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Quem vai ser o próximo chefe da Otan?

Teri Schultz em Bruxelas
2 de janeiro de 2024

Após quase dez anos, norueguês Jens Stoltenberg deixará o cargo em outubro. Corrida pelo comando da aliança militar ocorre a portas fechadas, mas vem sendo liderada pelo primeiro-ministro holandês Mark Rutte.

Um soldado polonês com o rosto camuflado postado em cima de um tanque. Ao fundo, a bandeira da Otan.
A Otan tem pouco tempo para decidir quem assumirá o comando da entidade em 2024Foto: Sean Gallup/Getty Images

O atual secretário-Geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Jens Stoltenberg, deixará o posto no final deste ano após quase uma década de serviços prestados à frente da aliança militar do Ocidente.

Ao longo desses quase anos, dada a relação difícil com a Rússia e as tensões com Donald Trump enquanto ele presidia  os Estados Unidos, não surpreendeu que ninguém quisesse arriscar substituir o estoico Stoltenberg, que ganhou o apelido de "encantador de Trump" por sua habilidade em acalmar o desbocado líder americano.

O norueguês deve passar o bastão na cúpula de 75 anos da aliança em Washington, em julho, e encerrar seu mandato oficialmente em 1º de outubro de 2024.

Sem distrações ou complicações

Ex-porta-voz de Stoltenberg e atualmente pesquisadora no think tank britânico Royal United Services Institute, Oana Lungescu deu a entender que o novo chefe da Otan deve ser escolhido antes disso, para evitar distrações e complicações.

Lungescu, ela própria a porta-voz mais longeva da entidade, enfatizou que "é realmente importante que a escolha seja feita cedo o suficiente e que seja desvinculada tanto das eleições para a União Europeia [em junho de 2024] quanto da campanha para as eleições nos Estados Unidos".

Segundo ela, "a pior coisa que poderia acontecer seria o secretário-geral da Otan ser uma espécie de 'sobra' de longas negociações sobre a UE ou acabar envolvido em uma eleição muito confusa nos Estados Unidos."

Corrida pelo comando da aliança se dá nos bastidores

Uma das vagas de emprego de mais alto nível do mundo, a chefia da Otan não vem com descrição formal do cargo, muito menos com uma lista de habilidades requeridas ou instruções sobre como "se candidatar". Aqueles que cobiçam o cargo não serão convidados para uma entrevista, nem devem parecer excessivamente ansiosos para serem escolhidos.

Embora Washington seja amplamente vista como "fazedora de reis" (leia abaixo sobre a possibilidade de uma "rainha" ), qualquer um dos 31 países da Otan pode atrapalhar. "É realmente muita diplomacia nos bastidores dos dois lados do Atlântico", avalia Ian Lesser, vice-presidente baseado em Bruxelas do think tank German Marshall Fund dos Estados Unidos (GMF). "Tudo é feito por consenso: desde clipes de papel até estratégia nuclear. Faz parte desse processo."

Nesse sentido, o novo secretário-geral da Otan deve se opor à Rússia – mas não de forma tão veemente a ponto de provocar temores de escalada – e estar preparado para defender a própria existência da aliança, sem provocar ainda mais seus detratores. Ao longo dos muitos anos em que um novo líder foi cogitado, também foram mencionadas qualidades "desejáveis", tais como vir de um país com gastos vultosos em defesa, e de um aliado do sul ou do leste, para dar uma variada após mais de 15 anos de liderança nórdica. E que tal finalmente colocar uma mulher no comando?

Porta giratória de esperançosos

Muitos nomes foram mencionados... e caíram. Possíveis favoritos anteriores, como a primeira-ministra dinamarquesa Mette Frederiksen e o ex-secretário de Defesa britânico Ben Wallace, teriam até mesmo discutido pessoalmente suas chances com o presidente dos EUA, Joe Biden, mas ambos recuaram de suas pretensões posteriormente, sem dar maiores explicações.

Atualmente, a lista de aspirantes confessos ao cargo inclui a primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas, o ministro das Relações Exteriores da Letônia, Krisjanis Karins, e o atual primeiro-ministro holandês, Mark Rutte.

Segundo primeiro-ministro mais longevo entre os aliados da Otan – ele só perde para Viktor Orbán, da Hungria –, Rutte foi emergindo gradualmente como o favorito e é considerado uma escolha "mais segura" do que um político báltico, com a guerra do Kremlin contra a Ucrânia dominando a agenda da aliança.

A primeira-ministra da Estônia Kaja Kallas (centro) disse abertamente que almeja ser a primeira mulher à frente da OtanFoto: NATO

Franca, Kallas é popular e polarizadora, e Karins, embora também seja ex-primeiro-ministro, não está ganhando muita tração.

"Existe a sensação de que ter alguém dos Estados bálticos à frente da Otan seria de alguma forma contraproducente, não ajudaria", afirma Kristi Raik, diretora adjunta do Centro Internacional de Defesa e Segurança em Talin. Ela discorda.

"É difícil ver qual é exatamente o problema, porque as relações com a Rússia a esta altura estão congeladas. De qualquer forma, não estamos falando sobre a probabilidade de começar a restaurar um relacionamento diplomático tão cedo."

O extrovertido primeiro-ministro holandês Mark Rutte (esq.) é o favorito para substituir o atual secretário-geral Jens StoltenbergFoto: NATO


No entanto, e de forma significativa, Rutte é o único candidato que foi discutido pelos embaixadores da Otan, revela Lungescu, em um processo informal paralelo às consultas dos líderes chamado de "café do reitor". Isso ocorre quando o representante nacional mais antigo, atualmente o embaixador croata Mario Nobilo, convoca seus 30 colegas para discutir questões importantes.

"Há alguns países que ainda precisam finalizar suas posições, até onde eu sei", afirma Lungescu, "mas estão trabalhando para um consenso [em relação a Rutte]".

Kallas está determinada

Mesmo que tudo isso aconteça nos bastidores, Kallas não está fingindo que não percebeu. Falando em um evento nos EUA em novembro com o site Politico, ela brincou publicamente sobre o aparente relaxamento de critérios que costumavam ser considerados prioridades em um secretário-geral.

"Definitivamente, deveria vir de um país que gastou 2% do PIB em defesa. E seria bom se fosse uma mulher", ela lembrou, ironizando: "então é lógico que seja Mark Rutte". A plateia riu constrangida, e a decepção de Kallas ficou evidente. Os gastos com defesa da Estônia ultrapassarão 3% do PIB no próximo ano, enquanto a Holanda não atingirá os almejados 2%. Ao ser indagada pelo apresentador se ainda quer ser considerada para o cargo, Kallas respondeu com uma palavra: "Sim".

Como gastos militares serão vistos nos Estados Unidos à beira de uma eleição presidencial cujo resultado pode ser, como disse Ian Lesser, do GMF, "muito desafiador politicamente para a Europa"?

Kallas poderia se destacar com seu orçamento, mas Rutte pode ter sua própria carta na manga. Em uma reunião na Casa Branca em 2019, Rutte e Trump foram mostrados brincando e batendo nos ombros um do outro cordialmente. "Nos tornamos amigos nos últimos anos", disse Trump.

Obstáculo à frente?

Apesar do consenso evidente sendo formado em torno de Rutte, a candidatura do holandês pode ser ameaçada por Viktor Orbán, com quem já protagonizou conflitos em anos anteriores na União Europeia. Há notícias de que o primeiro-ministro da Hungria já anunciou sua oposição à nomeação.

Observadores não descartam um candidato-surpresa de última hora à chefia da aliança. "Nada é decidido até que tudo seja decidido", adverte Lungescu. Quem "vencer", diz Kristi Raik, "certamente terá um caminho bastante turbulento. De qualquer forma, é nosso trabalho, como europeus, garantir que os Estados Unidos permaneçam comprometidos."

A única coisa que parece certa neste momento é que Stoltenberg terá a oportunidade de se retirar de mais uma corrida: a pelo título de mais longevo secretário-geral da Otan, posto que pertenceu ao holandês Joseph Luns, que ocupou o cargo por 13 anos.