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Queiroga recua e nega vacina a adolescente sem comorbidade

17 de setembro de 2021

Ministro da Saúde usa argumentos contestados para justificar decisão e menciona caso ainda sob investigação. Estados reagem, e especialistas criticam.

Marcelo Queiroga
Ministro também criticou estados que haviam antecipado imunização de adolescentesFoto: Eraldo Peres/AP/picture alliance

O Ministério da Saúde voltou atrás de sua orientação anterior e confirmou nesta quinta-feira (16/09) que retirou os adolescentes de 12 a 17 anos sem comorbidades da lista de vacinação para a covid-19. A pasta recomenda agora que a vacina da Pfizer, única aprovada para essa faixa etária, seja aplicada apenas nos adolescentes com comorbidades ou privados de liberdade.

A decisão foi detalhada numa entrevista à imprensa do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e amplamente criticada por epidemiologistas, que destacaram a importância de vacinar o maior número possível de pessoas para reduzir a circulação do vírus. Apesar de os adolescentes terem uma menor chance de desenvolverem sintomas graves da covid-19, eles podem contrair o vírus e contaminar adultos e idosos.

O anúncio também foi confrontado por diversos municípios e estados, que anunciaram que manterão a vacinação de adolescentes. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou nota comunicando que mantém a autorização do uso da vacina da Pfizer para essa faixa etária.

O Ministério da Saúde havia anunciado em 2 de setembro que todos os adolescentes poderiam ser vacinados a partir desta quarta-feira. Alguns estados anteciparam o cronograma e já haviam iniciado a imunização dessa faixa etária antes. Na quarta, porém, a pasta divulgou a nova orientação, detalhada na entrevista desta quinta.

Queiroga afirmou que os adolescentes sem comorbidades que já haviam tomado a primeira dose não deveriam buscar a segunda.

Motivos contestados

Durante a entrevista, Queiroga e outros servidores do Ministério da Saúde apresentaram argumentos para justificar a decisão que foram prontamente questionados por epidemiologistas.

O ministro afirmou, por exemplo, que a vacinação de crianças ou adolescentes não seria recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), apesar de a entidade não ter posição contrária à imunização dessa faixa etária.

No documento que justifica a decisão, a secretária extraordinária de enfrentamento à covid-19 do Ministério da Saúde, Rosana Leite de Melo, afirmou que a vacinação nessa faixa etária também não seria necessária neste momento, pois a maioria dos adolescentes são assintomáticos ou apresentam poucos sintomas.

Contudo, muitos países já iniciaram a vacinação dessa faixa etária porque, apesar de a chance de eles terem manifestações graves da doença ser menor, eles ainda podem transmitir o vírus para adultos e idosos.

O Ministério da Saúde também alegou que os benefícios da vacinação em adolescentes sem comorbidades não estariam "claramente definidos", apesar de diversas pesquisas terem testado o imunizante da Pfizer nessa faixa etária e atestado a sua eficácia e segurança.

Queiroga também aproveitou a entrevista para criticar os estados que haviam iniciado a vacinação de adolescentes antes de quarta-feira, quando o Ministério da Saúde havia indicado o início da imunização dessa faixa etária.

"A vacinação deveria ter começado ontem [quarta-feira]. Sabe quantos [adolescentes vacinados] já tem? Quase 3,5 milhões", afirmou. O Ministério da Saúde também comunicou que 1.400 adolescentes receberam vacinas que não eram a Pfizer, a única autorizada para uso nessa faixa etária, o que equivale a 0,04% do total.

O secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Arnaldo Medeiros, mencionou um evento grave registrado no estado de São Paulo, no qual uma adolescente de 16 anos teria morrido depois de ser vacinada. O episódio ainda está sendo investigado, e a ligação entre o óbito e o imunizante não está comprovada. "Não sabemos se o paciente tinha outras comorbidades ou não, por isso está em investigação", disse.

A menção a esse caso foi criticada por especialistas, e a própria Anvisa informou em nota que não há elementos que liguem essa morte à vacinação. "No momento, não há uma relação causal definida entre este caso e a administração da vacina. Os dados recebidos ainda são preliminares e necessitam de aprofundamento para confirmar ou descartar a relação causal com a vacina", afirmou a Anvisa.

Estados e cidades reagem

A recomendação do Ministério da Saúde para restringir a vacinação de adolescentes aos que têm comorbidades ou estão privados de liberdade foi contestada por alguns prefeitos e governadores, e pelo menos nove estados anunciaram que manterão a vacinação de adolescentes.

Algumas cidades, como Natal e Salvador, suspenderam a aplicação da vacina em adolescentes, enquanto outras mantiveram, como São Paulo. Em nota, a prefeitura paulistana afirmou que já havia vacinado com a primeira dose 84,4% dos adolescentes de 12 a 17 anos na cidade, uma população estimada em 844 mil pessoas.

"Restam, portanto, cerca de 15% para atingir a totalidade da cobertura vacinal desse grupo. Assim sendo, não interromperá a imunização com doses de Pfizer para adolescentes sem comorbidade na capital", comunicou a prefeitura de São Paulo, lembrando que a OMS recomenda a vacinação dos adolescentes acima de 12 anos com o imunizante da Pfizer.

O governador de São Paulo, João Doria, afirmou que a vacinação também será mantida no estado, onde 72% dos adolescentes já teriam recebido a primeira dose. "A vacinação nessa faixa etária já é realizada nos EUA, Chile, Canadá, Israel, França, Itália, entre outras nações. A medida cria insegurança e causa apreensão em milhões de adolescentes e famílias que esperam ver os seus filhos imunizados, além de professores que convivem com eles", afirmou o governo paulista.

O secretário da Saúde do Espírito Santo, Nésio Fernandes, afirmou que o comunicado do Ministério da Saúde era "estarrecedor" e ia contra a necessidade de ampliar a cobertura vacinal no país.

Crítica de epidemiologistas

A decisão do Ministério da Saúde e a menção, na entrevista à imprensa, a casos adversos entre adolescentes e a uma morte ainda sob investigação foi criticada por especialistas.

A epidemiologista brasileira Denise Garrett, ex-integrante do Centro de Controle de Doenças (CDC) do Departamento de Saúde dos Estados Unidos e atual vice-presidente do Sabin Vaccine Institute, em Washington, afirmou que Queiroga lançou dúvidas sobre as vacinas, alimentou teorias de conspiração e "ignorou totalmente a ciência".

O epidemiologista Pedro Hallal afirmou que a decisão de suspender a vacinação em adolescentes é "100% errada". "É verdade que a maioria dos adolescentes não terá caso grave, mas quanto mais gente vacinada, mais difícil para o vírus circular", escreveu.

 

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