Tido como defensor fiel de uma revolução em que ele não lutou, Díaz-Canel é parte de uma estratégia do próprio Raúl Castro. Sua eleição é mais uma imposição do que uma escolha – e os sinais de mudança são poucos.
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Proclamado novo presidente de Cuba pelo Parlamento nesta quinta-feira (19/04), Miguel Díaz-Canel é "el hombre", dizem os cubanos na ilha: por sua proximidade com o povo; pelo impacto deixado no período como primeiro secretário do partido na região de Villa Clara; e sua ativa presença como vice-presidente nas catástrofes seguidas a furacões como o Matthew, em 2016, e em importantes eventos internacionais. Tudo isso, parte da estratégia de Raúl Castro para estabelecê-lo como o candidato "ideal" à frente do país que, pela primeira vez em quase seis décadas, não terá um presidente com o sobrenome Castro.
Essa escolha, que, como diz a oposição, foi "a dedo", se confirmou quando, nas eleições gerais mais recentes da Assembleia Nacional, Díaz-Canel obteve 92,85% dos votos ao cargo de deputado. Foi somente superado pelo próprio Raúl, que foi eleito deputado por 98,77% dos delegados.
No interior da ilha, aqueles que seguem a linha de reformar o socialismo cubano a partir das instituições políticas apostam em Díaz-Canel como o "homem da mudança" parecem não saber que seu poder real será limitado: no plano político, porque Raúl Castro continuará à frente do Partido Comunista até 2021 (ou até que sua saúde permita). O partido governista é o órgão que rege a sociedade cubana, segundo está estabelecido pela Constituição.
No plano militar, a limitação vem por causa do controle exercido atualmente por Alejandro Castro Espín, filho de Raúl Castro, sobre o setor e sobre os serviços de inteligência e segurança nacional. E, no plano econômico, o monopólio do grupo Gaesa, que domina quase toda a economia varejista e o turismo, também ata as mãos do pupilo de Raúl. Ao mesmo tempo, a oposição na ilha e no exílio considera Miguel Díaz-Canel uma simples marionete.
Mesmo que a maioria dos cubanos o considere "o eleito" para esta nova etapa na qual Cuba entrará após o fim da era Castro, nos últimos anos Díaz-Canel vem demonstrando estar disposto a servir à revolução com uma fidelidade absoluta.
Seus 57 anos, seu porte atlético e uma histrionice minuciosamente estudada nos momentos em que se aproxima do povo fazem com que muitos cubanos digam desse ex-professor universitário que ele "é um cara bacana"; que "é um homem carinhosos com a esposa"; que "até toma uns goles de rum com o pessoal simples do povo"; e até que, no contexto das últimas tendências esportivas em Cuba, "foi quem decidiu transmitir as partidas de futebol ao vivo na televisão" e que é "torcedor fanático" do Barcelona.
Para muitos, porém, Díaz-Canel é apenas uma figura decorativa de uma estrutura ideológica e política que, segundo garantem, dará continuidade à herança de Fidel e Raúl.
Curiosamente, Raúl Castro deixa a presidência nesta quinta-feira, 19 de abril, data histórica para a ilha – pois foi este o dia da derrota dos EUA na fracassada invasão da Baía dos Porcos, em 1961. O acontecimento é considerado, pelo governo cubano, "a primeira derrota do imperialismo na América".
Mas a data também deverá ser histórica para Díaz-Canel, que completa 58 anos nesta sexta-feira (20/04), dia em que já acordará como o primeiro presidente do que grande parte dos analistas políticos está chamando de "era neocastrista".
A ideologia do chamado "neocastrismo" é o dinheiro. Mesmo assim, durante a consolidação dessa nova corrente na "era raulista", simulou-se um apego fanático à ideologia do "fidelismo". Fazendo regredir várias das mais importantes "aberturas" com as quais Raúl Castro tentou maquiar a face obscura da Revolução para o mundo, utilizou-se as estratégias propagandísticas e de repressão tradicionais do castrismo como plataforma para manter o apoio dos setores mais conservadores do governo e dos partidários fidelistas do povo.
Uma peça fundamental dessa nova estratégia foi a figura de Díaz-Canel exercendo suas funções como vice-presidente, cargo ao qual ascendeu por sua proximidade a Raúl numa carreira meteórica que o levou de segundo secretário da União de Jovens Comunistas, em 1990, a primeiro secretário do Partido nas províncias de Villa Clara (1994) e de Holguín (2003). Dali, passou a ministro da Educação Superior em 2009 e à vice-presidência de Cuba em 2013.
Sua atuação e seus discursos dos últimos tempos mostram que, uma vez consolidada a ascensão dos neocastristas a quem ele serve, as metas de Díaz-Canel como futuro presidente deverão ser manter a mão de ferro, a ausência de diálogo com a oposição e a tática de enfrentamento com os EUA que caracterizou o mandato de Fidel Castro.
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O fim da era Castro em Cuba
Quase nada em Cuba lembra de como era a vida antes dos Castro. O dia 19 de abril de 2018 marca o fim das quase seis décadas de governo dos irmãos Fidel e Raúl.
Foto: Reuters
1959 - A revolução triunfa
O rebeldes liderados por Fidel Castro chegam ao poder depois de derrubar o ditador Fulgencio Batista em janeiro. Os EUA reconhecem o novo governo. Logo, "leis revolucionárias" (como a reforma agrária) afetam empresas americanas. Em dezembro, o presidente republicano Dwight D. Eisenhower aprova um plano da CIA para derrubar Castro em um ano e substitui-lo por "uma junta amiga dos EUA".
Foto: AP
1960 − Aproximação com a União Soviética
Eisenhower proíbe exportações para Cuba (exceto de alimentos e remédios) e suspende a importação de açúcar. Cuba responde nacionalizando bens e empresas americanas e estabelecendo relações diplomáticas e comerciais com a União Soviética. No funeral das vítimas da explosão do cargueiro francês La Coubre (foto), Cuba responsabiliza a CIA, e Castro lança seu lema "pátria ou morte!"
Foto: AP
1961 − Ruptura e invasão fracassada
Os EUA rompem relações diplomáticas com Cuba e fecham sua embaixada em Havana em 3 de janeiro. Após uma série de bombardeios em aeroportos e incêndios em estabelecimentos comerciais, cuja autoria Cuba atribui aos EUA, Fidel proclama o caráter socialista da revolução em 16 de abril. Entre 17 e 19 daquele mês, cubanos treinados pelos EUA tentam invadir a ilha pela Baía dos Porcos, mas fracassam.
Foto: AP
1962 - A crise dos mísseis
"Não sei se Fidel é comunista, mas eu sou fidelista", disse em 1960 o líder soviético Nikita Kruchov. Moscou reata relações diplomáticas com Havana e eleva seu apoio. A URSS instala bases de mísseis nucleares em Cuba, desencadeando a "crise dos mísseis". Moscou cede à pressão de Kennedy em troca de os EUA se comprometerem a não invadir Cuba e desativarem suas bases nucleares na Turquia.
Foto: imago/UIG
1971 – Fidel Castro no Chile
O episódio da Baía dos Porcos acelera a proclamação do caráter socialista, marxista-leninista, da revolução. Cuba acaba sendo expulsa da Organização dos Estados Americanos. Castro fica isolado no continente, mas não para sempre. Ele é recebido no Chile pelo presidente Salvador Allende (foto), que iria ser derrubado por Augusto Pinochet em 1973.
Foto: AFP/Getty Images
1989 – A hora da Perestroika
A chegada ao poder de Mikhail Gorbatchov em Moscou marca o início da era da Glasnost e Perestroika. A Cortina de Ferro começa a ruir, e o império soviético se esfacela. Cuba perde sua principal base de sustentação no exterior, entrando em crise aguda. Milhares de cubanos tentam fugir para Miami em embarcações precárias. Muitos analistas preveem o fim do regime castrista.
Foto: picture-alliance/dpa
1998 – Primeira visita do papa
Um decreto de Pío 12 proibia aos católicos o apoio a regimes comunistas. Em virtude disso, o Vaticano excomungou Fidel Castro em janeiro de 1962. Mas, com o fim da Guerra Fria, chega o momento da reaproximação: em 1996, Castro visita o papa João Paulo 2°, e este retribui a visita dois anos depois, em viagem considerada histórica.
Foto: picture-alliance/AP/Michel Gangne
2002 - Fidel Castro e Jimmy Carter jogam beisebol
Desde que os EUA impuseram seu embargo comercial, econômico e financeiro, em 1962, houve poucos momentos de distensão entre Washington e Havana. Um deles foi a viagem do ex-presidente americano Jimmy Carter a Cuba, em 2002, motivada pela intenção de encontrar pontos de aproximação.
Foto: Adalberto Roque/AFP/Getty Images
2006 - Fidel e Hugo
A partir dos anos 90, Cuba deixa de ser vista como uma perigosa exportadora de revoluções. Com a derrocada do bloco comunista no Leste Europeu, as ideologias de esquerda entram em crise. Mas, na Venezuela, chega ao poder um novo dirigente, disposto a propagar a "Revolução Bolivariana". Hugo Chávez, declarado admirador de Fidel, passa a dar a Havana um respaldo importante, também na área econômica.
Foto: picture-alliance/dpa/dpaweb
2006 - A entrega do poder
A doença forçou Fidel Castro a abandonar o poder. Em 2006, ele o deixa nas mãos de seu irmão Raúl, uma garantia de que não haveria reviravoltas num sistema que, apesar dos avanços em educação e saúde, cobrou um alto preço: o da falta de liberdade e repressão. Fidel foi se despedindo do poder aos poucos, defendendo até o fim sua visão, através das páginas do jornal "Granma".
Foto: picture-alliance/AP Photo/Cristobal Herrera
2014 - Degelo temporário
Em dezembro de 2014, os presidentes dos EUA, Barack Obama, e o de Cuba, Raúl Castro, anunciaram que retomariam as relações diplomáticas. Obama visitou Cuba em março de 2016. Haviam se passado 88 anos desde a última vez que um presidente americano viajara à ilha. EUA retirou Cuba da lista de terrorismo, dando início ao processo de retomada das relações diplomáticas.
Tantas vezes anunciada e desmentida, a morte do líder foi inicialmente recebida com desconfiança. Entretanto, em 25 de novembro de 2016, os bares fecharam mais cedo e as reuniões de amigos nas ruas se dispersaram com a notícia. Durante anos, Fidel Castro desmentiu rumores de sua morte com a publicação de fotografias ou artigos de opinião.
Foto: Getty Images
2018 – A sucessão
Depois de dez anos, Raúl Castro se retira do poder. Em 19 de abril, o Parlamento cubano elegerá um sucessor que, pela primeira vez em quase 60 anos, não leva o sobrenome Castro: o vice de Raúl, Miguel Díaz Canel. Entretanto, analistas julgam improvável que o curso político em Cuba se modifique logo.