucraniano, reagiu nesta sexta-feira (25/07) diante dos mais novos desdobramentos políticos no país.

No dia anterior, a coalizão de governo rachou após cinco meses no poder. Ela havia sido montada no fim de fevereiro, logo após a onda de protestos que levou o então presidente Viktor Yanukovytch a fugir do país, desencadeando uma série de mudanças em Kiev e à maior crise entre Ocidente e Moscou desde a guerra fria.

A faísca que acendeu a recente crise no Parlamento foi a decisão de dois partidos de abandonar a coalizão do governo: o Udar, do ex-campeão mundial de boxe e atual prefeito de Kiev, Vitali Klitschko; e o populista de direita Svoboda. A bancada do governo perdeu ainda 30 outros deputados, entre eles nove do Pátria, fundado pela ex-premiê Yulia Timoshenko.

O movimento ocorreu pouco depois de o Parlamento ter se recusado a aprovar cortes no Orçamento da Ucrânia. Os recursos seriam realocados para as Forças Armadas. Agora, sem os cortes, a partir do dia 1º de agosto o governo não terá mais dinheiro para pagar soldados ucranianos que lutam contra rebeldes separatistas no leste do país, afirmou o ministro de Finanças Olexander Shlapak.

O primeiro-ministro Arseniy Yatsenyuk apresentou sua renúncia no mesmo dia. Como o Parlamento estava em recesso – e só volta aos trabalhos no meio de agosto – não se sabe quem, agora, responde pelo cargo de chefe de governo. Até lá, Yatsenyuk continua oficialmente ligado ao cargo.

Caso não haja consenso para a formação de uma nova coalizão nos próximos 30 dias, o presidente Petro Poroshenko deverá antecipar a convocação de novas eleições parlamentares. A data mais provável é que ele seja marcado para o dia 26 de outubro.

Sem grandes surpresas

Os ucranianos não encararam os últimos acontecimentos com grande surpresa. A pressão para a realização de novas eleições no país vinha crescendo nas últimas semanas. Desde o início do ano, movimentos da oposição vinham pedindo um completo recomeço na política ucraniana.

Apesar de contarem com um novo presidente desde o final de maio, após a eleição de Poroshenko, os ucranianos ainda são legislados pelo mesmo antigo Parlamento. Muitos criticam, já que desde o início dos protestos contra o governo anterior, no fim do ano passado, o Legislativo eleito em 2012 caiu em total descrédito.

Sem rearranjo do orçamento, pode faltar dinheiro para militares no leste da ucrâniaFoto: Reuters

Também ainda está fresca na memória dos ucranianos a lei aprovada pelos parlamentares em janeiro passado, limitando os direitos dos cidadãos e favorecendo o ex-presidente Yanukovytch.

A antecipação das eleições parlamentares era também uma das promessas de campanha de Poroshenko – seu interesse pessoal na renovação do Parlamento era latente. Por se tratar de uma democracia parlamentar, conforme define a Constituição, o sistema político da Ucrânia dá mais poderes ao chefe de governo do que ao presidente. Sendo assim, Poroshenko teve até agora que trabalhar alinhado com Yatsenyuk e, indiretamente, com Timoshenko, ex-premiê e antiga rival.

Yatsenyuk e Timoshenko pertencem ao mesmo partido político, o Pátria, assim como o atual presidente do Parlamento, Olexandr Turtchinov. O milionário Poroshenko, por sua vez, não tem legenda própria representada na casa legislativa. O partido mais próximo a ele é o Udar, de Klitschko, que conta apenas com 41 deputados – menos da metade dos 86 que formam a bancada do Pátria.

Base de apoio

A disputa de poder entre Poroshenko e Yatsenyuk foi, assim, inevitável. O apoio do Ocidente ao primeiro-ministro vinha evitando que especulações pudessem ser feitas por observadores. O governo de Yatsenyuk – autodenominado kamikaze, dada a quantidade de problemas que enfrentaria no comando do país – durou até mais tempo do que muitos esperavam.

E mesmo neste pouco tempo ele conseguiu, com ajuda milionária dos países ocidentais, manter relativamente estável a situação na Ucrânia. Aposentadorias e salários continuaram sendo pagos, e a inflação foi mantida sob controle – em 3,8% em maio. Algumas vitórias das tropas leais a Kiev na luta contra os separatistas do leste ucraniano também foram contabilizadas no período.

Após renúncia de Yatsenyuk (foto), governo deve convocar novas eleições parlamentaresFoto: Reuters

"Poroshenko tem interesse em antecipar as eleições parlamentares para fortalecer sua própria base de apoio", diz o jornalista alemão Winfried Schneider-Deters. Especialista em Ucrânia, ele acredita que a ida às urnas faz-se necessária neste momento, ainda que o processo deixe "um gosto amargo". "A maneira com que Poroshenko deixa o Udar agir é pérfida", afirma.

O presidente ucraniano deve tirar proveito das novas eleições. Seu partido, o Solidariedade, que até agora só existia no papel, já é considerado um dos favoritos. "O partido do Poroshenko será o grande vencedor dessas eleições", opina o especialista em Ucrânia Yaroslav Makitra.

Ratificação adiada

Mas a disputa por poder também pode gerar riscos. O influente jornalista Vitali Portnikov fala em "crime político" quando, "em tempos de guerra", um chefe de governo é enfraquecido. "Isso ameaça tanto a ação das Forças Armadas no leste da Ucrânia quanto a ratificação do acordo de associação com a União Europeia", afirmou Portnikov ao canal de televisão pública Hromadske TV.

Em nome do acordo, centenas de milhares de ucranianos foram às ruas no fim do ano passado, lembrou o jornalista, comentando sobre os protestos em massa na Praça da Independência, em Kiev. "Se esta associação não acontecer logo, a Ucrânia será uma grande perdedora", enfatizou.

Ainda não se sabe como ficará a divisão de bancadas no futuro novo Parlamento. Apesar de a popularidade de Timoshenko estar em queda, seu retorno à política ainda não está descartado. Neste caso, se a disputa entre Timoshenko e Poroshenko continuar, quem perde é a Ucrânia.