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Quo vadis, povos indígenas do Brasil?

Thomas Milz
Thomas Milz
15 de fevereiro de 2023

Crise dos yanomami evidencia descaso em relação aos indígenas e seu modo de vida e levanta a questão de que lugar terão esses povos numa sociedade guiada pela ideia de "progresso".

"Temo que haja mais destruição pela frente e acredito que não será fácil salvar a Amazônia e seus povos originários", escreve o colunista Thomas MilzFoto: Leo Ramirez/AFP/Getty Images

As cenas de crianças yanomami desnutridas e doentes são chocantes. Assim como as imagens aéreas que mostram a destruição causada pelos garimpeiros na Terra Indígena (TI) Yanomami, no extremo norte do Brasil, na fronteira com a Venezuela. São feridas humanas e ambientais que vão levar tempo para sarar.

Há alguns anos, visitei a TI Yanomami a convite de Davi Kopenawa, líder desse povo e um lutador ferrenho pela salvação da sua gente. Passamos uns dias na aldeia de Davi, para fazer reportagens para a mídia alemã. Ficou clara a vulnerabilidade dos yanomami. O rio que passa perto da aldeia serve para beber e para se lavar, e quando o mercúrio dos garimpos contamina essas águas, a vida de todos corre perigo instantaneamente.

Davi, que passa parte do tempo em Boa Vista, onde fica o escritório de sua organização, a Hutukara, conhece bem o modo de vida do "homem branco". E sabe do perigo que a vida moderna representa para seu povo. Andando por Roraima, vi grupos de yanomami vivendo perto de cidades. Longe de suas roças, passavam fome, e alguns estavam alcoolizados depois de terem recebido cachaça em supermercados da região. 

Modo de vida ameaçado

É uma linha tênue a entre manter a própria cultura e a própria sanidade e se perder no mundo dos outros. Com o avanço cada vez mais floresta adentro da cultura do "homem branco" na Amazônia, fica a questão de como preservar o modo de vida dos indígenas. O que será deles? Qual o seu lugar na sociedade brasileira, que avança com violência contra humanos, animais e o meio ambiente naquela fronteira agrícola?

Até mesmo boa vontade pode causar danos, sem querer. A inclusão de povos indígenas em programas sociais como o Bolsa Família pode ter consequências desastrosas para os indígenas. Vi, em São Gabriel da Cachoeira, cenas tristes de indígenas que, uma vez por mês, viajavam de canoa até a cidade para pegar o dinheiro que o governo lhes oferecia.

Eram as mulheres que ficavam na fila do dinheiro por um ou dois dias, enquanto alguns dos homens se perdiam nas coisas da cidade, principalmente na bebida. Uma parte do dinheiro era gasta com fraldas descartáveis e roupas e brinquedos de origem chinesa e de baixa qualidade. Enquanto viajavam para as cidades, não podiam cuidar das suas roças. E com o título de eleitor em mãos, viravam alvo de políticos e suas promessas eleitorais. Assim, os indígenas enfraqueciam aos poucos a própria cultura.

Salvar os indígenas não será fácil

Claro que é apenas da conta deles mesmos decidir como querem viver no futuro. Mas qual será o espaço que a sociedade lhes oferecerá?

Até Lula, que criou um ministério só para os povos indígenas, já deixou claro que não quer transformar a Amazônia, onde vivem mais de 25 milhões de pessoas, num "santuário da humanidade". É a ideia de que precisa haver "progresso" para garantir um futuro viável e sustentável.

Como será esse caminho proposto? Não sei. Mas me parece claro que os yanomami escaparam por pouco. Mais quatro anos de governo Bolsonaro teriam sido fatais para eles. Agora, os garimpeiros serão expulsos da TI Yanomami. Eles já estariam a caminho das Guianas, segundo a imprensa, onde devem causar mais estrago.

É bom ver as autoridades brasileiras retomarem um trabalho sério de fiscalização ambiental, depois do desmonte sob Bolsonaro. Mas temo que haja mais destruição pela frente e acredito que não será fácil salvar a Amazônia e seus povos originários. O que será deles?

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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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Realpolitik

Depois de uma década em São Paulo, Thomas Milz mudou-se para o Rio de Janeiro, de onde escreve sobre a política brasileira sob a perspectiva de um alemão especializado em Ciências Políticas e História da América Latina.