Rússia alega vitória massiva em "referendos" de anexação
27 de setembro de 2022
Autoridades russas em territórios ocupados no leste e no sul da Ucrânia alegam que "sim" venceu com ampla maioria. Votação não é reconhecida internacionalmente, e Kiev pede que UE imponha sanções a Moscou.
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Autoridades russas nas regiões ocupadas da Ucrânia relataram na noite desta terça-feira (27/09) uma ampla vitória do "sim" nos "referendos" de anexação organizados às pressas por Moscou.
A votação sobre a adesão pela Rússia das autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, no leste da Ucrânia, e das regiões de Kherson e Zaporíjia, no sul, parcialmente sob domínio russo, começaram na sexta-feira e terminaram nesta terça-feira. Juntas, as áreas representam cerca de 15% do território ucraniano, uma área, mais ou menos, do tamanho de Portugal.
A votação não é reconhecida pelo direito internacional - e Kiev e o Ocidente já deixaram claro que não aceitarão os resultados.
As autoridades de Lugansk disseram que 98,5% das pessoas que compareceram às urnas votaram a favor de se juntar à Rússia, após 69% dos votos apurados. Em Zaporíjia, um funcionário nomeado pela Rússia disse que 93,1% votaram "sim", com 100% dos votos contabilizados. Já em Kherson, o "sim" venceu com 87%, de acordo com o chefe do comitê de votação.
Segundo a agência de notícias russa Tass, na região de Donetsk, 93,95% votaram a favor da anexação, com quase 32% dos votos apurados.
Violência e intimidação
Apesar dos anúncios da Rússia, há indícios de que os referendos ocorrem sob ameaça de violência e intimidação. Nos territórios ocupados, autoridades russas levaram urnas de casa em casa, no que a Ucrânia e o Ocidente afirmam ser um exercício ilegítimo e coercitivo para criar um pretexto legal para a Rússia anexar as quatro regiões.
Pessoas deslocadas das quatro regiões puderam votar, também, na Rússia, onde a agência de notícias estatal RIA anunciou que as primeiras contagens mostraram números superiores a 96% a favor da anexação dos territórios ucranianos.
À TV estatal, o presidente russo, Vladimir Putin, disse nesta terça-feira que os "referendos" têm o objetivo de proteger da perseguição os russos étnicos e falantes de russo pela Ucrânia – algo que Kiev nega.
"Salvar pessoas em todos os territórios onde este referendo está sendo realizado está no topo de nossas mentes e no foco de atenção de toda a nossa sociedade e país", disse.
Moscou agiu nos últimos meses para "russificar" áreas sob seu controle, inclusive emitindo passaportes russos para ucranianos e reescrevendo currículos escolares.
A Rússia quer usar os supostos resultados do referendo para justificar a incorporação das áreas ocupadas por separatistas leais ao Kremlin e usa o argumento do "direito do povo à autodeterminação". Putin enfatizou que, após a anexação, Moscou trataria os ataques da Ucrânia aos territórios como ataques à Rússia e se defenderia com todos os meios.
Valentina Matviyenko, chefe da câmara alta do parlamento russo, disse que, se os resultados da votação fossem favoráveis, a incorporação das quatro regiões pela Rússia poderia ocorrer já em 1º de outubro, três dias antes de Putin comemorar seu 70º aniversário.
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Sem reconhecimento internacional
Nem a Ucrânia nem a comunidade internacional reconhecerão a votação por considerarem os referendos falsos, uma vez que são realizados sem o consentimento da Ucrânia, sob a lei marcial e não de acordo com os princípios democráticos. Além disso, o trabalho livre de observadores internacionais independentes também não foi possível.
A Ucrânia alertou repetidamente que a anexação russa de territórios destruiria qualquer chance de negociações de paz, sete meses depois que a Rússia iniciou a invasão. Além disso, ucranianos que ajudaram a Rússia a organizar as eleições enfrentarão acusações de traição.
O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, pediu à União Europeia que imponha mais sanções econômicas à Rússia para puni-la por organizar as votações. Na segunda-feira, o Reino Unido anunciou novas sanções devido à realização dos "referendos".
Nos novos "referendos", a Rússia segue o mesmo modelo adotado na época da anexação da Península da Crimeia, em 2014, que teria tido resultado em 97% de apoio à separação da Ucrânia, mas a votação jamais foi reconhecida internacionalmente.
O secretário de Estado americano, Anthony Blinken, disse nesta terça-feira que os Estados Unidos e os aliados "nunca reconhecerão" a anexação de territórios ucranianos pela Rússia.
"Nós e muitos outros países deixamos isso claro. Nunca reconheceremos a anexação do território ucraniano pela Rússia", destacou, durante uma conferência de imprensa.
O responsável pela diplomacia americana salientou que os Estados Unidos e aliados irão retaliar com novas e "severas" sanções contra a Rússia.
Em uma sessão especial do Conselho de Segurança, a ONU deixou claro nesta terça-feira que não vai reconhecer o resultado da votação.
"[Os referendos] não podem ser considerados uma expressão genuína da vontade do povo (e) não podem ser vistos como legais sob o direito internacional", disse a subsecretária-geral da ONU Rosemary DiCarlo, ao Conselho, lembrando, por exemplo, que "as autoridades 'de fato' estavam acompanhadas por soldados quando batiam de porta em porta com urnas eleitorais".
le/lf (Reuters, EFE, Lusa, ots)
Ataques da Rússia a alvos civis na Ucrânia
Vladimir Putin nega que o exército russo esteja atacando alvos civis na guerra na Ucrânia. Mas os fatos o contradizem, como mostra esta galeria de fotos, que nem de longe abrange todos os ataques russos.
Foto: Maksim Levin/REUTERS
Mais de 5.500 civis mortos
O presidente russo, Vladimir Putin, declarou no fim de junho: "O exército russo não está atacando alvos civis". Observadores independentes discordam: de acordo com dados da ONU, mais de 5.500 civis morreram na Ucrânia desde o início da guerra e mais de 7.800 ficaram feridos como resultado de ataques russos. Na foto, um centro comercial destruído em Kremenchuk, 27/06/2022.
Foto: Efrem Lukatsky/AP Photo/picture alliance
Chaplyne: 25 mortos em bombardeio
Uma enorme cratera em Chaplyne. A pequena cidade no leste da Ucrânia, com cerca de 3.800 habitantes, foi alvo de um ataque russo em 24 de agosto, como admitiu mais tarde o Ministério da Defesa em Moscou. O alvo foi um trem de transporte de armas, mas o ataque também atingiu civis. Segundo a companhia ferroviária ucraniana, 25 foram mortos, incluindo duas crianças.
Foto: Dmytro Smolienko/Ukrinform/IMAGO
Vinnytsia: 28 vítimas em ataque com foguete
Em 14 de julho, o exército russo atingiu com um míssil a Casa dos Oficiais de Vinnytsia, onde teria ocorrido "uma reunião da liderança militar das Forças Armadas ucranianas e fornecedores estrangeiros de armas". Entre os 28 mortos, estavam três crianças e três oficiais, além de mais de 100 feridos. Vinnytsia se localiza a sudoeste de Kiev.
Foto: State Emergency Service of Ukraine/REUTERS
Chasiv Yar: 48 mortos em bombardeio
Na noite de 9 de julho, a pequena cidade de Chasiv Yar, no leste da Ucrânia, foi bombardeada. Segundo a mídia, os lançadores de foguetes múltiplos Uragan foram disparados em áreas residenciais. Um edifício residencial de cinco andares foi duramente atingido, e 48 corpos foram resgatados de seus escombros.
Foto: Nariman El-Mofty/AP/dpa/picture alliance
Serhiyivka: 21 mortos em ataque com mísseis de cruzeiro
Um ataque a Serhiyivka em 1º de julho custou pelo menos 21 vidas. O porto perto de Odessa aparentemente foi atingido por mísseis de cruzeiro durante a noite, como a Anistia Internacional informou após investigações no local. Pelo menos 35 ficaram feridos nos ataques. Por ser um resort de saúde, Serhiyivka é particularmente popular entre os turistas russos.
Foto: Maxim Penko/AP/picture alliance
Kramatorsk: 61 mortos na estação de trem
Imagens terríveis de Kramatorsk deram a volta ao mundo em 8 de abril: vários mísseis submarinos russos 9K79-1 Tochka atingiram a estação ferroviária da cidade no leste da Ucrânia, enquanto passageiros esperavam pelo trem. 61 foram mortos, incluindo sete crianças. Cientistas de balística determinaram que os mísseis haviam sido disparados da área da Ucrânia controlada pelos russos.
Foto: Ukrainian President Volodymyr Zelenskyy's Telegram channel/dpa/picture alliance
Bucha: encontrados 1.316 corpos
Bucha tornou-se sinônimo das ações brutais do Exército russo: depois que as tropas inimigas partiram, em 30 de março, vários corpos jaziam na rua Jablunska. No total, foram encontrados 1.316 corpos em Bucha e arredores. Embora a Rússia tenha negado quaisquer massacres, verificadores de fatos internacionais e equipes de investigação confirmaram execuções de civis por soldados russos.
Foto: Zohra Bensemra/Reuters
Mykolaiv: 36 mortos em ataque à administração regional
Em 29 de março, um ataque aéreo atingiu o prédio da administração regional de Mykolaiv. A parte central do edifício foi completamente destruída, do primeiro ao nono andar, restando apenas um esqueleto do prédio. A explosão também danificou vários edifícios residenciais e administrativos próximos, causando a morte de 36 cidadãos.
Em 16 de março, uma bomba destruiu o teatro no centro de Mariupol. De acordo com a Human Rights Watch, mais de 500 civis estavam se abrigando dos ataques no prédio na época. A palavra "Crianças" escrita em enormes letras brancas na frente e atrás do prédio não serviu como escudo. Segundo a prefeitura, 300 morreram.
Foto: Pavel Klimov/REUTERS
Mariupol: quatro mortos em ataque a clínica
Um ataque aéreo russo em 9 de março destruiu o hospital infantil e a maternidade de Mariupol. Houve menos quatro mortes, incluindo uma grávida e seu bebê, 17 ficaram feridos. Enquanto o Ministério da Defesa russo falou de uma "provocação encenada", o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, chamou o atentado de "crime de guerra".
Foto: Evgeniy Maloletka/AP/picture alliance
Charkiv: foguete mata 24 pessoas
Um vídeo de vigilância divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia mostrou um foguete atingindo o prédio da Administração Estatal Regional de Kharkiv em 1º de março, causando 24 mortes, inclusive de transeuntes.
Foto: Pavel Dorogoy/AP/picture alliance
Inquérito do Tribunal Penal Internacional
As autoridades ucranianas relatam mais de 29 mil crimes de guerra, do início do conflito, em 24 de fevereiro de 2022, até 26 de agosto. Investigações independentes prosseguem. O Tribunal Penal Internacional enviou equipes para coletar informações. De acordo com as Convenções de Genebra, ataques deliberados a civis são crimes de guerra. No entanto, a Rússia não reconhece a corte sediada em Haia.