Rússia & Ocidente
19 de novembro de 2010A Rússia está se reaproximando dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), ao mesmo tempo em que consolida sua parceria com a China. A fim de assegurar seus interesses nacionais, Moscou tem que conquistar equilíbrio em suas relações com Ocidente e Oriente.
Enquanto Vladimir Putin exerceu a presidência da Rússia, o país – beneficiado pelo surto das exportações de petróleo e gás – priorizou unilateralmente seus interesses nacionais. Nesse processo, a relação da Rússia com o Ocidente deteriorou consideravelmente, atingindo uma baixa histórica.
No entanto, quando a crise econômica afetou todo o mundo e o preço dos combustíveis caiu, o rápido crescimento da Rússia até então se estagnou.
Após Dimitri Medvedev ter assumido a presidência, em 2008, Moscou tentou reaquecer a economia russa por meio das chamadas "alianças de modernização" com os Estados Unidos e a União Europeia. Ao mesmo tempo, o país rico em petróleo começou a consolidar sua "parceria estratégica" com a China, onde a demanda de combustível aumenta cada vez mais. Ao priorizar o interesse nacional por modernização e crescimento, a Rússia sabia que precisaria tanto do Ocidente como da China.
Relação de amor e ódio
A relação de Moscou com o Ocidente tem uma longa história de ambivalências. Culturalmente ligada à Europa, mas também influenciada pela Ásia, a Rússia oscila entre dois mundos.
"Os russos se veem mais como parte da civilização ocidental", comenta Andrew Kuchins, diretor do Programa Rússia e Eurásia do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, sediado em Washington. Em entrevista à Deutsche Welle, Kuchins lembrou que a Rússia é euro-asiática, "uma potência nas fronteiras da Europa e do Oceano Pacífico. Mas a maior parte da população se concentra na Rússia europeia".
Com o colapso da União Soviética, Moscou parecia ter dado um passo no sentido de se aproximar definitivamente do Ocidente. O presidente Boris Ieltsin implementou uma série de reformas radicais para harmonizar o sistema político-econômico do país com o dos antigos adversários da Guerra Fria.
No entanto, quando a União Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) começaram a se expandir com rapidez no antigo bloco soviético, a Rússia se sentiu marginalizada nos territórios vizinhos anteriormente pertencentes à sua zona de influência. Após assumir o governo da Rússia, Vladimir Putin tentou então estabilizar o país, aproveitando as crescentes exportações de petróleo e gás, e reconquistar seu poder sobre os antigos Estados soviéticos.
Essa trajetória gerou tensões entre o Ocidente e a Rússia. Em 2008, o conflito incipiente eclodiu no sul do Cáucaso, quando a Rússia atacou a Geórgia, uma antiga república soviética interessada na aproximação com o Ocidente. Ao reagir ao conflito, a Otan assegurou cooperação com Moscou, mas – de acordo com Dimitri Trenin, diretor do Carnegie Moscow Center, sediado em Washington, o Ocidente também exerceu um papel central nessa disputa.
"A melhoria das relações depende de todos os envolvidos", lembrou Trenin, em entrevista à Deutsche Welle. "A política do Ocidente, que passou a incluir alguns países em instituições internacionais e excluir outros, como a Rússia, mas também a Geórgia e a Ucrânia, implica grandes riscos. Essa política foi responsável pela guerra entre a Rússia e a Geórgia".
Tentando um recomeço
Após a mudança de poder em Moscou e Washington, os novos chefes de governo viabilizaram uma nova base de relação entre a Rússia e o Ocidente. Os presidentes Barack Obama e Dimitri Medvedev vislumbraram uma oportunidade de intensificar a cooperação, em vez do confronto.
"O presidente Medvedev sabe que a modernização da economia e da sociedade russas não pode ser implementada sem a cooperação com o Ocidente", comentou Alexander Rahr, diretor do Programa Rússia e Eurásia da representação alemã da ONG Conselho de Relações Exteriores.
Na visão de Rahr, o presidente Obama não pretendia praticar uma política de isolamento da Rússia. "Ele precisa da Rússia para combater o terrorismo internacional no Afeganistão e no Iraque e necessita do apoio de Moscou para conter o programa nuclear do Irã", lembrou em declaração à Deutsche Welle.
Mesmo após o alinhamento dos interesses russos e ocidentais, ambas as partes ainda têm que se esforçar para sair de uma política "toma-lá-dá-cá" e construir uma parceria de segurança mais estável. Um passo nesse sentido foi a iniciativa da Otan de convidar a Rússia para participar da criação do sistema antimíssil internacional, a se estender de Vancouver a Vladivostok.
"A Rússia e outros países europeus e na América do Norte precisam trabalhar no sentido de uma comunidade de segurança euro-atlântica", declarou Trenin. "Não se trata de criar alianças, de incluir a Rússia na Otan, mas sim de renovar as relações de Moscou com a Otan, a ponto de eliminar as guerras como instrumento político no espaço euro-atlântico", explicou.
Horizonte oriental
No entanto, uma comunidade de segurança euro-atlântica não é a única meta de Moscou. A Rússia também está empenhada numa parceria estratégica com a China. "A China só fica atrás dos EUA no grupo de países centrais para a estratégia política russa", confirmou Trenin.
Um crescimento econômico meteórico tornou a China o maior consumidor de energia do mundo. A Rússia, por sua vez, é uma das maiores produtoras de petróleo, sendo portanto capaz de abastecer a economia chinesa.
O primeiro oleoduto ligando poços de petróleo russos a refinarias chinesas foi finalizado em setembro passado, transportando combustível do leste da Sibéria até o nordeste da China.
Além disso, Moscou e Pequim começaram a trabalhar em conjunto dentro da Organização de Cooperação de Xangai. Fundada em 2001 pelas lideranças da China e de alguns Estados que fizeram parte da União Soviética, a organização visa a combater ameaças como o separatismo, o terrorismo e o extremismo.
Quanto à política internacional, a Rússia e a China têm posturas semelhantes. Ambas priorizam a soberania e os interesses nacionais em detrimento de valores liberais, como a democracia e os direitos humanos.
De qualquer forma, analogamente aos laços com o Ocidente, as relações da Rússia com a China são marcadas por divergências e desafios. "Apesar de toda a retórica positiva da Rússia e da China, sempre houve certo grau de tensão entre os dois países", lembra Kuchins. Sobretudo o rápido crescimento econômico da China deixou os russos nervosos, comenta.
Segundo Kuchins, "o impacto da crise econômica acabou acelerando essa tendência, fazendo todos se perguntar até que ponto o crescimento do poder chinês é bom para os interesses russos".
Independência ou isolamento?
Ao mesmo tempo em que se empenha por parcerias com o Ocidente e com a China, a Rússia também quer manter seu status como potência independente. Moscou construiu uma rede de instituições para manter os antigos Estados soviéticos dentro de sua esfera de influência. A Comunidade dos Estados Independentes, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva e a Comunidade Econômica Euro-asiática poderão servir de pilares para a integração regional.
"O problema é que a Rússia gostaria de ser essa superpotência, ao lado do Ocidente e da China", analisa Kuchins. "No entanto, a realidade mostra que esse não é o caso. Isso possivelmente força os russos a tomarem decisões difíceis para defender sua independência na política externa."
A Rússia precisa do Ocidente para a modernização econômica e a China oferece um lucrativo mercado consumidor de energia. No entanto, se a Rússia pender demais para um dos lados, ou exagerar em sua meta de independência, ameaça cair em isolamento.
Como uma potência euro-asiática, a Rússia não tem outra opção a não ser equilibrar suas relações com o Oriente e o Ocidente. "Temos que nos preparar para essa ambivalência da Rússia em suas relações com a Europa e a Ásia", diz Rahr. "Mesmo que não haja uma integração, a perspectiva é de que a Rússia intensifique sua cooperação com os países europeus e asiáticos".
Autor: Spencer Kimball (sl)
Revisão: Roselaine Wandscheer