Continua difícil pegar leve com Hitler: baseada num sucesso de bilheteria francês, comédia alemã brinca com as associações nefastas que o prenome do líder nazista suscita.
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Um inocente jogo de adivinhação pode às vezes levar a revelações amargas. É o que ocorre em Der Vorname (literalmente: O prenome), o mais recente filme de Sönke Wortmann, o cineasta que assinou O homem mais desejado do mundo, uma das comédias de maior sucesso da Alemanha pós-Guerra.
Thomas e sua namorada, Anna, estão esperando um bebê. Ele desafia seu cunhado, Stephan, e um amigo da família, René, a adivinharem como se chamará seu filho. Sabendo que a primeira letra é "A", os convidados esgotam todas as possibilidades e desistem. E aí ficam sabendo que o casal optou por Adolf. A revelação muda o curso daquele que começara como um agradável jantar entre amigos.
O filme de Wortmann se baseia na peça francesa Le prénom, de Matthieu Delaporte e Alexandre de La Patellière, levada às telas com grande sucesso de bilheteria em 2012, como Qual é o nome do bebê.
A linha dramatúrgica é clássica: uma reunião social, excesso de álcool, os protagonistas desenterram velhas rivalidades, revelando suas verdadeiras personalidades. São os mesmos elementos do sarcástico drama Quem tem medo de Virginia Woolf (1966), estrelado por Elizabeth Taylor e Richard Burton; ou da tragicomédia Deus da carnificina (2011), de Roman Polanski – ambos baseados em peças teatrais.
Ascensão e queda de um nome
Em Der Vorname, o nome escolhido pelo casal de acadêmicos é uma provocação absoluta, desencadeando a disputa entre amigos. Entretanto "Adolf" era muito difundido nos países de língua germânica até tornar-se infame pela associação com o ditador nazista.
Quando Hitler assumiu o poder, em 1933, durante vários anos o prenome foi um favorito dos progenitores alemães, mas tornou-se extremamente impopular a partir de 1942 e, de 1951 em diante, foi praticamente deixado de lado.
Atém mesmo alguns dos Adolfs nascidos antes da Segunda Guerra Mundial preferiram evitar a associação nefasta. Adolf Dassler, por exemplo, o fundador da companhia Adidas, era mais conhecido pelo apelido "Adi".
Embora batizar uma criança "Adolf Hitler" seja proibido na Alemanha, não há nenhuma lei contra o primeiro nome. Ele permanece relativamente raro, e em geral só é adotado como nome do meio, em homenagem a algum antepassado. Os cartórios alemães também têm poderes para impedir a adoção do nome, se há indícios de que a escolha visa promover o extremismo de direita.
Riso amarelo
Der Vorname passa a integrar a rarefeita categoria das produções de idioma alemão que abordam o legado da era nazista em forma de comédia. Cineastas que trilharam essa linha – como David Wnendt em Ele está de volta (2015) ou Dani Levy com Minha quase verdadeira história (2007) – bem sabem que é difícil deixar o público alemão relaxado com piadas de Hitler.
Quando apresentadores de shows de fim de noite como Harald Schmidt ou Jan Böhmermann arriscaram imitar o ditador em seus números de abertura, o riso da plateia, em geral, foi amarelo. Felizmente, a maioria dos alemães ainda guarda a consciência de que trivializar os crimes nazistas é moralmente inaceitável.
Em outros países a recepção é mais fácil. A Segunda Guerra ainda estava em pleno curso em 1940, quando Charlie Chaplin dirigiu e estrelou O grande ditador, em que satirizava Hitler e os nazistas. E em 2009 o celebrado ator de teatro alemão Martin Wuttke ganhou reconhecimento internacional por sua interpretação do líder nazista em Bastardos inglórios, de Quentin Tarantino.
A equipe de cinema da DW selecionou seus filmes alemães prediletos. Veja aqui dez grandes comédias que resgatam alguns dos clichês mais persistentes sobre o país.
Foto: picture-alliance/dpa/Ch. Assmann
#10: Homens
Esta comédia hilariante dirigida por Doris Dörrie foi planejada originalmente para a TV, mas os produtores fizeram uma escolha sábia e decidiram levá-la aos cinemas. Há trinta anos, por volta de 6 milhões de pessoas morreram de rir assistindo a um filme sobre as relações entre homens e mulheres, estrelado pelos atores alemães Ulrike Kriener, Heiner Lauterbach e Uwe Ochsenknecht.
Foto: picture-alliance/United Archives/IFTN
#9: Fack Ju Göhte
Mais de 7 milhões de pessoas foram aos cinemas ver a comédia "Fack Ju Göhte", dirigida por Bora Dagtekin. O título da comédia zomba da ortografia de alunos alemães ao escrever em inglês. O filme aborda a história de um instrutor, que não é um professor de verdade, e seus alunos enfadados. Apesar do tédio, o apelo sexual do ator Elyas M'Barek conquistou o coração de inúmeras adolescentes.
Foto: Constantin Film Verleih
#8: O sapato de Manitu
"O sapato de Manitu" foi um dos maiores sucessos de bilheteria do cinema alemão desde a década de 1960, com mais de 11 milhões de tíquetes vendidos. O comediante Michael Herbig ("Bully"), que antes trabalhava para a rádio e televisão, ganhou muitos elogios e risos por sua paródia de faroeste sobre os filmes do cacique Winnetou.
Foto: picture-alliance/dpa
#7: Todos contra Zucker
Em 2004, o diretor Dani Levy festejou um enorme e surpreendente sucesso de bilheteria com sua comédia "Todos contra Zucker". Este filme sobre os problemas particulares e financeiros de um repórter esportivo da ex-Alemanha Oriental retrata com sensibilidade a identidade judaica na Alemanha de hoje, e ainda de forma bem-humorada: certamente, uma tarefa nada fácil.
Foto: Imago//United Archives
#6: Quem morre mais cedo
Dirigido por Marcus H. Rosenmüller, a comédia "Quem morre mais cedo passa mais tempo morto" conta a história de como um pré-adolescente de 11 anos lida com a revelação em torno das particularidades da morte de sua mãe. Essa comédia brinca com o charme particular e as peculiaridades dos bávaros.
Foto: Imago//United Archives
#5: Wir sind die Neuen
Em 2014, o diretor Ralf Westhoff transformou uma ideia original numa comédia refrescante. "Wir sind die Neuen" ("Nós somos os novos", em tradução livre) conta a história de três velhos amigos que costumavam dividir um apartamento durante a faculdade e decidem, anos mais tarde, viver juntos novamente, em meio a um trio muito mais jovem de estudantes. Uma comédia sobre a relação entre gerações.
Foto: X-Verleih
#4: Ödipussi
Na década de 1980, Vicco von Bülow, aliás Loriot, era um comediante muito popular na Alemanha. Ele encantou fãs de todas as idades, escrevendo, dirigindo e estrelando "Ödipussi". Loriot acabou nas telas dos cinemas, ainda que o filme não seja exatamente uma comédia tradicional, mas uma sequência de stand-ups insanos, hilariantes, mas extremamente sutis.
Foto: Picture-Alliance/dpa
#3: Bem-vindo à Alemanha
Em 2011, Yasemin Şamdereli não foi a primeira a dirigir uma comédia intercultural na Alemanha, mas seu filme foi o primeiro a ser tão bem-sucedido: "Almanya: Bem-vindo à Alemanha" ("Almanya" é a palavra turca e árabe para Alemanha) aborda problemas, como identidade e integração, de maneira engraçada e irônica, fazendo rir dos clichês em torno de alemães e turcos.
Foto: picture-alliance/dpa/C. Hartmann
#2: Ele está de volta
É possível e correto rir sobre Hitler? O romancista Timur Vermes e o cineasta David Wnendt decidiram que sim. Como o best-seller de Vermes, a adaptação para o cinema abordou com humor o sério tema do nazismo. Wnendt incluiu imagens de arquivos nas cenas ficcionais, acrescentando uma série de piadas controversas e de humor negro sobre Adolf Hitler e sua era.
Foto: picture-alliance/dpa/Constantin Film Verleih GmbH
#1: Adeus, Lênin!
Outro tema da história alemã se tornou um sucesso de cinema: com sua hilariante comédia "Adeus, Lênin!" (2003), o diretor Wolfgang Becker explorou a queda do Muro de Berlim e as diferenças culturais entre as ex-Alemanhas Oriental e Ocidental. O filme recebeu muitos prêmios e também transformou o ator Daniel Brühl famoso do dia para noite. Um papel que talvez o marque para sempre.