Rússia mandou matar tchetcheno em Berlim, diz corte alemã
15 de dezembro de 2021
Tribunal em Berlim condena cidadão russo à prisão perpétua pelo assassinato de um ex-comandante tchetcheno em parque da capital alemã em 2019. Evidências apontam para vínculos com o serviço secreto da Rússia.
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Um tribunal de Berlim determinou que o assassinato de um ex-comandante tchetcheno em um parque da capital alemã em 2019 foi ordenado pela Rússia. O veredicto anunciado nesta quarta-feira (15/12) atraiu a ira imediata do Kremlin e gerou um risco de agravar ainda mais as tensões diplomáticas.
Os juízes de uma corte de Berlim condenaram o suspeito russo Vadim Krasikov, também conhecido como Vadim Sokolov, a uma pena de prisão perpétua. Krasikov foi considerado culpado de ter matado Tornike Kavtarashvili, de 40 anos, que tinha etnia tchechena e nacionalidade da Geórgia.
"O mais tardar em junho de 2019, as autoridades do Estado russo ordenaram que o acusado aniquilasse a vítima em Berlim", disse o juiz Olaf Arnoldi, que presidiu a sessão.
Arnoldi decretou a pena sob a justificativa de que a chamada "gravidade particular da culpa" exigida pela lei alemã para potenciais veredictos de prisão perpétua tinha sido cumprida neste caso. "Quatro crianças perderem o pai, e dois irmãos, o irmão", concluiu o juiz.
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Assassinato em plena luz do dia
Os promotores alemães defenderam a tese de que Krasikov estava agindo sob as ordens do serviço secreto russo (FSB). Ao longo do julgamento, eles apresentaram um extenso material para mostrar que as autoridades russas arranjaram um pseudônimo para o homem – Vadim Sokolov – e que ele cruzou várias fronteiras europeias com essa identidade nos dias que antecederam o assassinato.
No parque Kleiner Tiergarten, Krasikov assassinou Kavtarashvili a tiros à queima-roupa em plena luz do dia em 23 de agosto de 2019. O suspeito foi preso no mesmo dia.
A vítima, por sua vez, tinha sido classificada como terrorista pelos serviços de segurança russos. O cidadão georgiano foi acusado por Moscou de lutar como insurgente contra as forças russas na Tchetchênia e, posteriormente, de estar envolvido em um ataque a bomba no metrô de Moscou.
O presidente russo, Vladimir Putin, descreveu Kavtarashvili como um "lutador muito cruel e sangrento" que se juntou a separatistas contra as forças russas no Cáucaso. O Kremlin estava tentando sua extradição junto às autoridades alemãs.
Segundo relatos da imprensa alemã, Kavtarashvili conseguiu sobreviver a duas tentativas de assassinato na Geórgia antes de buscar asilo na Alemanha, onde morava há vários anos.
Uma história de envenenamentos políticos
Há mais de um século, agências de inteligência usam o envenenamento para silenciar opositores. Vítima mais recente deste método teria sido Alexei Navalny. Substâncias utilizadas vão desde toxinas a agentes nervosos.
Foto: Imago Images/Itar-Tass/S. Fadeichev
Alexei Navalny
Em agosto de 2020, o líder da oposição russa Alexei Navalny foi levado às pressas para um hospital na Sibéria após passar mal num voo para Moscou. Seus assessores dizem que ele foi envenenado como vingança por suas campanhas anticorrupção. O ativista foi transferido em coma para a Alemanha dias depois, onde exames confirmaram o envenenamento com um agente neurotóxico do tipo Novichok.
Foto: Getty Images/AFP/K. Kudrayavtsev
Pyotr Verzilov
Em 2018, o ativista russo-canadense Pyotr Verzilov ficou em estado grave após ter sido supostamente envenenado em Moscou. Tudo aconteceu logo após ele ter dado uma entrevista na TV criticando o sistema jurídico russo. Verzilov, porta-voz não oficial da banda Pussy Riot, foi transferido para um hospital em Berlim, onde os médicos disseram ser "muito provável" que ele tenha sido envenenado.
Foto: picture-alliance/dpa/Tass/A. Novoderezhkin
Sergei Skripal
Também em 2018, Sergei Skripal, um ex-espião russo de 66 anos, foi encontrado inconsciente num banco do lado de fora de um shopping na cidade britânica de Salisbury após ser exposto ao agente nervoso Novichok. Na época, o porta-voz de Moscou, Dmitry Peskov, chamou a situação de "trágica" e disse que não tinha "informações sobre qual poderia ser a causa" do incidente. Skripal sobreviveu ao ataque.
Foto: picture-alliance/dpa/Tass
Kim Jong Nam
O meio-irmão do ditador norte-coreano, Kim Jong Un, foi morto em 13 de fevereiro de 2018 no aeroporto de Kuala Lumpur, depois que duas mulheres supostamente espalharam o agente químico nervoso VX em seu rosto. Num tribunal da Malásia, foi revelado que Kim Jong Nam carregava uma dúzia de frascos de antídoto para o agente nervoso mortal VX em sua mochila no momento do ataque.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Kambayashi
Alexander Litvinenko
O ex-espião russo Litvinenko trabalhou no Serviço de Segurança Federal (FSB), em Moscou, antes de desertar para o Reino Unido, onde escreveu dois livros cheios de acusações contra o FSB e Vladimir Putin. Ele adoeceu após se encontrar com dois ex-oficiais da KGB e morreu em novembro de 2006. Um inquérito descobriu que ele foi envenenado com polônio-210, que teriam colocaram em seu chá.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Kaptilkin
Viktor Kalashnikov
Em novembro de 2010, médicos do hospital Charité detectaram altos níveis de mercúrio num casal de dissidentes russos que trabalhava na capital alemã. Kalashnikov, um jornalista freelancer e ex-coronel da KGB, tinha 3,7 microgramas de mercúrio por litro de sangue, enquanto sua esposa tinha 56 microgramas. Um nível seguro é de 1-3 microgramas. Kalashnikov acusou Moscou de tê-los envenenado.
Foto: picture-alliance/dpa/RIA Novosti
Viktor Yushchenko
O líder da oposição ucraniana Yushchenko adoeceu em setembro de 2004 e foi diagnosticado com pancreatite aguda causada por uma infecção viral e substâncias químicas. A doença resultou em desfiguração facial, com marcas parecidas com a de varíola, inchaço e icterícia. Os médicos disseram que as mudanças em seu rosto foram causadas pela cloracne, que é resultado do envenenamento por dioxina.
Foto: Getty Images/AFP/M. Leodolter
Khaled Meshaal
Em 25 de setembro de 1997, a agência de inteligência de Israel tentou assassinar Khaled Meshaal, líder do Hamas, sob ordens do premiê Benjamin Netanyahu. Dois agentes espalharam uma substância venenosa no ouvido de Meshaal quando ele entrou nos escritórios do Hamas em Amã, na Jordânia. A tentativa de assassinato fracassou e, não muito depois, os dois agentes israelenses foram capturados.
Foto: Getty Images/AFP/A. Sazonov
Georgi Markov
Em 1978, o dissidente búlgaro Markov aguardava num ponto de ônibus após um turno na BBC quando sentiu uma pontada forte na coxa. Ele se virou e viu um homem segurando um guarda-chuva. Uma pequena saliência apareceu onde ele sentiu a pontada e quatro dias depois ele morreu. Uma autópsia descobriu que ele havia sido morto por um pequeno projétil contendo uma dose de 0,2 miligrama de ricina.
Foto: picture-alliance/dpa/epa/Stringer
Grigori Rasputin
Em dezembro de 1916, o curandeiro místico e espiritual Rasputin chegou ao Palácio Moika, em São Petersburgo, a convite do Príncipe Félix Yussupov. Lá, o princípe ofereceu a Rasputin bolos contaminados com cianeto de potássio, mas nada aconteceu. Yussupov então deu a ele vinho em taças com cianeto, mas Rasputin seguiu bebendo. Diante da ineficácia do veneno, Rasputin foi morto a balas.
Foto: picture-alliance/ IMAGNO/Austrian Archives
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Chacoalhada nas relações diplomáticas
Após o veredicto, a nova ministra alemã do Exterior, Annalena Baerbock, informou que sua pasta havia convocado o embaixador russo Sergei Nechayev e informado sobre a expulsão de dois diplomatas.
"Dissemos a ele que dois membros do pessoal da embaixada seriam declarados persona non grata", afirmou Baerbock.
A ministra também destacou que falou com seu homólogo russo, Sergey Lavrov, e ressaltou que Berlim "quer e precisa" ter um diálogo aberto e honesto com Moscou.
"Isso precisa ser baseado no direito internacional e no respeito mútuo", acrescentou.
Em 2019, alguns meses após o crime, Berlim já havia expulsado dois diplomatas russos por "não contribuírem" para o esclarecimento do caso.
Moscou criticou o veredicto desta quarta-feira e o classificou como "decisão política" alimentada por um "sentimento antirrusso generalizado". "Consideramos esse veredicto uma decisão tendenciosa e politicamente motivada que agrava seriamente as já difíceis relações russo-alemãs", disse Nechayev, em comunicado. Quanto à expulsão dos diplomatas, Moscou afirmou que "responderá "adequadamente".
O veredicto aumenta a pressão sobre o novo governo da Alemanha, que prometeu uma postura mais dura em relação à Rússia, e surge em meio a um crescente alarme no Ocidente sobre os movimentos de tropas russas ao longo da fronteira com a Ucrânia. Entre as ameaças alemãs está o aviso de que o novo governo não aprovará o polêmico gasoduto Nord Stream 2, caso Moscou prossiga com suas intenções militares na fronteira ucraniana.
Segundo a revista semanal alemã Der Spiegel, a nova ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, enfrenta agora "seu primeiro grande teste".
O local do assassinato – o parque Kleiner Tiergarten – fica a poucos quarteirões da sede da Chancelaria Federal alemã e dos edifícios do Bundestag, o Parlamento alemão. Logo após o ato, a Alemanha – ainda durante o governo de Angela Merkel, expulsou dois diplomatas russos em protesto contra a aparente falta de cooperação de Moscou com a investigação.
O julgamento de Krasikov abrangeu um período de relações particularmente turbulentos entre Berlim e Moscou atrelados a uma série de casos de espionagem, bem como o envenenamento e aprisionamento do notório crítico do Kremlin, Alexei Navalny. A Rússia nega todas as acusações.
pv (Reuters, AFP)
Dez filmes de espionagem que se passam na Alemanha
De James Bond a Ethan Hunt, muitos agentes secretos já passaram pela Alemanha — mesmo que virtualmente. Berlim parece ser a cidade ideal para diretores como Spielberg e Hitchcock gravarem seus thrillers.
Foto: 2014 Twentieth Century Fox
"Ponte dos Espiões"
Muitas partes do novo filme de Steven Spielberg foram filmadas em Berlim e nos seus arredores. A produção reconta a primeira de uma série de trocas de espiões que aconteceram na Ponte Glienicke, conhecida como a "Ponte dos Espiões" — daí o título do filme. Spielberg não é o primeiro cineasta a retratar agentes secretos na Alemanha. Veja a seguir mais exemplos.
Foto: 2014 Twentieth Century Fox
"Cinco dedos"
O filme ("Five fingers", 1952) dirigido por Joseph L. Mankiewicz fala sobre um agente secreto famoso durante a Segunda Guerra Mundial e que trabalhou para os nazistas — amplamente conhecido por seu codinome, Cícero. Apesar de outros filmes de espionagem serem gravados em locações, este foi rodado, principalmente, em estúdio.
Foto: picture-alliance/dpa/akg-Images
"Os espiões também amam"
Esse thriller da Alemanha Ocidental, originalmente intitulado "Spion für Deutschland" (1956), também retrata as ações de um agente secreto alemão durante a Segunda Guerra Mundial. Estrelado por Martin Held e Nadja Tiller, ele foi filmado em Berlim e nos Estados Unidos.
Foto: picture-alliance/dpa
"A guerra secreta"
Werner Klinger é um dos quatro cineastas que dirigiram esse antológico filme de espião ("The secret agents", 1965). O filme é composto por histórias dirigidas por um alemão, um francês, um italiano e um britânico. Filmado em Berlim, é estrelado por Henry Fonda e Robert Ryan.
Foto: picture-alliance/dpa/United Archives/IFTN
"Cortina rasgada"
Alfred Hitchcock filmou esse thriller de espionagem ("Torn curtain", 1966) em estúdio. No entanto, algumas cenas foram feitas em Berlim. A equipe de filmagem gravou na capital alemã e enviou as imagens para Hollywood, assim Hitchcock poderia usar o material em seu filme. O elenco inclui atores alemães, além de estrelas americanas, como Julie Andrews e Paul Newman.
Foto: picture-alliance/dpa/United Archives/IFTN
"007 contra Octopussy"
Uma grande parte do 13º filme ("Octopussy", 1983) do agente secreto mais popular da história do cinema, James Bond, foi gravada em Berlim. O agente 007, interpretado por Roger Moore, é visto no Checkpoint Charlie, em frente ao Muro e em uma cena de perseguição no antigo circuito de AVUS.
Foto: picture-alliance/dpa/ KPA
"O inocente"
Anthony Hopkins, Isabella Rossellini e Campbell Scott estrelam o filme ("The innocent", 1993). Ele é baseado na "Operação Ouro", que aconteceu durante a Guerra Fria quando agentes da CIA e do MI6 construíram um túnel sob o setor russo da capital alemã. A direção é de John Schlesinger.
Foto: picture-alliance/dpa/United Archives/IFTN
"Missão Impossível 3"
Para o terceiro filme da série "Missão Impossível", o diretor J.J. Abrams e o ator Tom Cruise queriam gravar, inicialmente, no Reichstag (o prédio do Parlamento alemão). Mas o governo não permitiu que eles gravassem no edifício — um conselho decidiu que ele não deveria ser usado em filmes comerciais. A equipe teve que construir os sets de filmagem no Babelsberg Studio, nos arredores de Berlim.
Foto: picture-alliance/dpa
"O segredo de Berlim"
O filme de Steven Soderbergh ("The good german", 2006) também demonstra como estúdios podem substituir locações reais. A história se passa na Berlim do pós-guerra, mas foi filmada em Los Angeles. No entanto, Soderbergh inseriu, na película em preto e branco, cenas de arquivo reais da então destruída cidade.
Foto: picture-alliance/dpa
"Jogo de espiões"
Este thriller de espionagem ("Spy game", 2001), estrelado por Robert Redford e Brad Pitt, também se passa em Berlim, mas não foi filmado na Alemanha. Locações em Budapeste foram usadas para reproduzir a capital alemã. Isso pode ser notado em algumas cenas, porque certo elementos da paisagem não existem de fato em Berlim.
Foto: picture-alliance/dpa
"O agente da U.N.C.L.E"
Misturando comédia, aventura e espionagem, o filme ("The man from U.N.C.L.E", 2015) dirigido por Guy Ritchie contém muitas cenas que se passam em Berlim na década de 1960. Henry Cavill interpreta um agente secreto americano competindo com um espião russo. O filme recria a atmosfera da Berlim dividida — ainda que tudo tenha sido feito por computador.
Foto: 2015 WARNER BROS. ENTERTAINMENT INC. AND RATPAC-DUNE ENTERTAINMENT LLC ALL RIGHTS RESERVED/Daniel Smith