Moscou afirma que tom e retórica dos EUA e Reino Unido são inadmissíveis e podem prejudicar relações bilaterais. Na ONU, potências criticaram duramente a participação da Rússia na guerra civil síria.
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A Rússia rechaçou nesta segunda-feira (26/09) as acusações feitas pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, no dia anterior, de que Moscou estaria piorando a carnificina na Síria, enquanto aviões russos e das forças do presidente Bashar al-Assad continuam bombardeando Aleppo.
"Consideramos o tom e a retórica dos representantes do Reino Unido e dos Estados Unidos inadmissíveis. Elas podem prejudicar e danificar as relações entre os nossos países e o processo de paz" na Síria, disse à imprensa o porta-voz da presidência russa, Dmitri Peskov.
No domingo, durante a reunião de emergência do Conselho de Segurança das Nações Unidas, Moscou e Damasco foram repetidamente condenados por suas operações na Síria.
Samantha Power, embaixadora dos EUA na ONU, afirmou: "O que a Rússia está patrocinando não é contraterrorismo, é barbárie". "Em vez de buscar a paz, Rússia e Assad fazem a guerra. Em vez de fazer com que ajuda essencial chegue aos civis, Rússia e Assad estão bombardeado comboios [humanitários], hospitais e socorristas que tentam desesperadamente manter as pessoas vivas."
Por sua vez, os ministros do Exterior francês e britânico acusaram Moscou de apoiar o regime de Assad na prática de crimes de guerra na Síria. "É difícil negar que a Rússia esteja numa parceria com o regime sírio para cometer crimes de guerra", disse o embaixador britânico na ONU, Matthew Rycroft.
Nesta segunda-feira, Peskov caracterizou a situação na Síria como "extraordinariamente complicada" e voltou a acusar os rebeldes de usarem o cessar-fogo – intermediado pelos EUA e Rússia e fracassado na semana passada – para "se reagrupar e renovar o seu arsenal" para novas ofensivas.
O porta-voz destacou que, apesar de os termos do cessar-fogo serem "pouco eficazes", Moscou "não perdeu a esperança nem a vontade política" de dar continuidade ao processo de paz na Síria. "Até agora, tem sido difícil", alegou Peskov.
Na quinta-feira passada, o Exército sírio anunciou uma operação para expulsar os rebeldes da parte oriental de Aleppo. Segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos, ao menos 124 pessoas, a maioria civis, foram mortas em bombardeios sírios e russos desde então.
Antes da reunião do Conselho de Segurança da ONU, o secretário-geral da entidade, Ban Ki-moon, condenou o que chamou de "o mais contínuo e intenso bombardeio desde o início do conflito na Síria [em 2012]". Ban pediu que as potências mundiais "trabalhem com mais afinco para pôr fim ao pesadelo". Em cinco anos, a guerra já deixou mais de 300 mil mortos e milhões de deslocados.
EK/afp/efe/lusa
A guerra civil na Síria antes do EI
O "Estado Islâmico" inflamou o debate sobre como pôr fim à guerra civil síria. Contudo o grupo só emergiu mais tarde no conflito. Confira alguns momentos dessa guerra que abriram espaço para o avanço dos jihadistas.
Foto: AP
Março de 2011
Enquanto regimes ruem por todo o Oriente Médio, dezenas de milhares de sírios vão às ruas para protestar contra a corrupção, o desemprego elevado e a alta dos preços dos alimentos. O governo da Síria responde com armas de fogo. Até maio, cerca de 400 vidas são ceifadas.
Foto: dapd
Maio de 2011
Sob insistência dos países ocidentais, o Conselho de Segurança da ONU condena a repressão violenta. Nos meses seguintes, os Estados Unidos e a União Europeia impõem embargo de armas, recusa de vistos e congelamento de bens. Com apoio da Liga Árabe, aumenta a pressão para a saída do presidente sírio Bashar al-Assad – embora sem o aval de todos os países-membros da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Szenes
Agosto de 2011
Em 1970 um golpe pusera Hafez al-Assad no poder. Após sua morte, em 2000, o filho Bashar (à dir.) assume a liderança. De início tido como reformista, ele perde apoio ao manter o estado de emergência que há décadas restringe as liberdades políticas, permitindo vigilância e interrogatórios. Assad tem respaldo da Rússia, que lhe fornece armas e repetidamente veta as resoluções da ONU sobre a Síria.
Foto: picture-alliance/dpa/Stringer/Ap/Pool
Dezembro de 2011
A ONU e outras organizações têm provas de violação dos direitos humanos na Síria. Civis e militares desertores começam a se organizar lentamente para combater as forças do governo, que vêm atacando os dissidentes. Até o fim de 2011, essa luta causa mais de 5 mil mortes. Mesmo assim, ainda transcorrem seis meses até a ONU reconhecer que o país está em guerra.
Foto: Reuters/Goran Tomasevic
Setembro de 2012
O Irã finalmente confirma que tem combatentes em solo sírio, fato que Damasco negava há tempos. A presença de tropas aliadas acentua a hesitação dos Estados Unidos e de outras potências ocidentais em intervir no conflito. Os EUA, marcados pelas intervenções fracassadas no Afeganistão e no Iraque, propõem o diálogo como única solução sensata.
Foto: AP
Março de 2013
As mortes beiram 100 mil, e o total de refugiados em países vizinhos como a Turquia e a Jordânia atinge 1 milhão – número que duplicaria até setembro. Em dois anos de guerra, o Ocidente e a Liga Árabe veem fracassar todas as tentativas de um governo de transição, enquanto o conflito transborda para a Turquia e o Líbano. O pior temor é de que Assad se mantenha no poder a todo custo.
Foto: Reuters/B. Khabieh
Abril de 2013
Há muito Assad alega estar combatendo terroristas. Mas só no segundo ano de guerra se confirma que o Exército Livre Sírio inclui extremistas radicais. O grupo Frente al-Nusra declara apoio à Al Qaeda, fragmentando ainda mais a oposição.
Foto: Reuters/A. Abdullah
Junho de 2013
A Casa Branca afirma ter provas de que Assad está atacando civis com o gás tóxico sarin. Mais tarde a informação é corroborada pela ONU. A partir da revelação, o presidente dos EUA, Barack Obama, e outros líderes ocidentais passam a considerar uma intervenção militar. No entanto a proposta da Rússia para que se retirem as armas químicas da Síria acaba por se impor.
Foto: Reuters
Janeiro de 2014
Ao fim de 2013 surgem relatos sobre um novo grupo autodenominado Estado Islâmico do Iraque e do Levante – o futuro EI. Ao tomar terras no norte da Síria e também no Iraque, os jihadistas despertam lutas internas na oposição, causando 500 mortes até o início de janeiro. Esse terceiro e inesperado fator levaria os EUA, França, Arábia Saudita e outras nações à intervir na guerra em meados do ano.