Organizadora de atos pró-Moscou, Elena Kolbasnikova defendeu publicamente a invasão da Ucrânia pela Rússia. Em julgamento, procurador destaca que liberdade de expressão termina onde começa o crime.
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Num tribunal em Colônia, Elena Kolbasnikova aguardava a sentença que poderia chegar a três anos de prisão ou a uma multa pesada por suas declarações em apoio à invasão da Ucrânia pela Rússia feitas durante uma carreata pró-Moscou que ela mesma organizou. Cidadã ucraniana, Kolbasnikova almeja receber um passaporte russo em breve.
O tribunal alemão, no entanto, levou em consideração o fato de a mãe de dois filhos estar desempregada e a condenou a pagar uma multa de apenas 900 euros (cerca de R$ 4,7 mil) pelo crime de aprovação de atos criminosos. A principal prova contra Kolbasnikova foi entrevista que ela concedeu ao jornal Bilddurante uma carreata. Na ocasião, ela defendeu a invasão da Ucrânia, afirmou que a Rússia não era o agressor e disse que Moscou estava ajudando a acabar com o conflito no país vizinho.
Kolbasnikova pareceu indiferente ao ouvir o veredito nesta terça-feira (06/06). "A vida continua e eu direi a verdade. E nesse sentindo, eu me considero inocente", afirmou em frente ao tribunal após o julgamento. Ela também alegou estar pronta para ser punida, se isso significasse "a libertação da Ucrânia dos nazistas", adotando a narrativa do Kremlin sobre o governo ucraniano.
O advogado de Kolbasnikova, Markus Beisicht, que também é um político de extrema direita, disse que vai recorrer da decisão, e, se necessário, irá apelar até a última instância: o Tribunal Constitucional da Alemanha.
A uma emissora russa, Kolbasnikova expressou indignação com a sentença. "Trinta dias na prisão ou eu preciso pagar 30 euros por dia. 900 euros para os cofres alemães pela morte de pessoas em Donbass desde 2014. Essa é a verdade dos alemães", afirmou em russo.
A "fã de Putin"
Apelidada pela imprensa alemã de "fã de Putin", Kolbasnikova é a garota propaganda dos apoiadores do presidente russo, Vladimir Putin, na Alemanha. Ela organizou vários atos pró-Putin. Uma reportagem da agência de notícias Reuters revelou que Kolbasnikova e seu marido, Max Schlund, fazem parte de um grupo de indivíduos na Alemanha que promovem uma postura pró-Moscou, enquanto mantém laços secretos com o Kremlin, entidades russas sancionadas e com extremistas de direita.
Kolbasnikova e Schlund receberam passagens do braço berlinense de uma agência russa de promoção cultural, Rossotrudnichestvo, para viajar para Moscou em dezembro para uma conferência que foi dirigida pelo próprio Putin. O casal, porém, acabou não viajando porque, segundo Kolbasnikova, eles teriam perdido o voo. A reportagem também mostrou que o casal estava envolvido ativamente na campanha militar do Kremlin na Ucrânia.
De acordo com o Bild, Schlund é um oficial da reserva russo. Ainda segundo a imprensa, o casal teria arrecadado dinheiro para o exército russo, e, no outono do ano passado, viajou para Donbass para entregar pessoalmente bens militares para soldados russos.
Schlund se mudou de Moscou para a Alemanha em 2012, onde conheceu Kolbasnikova, que trabalhava como enfermeira no país. A "fã de Putin" alega ter perdido o emprego devido a uma suposta "russofobia". Kolbasnikova também teria feito propaganda para atrair mercenários para Grupo Wagner – paramilitares que lutam ao lado da Rússia na Ucrânia.
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O julgamento
Alguns dos partidários da ré chegaram uma hora antes da sessão e foram recebidos por opositores que levavam cartazes com a frase: "Putin e seus nazistas matam". Nem todos puderam acompanhar o julgamento, pois a sala de audiência tinha espaço para 35 pessoas.
O marido de Kolbasnikova foi expulso do local depois de uma briga. Schlund também está desempregado. Ele foi demitido do aeroporto de Colônia-Bonn depois de ter sido acusado, ao lado da esposa, de violar as sanções impostas pela União Europeia (UE) contra a Rússia.
Kolbasnikova chegou ao tribunal usando uma estrela de Davi feita nas cores da bandeira russa, em alusão à teoria de conspiração propagada entre os apoiadores do Kremlin de que os russos seriam "os judeus do século 21". O juiz pediu que ela removesse o símbolo antes do julgamento.
"Defensora da paz"
Durante o julgamento, Kolbasnikova tentou convencer o tribunal de que era vítima de perseguição política. Segundo ela, seus dados pessoais e seu endereço foram postados na internet. Ela teria sido ainda colocada sob proteção do Estado depois de supostas ameaças de morte.
A ré afirmou ainda que perdeu dois empregos e que agora vivia de seguro de desemprego e de um emprego de meio-período, no qual ela ganhava 450 euros por mês. Ela argumentou ainda que a carreata pró-Rússia que organizou e outras ações fariam parte da tradição da "política de paz" dos ex-chanceleres federais da Alemanha Willy Brandt e Gerhard Schröder. "Eu defendo a paz", ressaltou.
Sobre as declarações, Kolbasnikova alegou se tratarem de "opinião própria" e invocou o direito à liberdade de expressão que vigora na Alemanha.
O procurador tentou deixar claro que a ré não estava sendo julgada por gostar da Rússia ou criticar autoridades alemães e ucranianas. Ele argumentou que a liberdade de expressão pessoal termina onde começa a aprovação de atos criminosos e que a invasão da Ucrânia pela Rússia, algo que Kolbasnikova defendeu publicamente, foi uma agressão militar e constituiu um crime sob a lei alemã.
O procurador afirmou ainda que os apelos de paz feitos pela ré eram cínicos.
Para a condenação de Kolbasnikova, a juíza baseou seu veredito no fato de que era indiscutível que a Rússia violou o direito internacional ao invadir a Ucrânia. A magistrada afirmou que as declarações da ré eram capazes de perturbar a paz pública. A juíza ressaltou ainda que, na Alemanha, não é permitido dizer tudo.
Um ano de guerra da Ucrânia: uma linha do tempo em imagens
Na manhã de 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia. Em um ano de combates, milhares de soldados e civis perderam a vida. Relembre os fatos mais marcantes nesta linha do tempo.
Foto: Anatolii Stepanov/AFP/Getty Images
Um dia sombrio para milhões
Na manhã de 24 de fevereiro de 2022, os ucranianos foram acordados por explosões como esta na capital, Kiev. A Rússia havia iniciado uma invasão em grande escala, marcando o maior ataque de um país contra outro desde a Segunda Guerra Mundial. A Ucrânia imediatamente declarou a lei marcial. Estruturas civis passaram a ser atacadas e logo começaram a ser relatadas as primeiras mortes.
Foto: Ukrainian President s Office/Zuma/imago images
Bombardeios impiedosos
O presidente russo, Vladimir Putin, insiste ainda hoje tratar-se de uma "operação militar especial" e que o objetivo é tomar as regiões de Donetsk e Luhansk, no leste da Ucrânia. Moradores de Mariupol se abrigaram em porões por semanas. Muitos morreram sob os escombros. Um ataque aéreo russo em março a um teatro da cidade onde centenas se refugiavam foi condenado por grupos de direitos humanos.
Foto: Nikolai Trishin/TASS/dpa/picture alliance
Êxodo em massa
A guerra na Ucrânia forçou uma emigração nunca vista na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. De acordo com a Acnur, a agência de refugiados da ONU, mais de 8 milhões de pessoas fugiram do país. Só a Polônia acolheu 1,5 milhão de pessoas, mais do que qualquer outro Estado da UE. Milhões de pessoas, principalmente do leste e do sul da Ucrânia, foram forçadas a fugir.
Foto: Anatolii Stepanov/AFP
Cenas de horror em Bucha
Após algumas semanas, o exército ucraniano conseguiu expulsar as forças russas de áreas no norte e nordeste do país. O plano da Rússia de sitiar Kiev fracassou. Depois que as regiões foram libertadas, a extensão das atrocidades tornou-se aparente. Imagens de civis torturados e assassinados em Bucha, perto de Kiev, deram a volta ao mundo. As autoridades relataram 461 mortes.
Foto: Carol Guzy/ZUMA PRESS/dpa/picture alliance
Devastação e morte em Kramatorsk
O número de vítimas civis em Donbass aumentou rapidamente. As autoridades pediram à população civil para recuar para áreas mais seguras, mas os mísseis russos também atingiram as pessoas enquanto tentavam escapar, inclusive em Kramatorsk. Mais de 61 foram mortos e 120 ficaram feridos na estação ferroviária da cidade em abril, quando milhares esperavam para fugir para um local mais seguro.
Durante os ataques aéreos russos, milhões de ucranianos buscaram refúgio em algum tipo de abrigo. Para as pessoas próximas às linhas de frente dentro do alcance da artilharia, os porões se tornaram segundos lares. Moradores de grandes cidades também buscaram abrigo dos mísseis. Em Kiev (foto) e em Kharkiv, as estações de metrô funcionam como locais seguros.
Foto: Dimitar Dilkoff/AFP/Getty Images
Alto risco nuclear em Zaporíjia
Nas primeiras semanas após a invasão, a Rússia ocupou uma grande área das regiões sul e leste da Ucrânia, inclusive as proximidades de Kiev. Os combates se espalharam para as instalações do complexo nuclear de Zaporíjia, no sudeste, que está sob controle russo desde então. A Agência Internacional de Energia Atômica enviou especialistas para a usina e pediu uma zona segura ao redor da instalação.
Foto: Str./AFP/Getty Images
Resistência desesperada em Mariupol
O exército russo manteve Mariupol sob cerco por três meses, impedindo o envio de munição e outros suprimentos. O complexo siderúrgico Asovstal era o último reduto ucraniano na cidade, abrigando milhares de soldados e civis. Depois de um ataque prolongado, em maio de 2022 milhares de soldados russos assumiram o controle da usina, capturando mais de 2 mil pessoas.
Foto: Dmytro 'Orest' Kozatskyi/AFP
Um símbolo de resistência
A Rússia conquistou a Ilha das Cobras, no Mar Negro, no primeiro dia da guerra. Um diálogo entre militares ucranianos e russos, na qual os ucranianos se recusaram a se render, se tornou viral. Em abril, os ucranianos afirmaram ter afundado o navio de guerra russo Moskva, uma das duas embarcações envolvidas no ataque à ilha. Em junho, a Ucrânia disse ter expulsado os russos da ilha.
Foto: Ukraine's border guard service/AFP
Número de mortos incerto
O número exato de mortos na guerra permanece incerto. Segundo a ONU, pelo menos 7.200 civis foram mortos e outros 12 mil, feridos – mas os números reais podem ser muito maiores. A quantidade exata de soldados ucranianos tombados também é incerta. Em dezembro, o conselheiro presidencial da Ucrânia, Mykhailo Podolyak, estimou o número em até 13 mil. Estatísticas imparciais não estão disponíveis.
Foto: Raphael Lafargue/abaca/picture alliance
Divisor de águas para a Ucrânia
O envio de armas ocidentais à Ucrânia tem sido um assunto polêmico desde o começo da guerra, mas elas demoraram a chegar a Kiev. Os lançadores de foguetes Himars, fabricados nos EUA, foram uma ajuda decisiva. Eles permitiram que os militares ucranianos cortassem o abastecimento de munição para a artilharia russa e provavelmente também contribuíram para as contraofensivas bem-sucedidas da Ucrânia.
Foto: James Lefty Larimer/US Army/Zuma Wire/IMAGO
Alívio a cada libertação
No início de setembro, os militares ucranianos conduziram uma contraofensiva bem-sucedida em Kharkiv, no nordeste do país. Os russos, surpreendidos, recuaram rapidamente, deixando para trás equipamentos, munições e até evidências de supostos crimes de guerra. Os militares ucranianos também conseguiram libertar Kherson, no sul, e seus moradores comemoraram a chegada dos soldados ucranianos.
Foto: Bulent Kilic/AFP/Getty Images
Explosão na ponte da Crimeia
No início de outubro, ocorreu uma grande explosão na ponte que a Rússia construiu sobre o Estreito de Kerch, ligando à Crimeia, península ucraniana que Moscou ocupa desde 2014. A ponte foi parcialmente destruída. A Rússia afirma que um caminhão da Ucrânia carregado de explosivos causou os danos, mas as autoridades em Kiev não assumiram a responsabilidade pelo ataque.
Foto: AFP/Getty Images
Ataques maciços à infraestrutura de energia
Poucos dias após a explosão na ponte da Crimeia, a Rússia começou a atacar em grande escala a infraestrutura de energia da Ucrânia. Quedas de energia ocorreram de Lviv a Kharkiv. Desde então, esses ataques se tornaram rotina. Devido aos enormes danos às usinas de energia e outras infraestruturas civis, as pessoas na Ucrânia enfrentam quedas de energia e escassez de água quase diariamente.
Foto: Genya Savilov/AFP/Getty Images
Apoio do mundo ocidental
Mensagens diárias por vídeo do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, em que ele relata a situação no país e sobre a guerra em andamento, são vistas por milhões de pessoas. Zelenski não só conseguiu unificar a população de seu país, mas também ganhou o apoio do Ocidente. A integração europeia progrediu muito sob a sua liderança, e a Ucrânia está a caminho da adesão à UE.
Foto: Kenzo Tribouillard/AFP
Esperando por tanques Leopard 2
A defesa da Ucrânia depende muito da ajuda externa. Um grupo de países liderado pelos EUA ofereceu um pacote de bilhões de dólares em ajuda humanitária, financeira e militar. O envio de artilharia pesada foi muito debatido no Ocidente, em grande parte devido a preocupações com a reação da Rússia. Mas a Ucrânia acabará recebendo tanques ocidentais, em sua maioria Leopard 2, de fabricação alemã.
Foto: Ina Fassbender/AFP/Getty Images
Uma cidade em ruínas
Há meses, batalhas sangrentas acontecem em Bakhmut, na região de Donetsk. Desde que as tropas ucranianas perderam o controle do vilarejo de Soledar no início de 2023, defender a cidade tornou-se ainda mais difícil. Em janeiro, o serviço secreto da Alemanha relatou perdas diárias de três dígitos do lado ucraniano. Mas acredita-se que o número de mortos na Rússia seja ainda maior.