1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Quem se beneficia com a disparada no preço do cacau?

Andreas Becker
27 de março de 2024

O valor da matéria-prima do chocolate triplicou em poucos meses, superando o preço do cobre. Seria de se esperar que isso reduzisse a pobreza generalizada entre os produtores de cacau. Mas não é tão simples assim.

Produtor de cacau na Costa do Marfim
De cada euro gasto em uma barra de chocolate, apenas cerca de sete centavos vão para os produtores de cacau, a maioria em Gana e Costa do MarfimFoto: Godong/picture alliance

Os preços do cacau subiram a níveis sem precedentes nos últimos meses: registram recordes à medida que o valor da commodity dispara. Nesta terça-feira (26/03), o produto atingiu o valor de 10 mil dólares por tonelada métrica, tornando-o mais caro do que o cobre, que atualmente é negociado a cerca de 8.700 dólares por tonelada.

O preço atual do cacau contrasta fortemente com o de um ano atrás, quando os valores da commodity estavam abaixo de 3 mil dólares.

A dinâmica do mercado de cacau revela alguns aspectos preocupantes, pois a atual explosão não traz benefícios a todas as partes do negócio. Os produtores de cacau, por exemplo, estão presos na pobreza há anos, incapazes de sobreviver apenas com seu trabalho. Relatos de desnutrição e trabalho infantil são frequentes no setor. A esperança é de que os preços mais altos do cacau aliviem, em algum momento, essa situação.

Outro problema é a concentração desproporcional da produção, comCosta do Marfim e Gana respondendo coletivamente por quase dois terços da produção global de cacau.

O que faz os preços subirem?

A atual disparada dos preços decorre de quebras substanciais da safra nessas importantes regiões produtoras, segundo explica Friedel Hütz-Adams, especialista em cacau do Instituto Südwind em Bonn, na Alemanha. "No momento, estima-se que a colheita na Costa do Marfim e em Gana tenha diminuído em pelo menos um terço", afirma à DW.

O especialista descreve a situação como uma "mistura catastrófica" de eventos climáticos. O fenômeno El Niño, agravado por fatores ambientais locais, exacerbou o problema das colheitas ruins. Hütz-Adams destaca ainda que o desmatamento intensifica os efeitos do El Niño na região, levando a períodos prolongados de chuvas ou secas que prejudicam a produção de cacau.

Além disso, as restrições financeiras enfrentadas por muitos produtores de cacau pioram a situação, tornando-os impotentes diante dos desafios agrícolas. "Em Gana, por exemplo, no ano passado, não choveu em muitas regiões no início e depois choveu por tanto tempo que os cacaueiros ficaram submersos na água por um longo período, o que levou à disseminação de doenças nos frutos."

A União Europeia (UE) emergiu como um ator fundamental no mercado de cacau. O bloco é o maior consumidor do mundo, sendo o destino de aproximadamente metade da produção mundial. Os Estados Unidos vêm logo atrás como o segundo maior consumidor. Os produtores de cacau recebem apenas uma fração dos rendimentos do setor, sendo que a maior parte dos lucros fica com os fabricantes e comerciantes, sediados na Europa e nos EUA.

De cada euro gasto em uma barra de chocolate, apenas cerca de sete centavos vão para os produtores de cacau, enquanto os fabricantes e comerciantes recebem cerca de 80 centavos, segundo o Ministério de Cooperação Econômica e Desenvolvimento (BMZ) da Alemanha.

Apostando no futuro

Para mitigar os riscos associados à flutuação dos preços do cacau, os fabricantes de chocolate fazem o que se chama de negociações de futuros – ou seja, negociam contratos de compra em uma data adiante e por um preço pré-definido. Assim, eles asseguram os grãos de cacau bem antes da colheita.

Contudo, essa prática geralmente deixa os agricultores vulneráveis, pois suas colheitas são vendidas a valores mais baixos antes do aumento dos preços. Os agricultores da Costa do Marfim e de Gana, por exemplo, venderam 80% de sua produção já em outubro do ano passado, mesmo antes do início da temporada de colheita.

"A tragédia é que os agricultores da Costa do Marfim e de Gana quase não estão se beneficiando na atual temporada porque as safras foram vendidas antes do aumento dos preços", diz Hütz-Adams. A maioria dos agricultores vendeu a tonelada a apenas 1.800 dólares na época e agora enfrenta graves perdas de safra.

O especialista em cacau enfatiza, porém, que os preços atuais nas negociações de futuros indicam um período sustentado de preços altos nos próximos um ou dois anos, oferecendo um vislumbre de esperança para os agricultores dos principais países produtores.

"O preço de troca é mais do que o dobro do que era há um ano, mesmo para entregas no final de 2025. Se garantirmos que uma grande parte desse dinheiro chegue aos agricultores, essa explosão de preços pode ser uma oportunidade", afirma.

Chocolate mais caro

Embora a demanda por chocolate esteja aumentando, especialmente em mercados emergentes como a China e a Índia, a extensão de seu impacto sobre o consumo global de cacau permanece limitada. "Há 15 anos venho ouvindo que os chineses logo comerão muito mais chocolate, mas até agora isso não aconteceu", diz Hütz-Adams.

Segundo o especialista, novos aumentos no preço do chocolate na Europa parecem inevitáveis.

 "Mesmo antes do Natal de 2023, os preços do chocolate na Alemanha foram elevados com base no aumento do preço da matéria-prima", ainda que os valores tenham sido calculados com base na temporada anterior, quando os preços do cacau ainda estavam significativamente mais baixos.

Enquanto os países produtores de cacau menores lutam para atender à demanda, os preços continuam a subir. Embora isso possa representar uma oportunidade para os agricultores, os problemas de longa data do setor, como pobreza, desnutrição e trabalho infantil, continuam sem solução.

Pular a seção Mais sobre este assunto
Pular a seção Manchete

Manchete

Pular a seção Outros temas em destaque