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Rússia usa sequestros para intimidar moradores da Ucrânia

Roman Goncharenko
2 de abril de 2022

Há semanas, centenas de milhares de ucranianos passaram a conviver com a ocupação russa. Sequestros estão na ordem do dia como meio de exercer pressão e forçar cooperação. Políticos e jornalistas são os principais alvos.

Pessoas num protesto empunhando bandeiras da Ucrânia e cartazes
Protestos pró-Ucrânia em Melitopol em março de 2022Foto: Deputy Head For President's Office, Ukraine/REUTERS

As tropas russas conseguiram avançar rapidamente no sul da Ucrânia desde a invasão do país no final de fevereiro. Em Melitopol, por exemplo, os ocupantes estabeleceram a prática de prender prefeitos, os substituir por políticos locais pró-Rússia e perseguem ativistas pró-Ucrânia, incluindo jornalistas. Há relatos de prisões, muitos falam de sequestros. Os ocupantes oferecem cooperação − e prendem parentes para usá-los como pressão. A DW falou com pessoas afetadas.

Svitlana Salisetska: pai doente preso no porão

Melitopol é uma pequena cidade na região de Zaporíjia, que fica na península da Crimeia, anexada pela Rússia. A cidade foi capturada pelas tropas russas praticamente sem luta nos primeiros dias da guerra. O prefeito, Ivan Fedoriv, foi sequestrado e após alguns dias foi trocado pelo governo de Kiev por prisioneiros de guerra russos. Halyna Danylchenko, uma deputada local do partido pró-russo Bloco de Oposição, declarou-se prefeita interina.

Svitlana Salisetska é a chefe e proprietária de uma agência de notícias local em Melitopol. Ao telefone, Salisetska  disse que Danylchenko havia oferecido a cooperação com os ocupantes, mas ela rejeitou e deixou a cidade. Seus pais, de saúde precária, ficaram: "Eles disseram que nada nos aconteceria". Um erro, como acabou se revelando. "No dia 23 de março às 7 horas da manhã, três ou quatro ocupantes vieram à minha casa. Um estava em roupas civis, os outros usavam uniformes militares russos e carregavam metralhadoras. Eles revistaram a casa, colocaram meu pai no carro e o levaram para um lugar desconhecido".

Svitlana (dir.) e seu paiFoto: privat

Nessa mesma noite, Salisetska recebeu um telefonema de um homem com sotaque caucasiano que se dirigiu a ela citando-a pelo nome. Ela logo ouviu a voz do pai, de 75 anos, que disse estar "em algum lugar em uma adega", relata Salisetska. Ao narrar o caso, ela luta com as lágrimas. O desconhecido disse à jornalista que ela deveria retornar a Melitopol para ficar com o pai. Salisetska disse que não, e a chamada foi cortada. Após alguns dias, ela conseguiu falar com o pai pelo telefone novamente. Não lhe havia acontecido nada e ele fora libertado. Antes disso, Salisetska havia concordado em entregar seu meio de comunicação a terceiros. No Facebook, ela escreveu que não havia concordado em "colaborar com os ocupantes".

Tetiana Kumok: comícios pelo Instagram

Por volta da mesma época em Melitopol, a família da estilista Tetiana Kumok também teve uma experiência com os ocupantes russos. O pai dela era coproprietário de uma empresa de mídia local. Sua família e três jornalistas foram presos no final de março e interrogados durante horas.

"O objetivo era forçar a cooperação para que o jornal trabalhasse para as forças de ocupação, minha mãe e eu éramos reféns", lembra Kumok. No final, diz ela, eles a fizeram assinar uma declaração de que ela não havia sido espancada. "É verdade, foi assim", diz a jovem mulher. Seu pai se recusou a cooperar com os ocupantes e fechou o jornal, que já estava em situação difícil, e o site na internet.

Tatiana KumokFoto: Facebook

Nem todos são tratados como a família Kumok. "Muitas pessoas são raptadas todos os dias. De alguns, não se tem notícia há dez dias", diz Tetiana. Inicialmente, diz ela, havia comícios pró-Ucrânia na cidade todos os dias, com a participação de milhares de cidadãos. "Após o sequestro do prefeito, os comícios foram interrompidos. Mesmo os transeuntes comuns foram presos, os jovens foram espancados", diz Kumok.

"É perigoso estar nas ruas. É por isso que agora as pessoas estão se manifestando no Instagram. Os cidadãos escrevem que não querem pertencer à Rússia e que Melitopol é ucraniana". Em 2014, cerca da metade dos habitantes da cidade era pró-russos, mas esta guerra virou o clima: "Não vi uma única vez que os soldados russos tenham sido recebidos aqui com flores."

"Ocupantes "não por muito tempo"

Oleh BaturinFoto: facebook.com/Oleh Baturin

Isto é exatamente o que as tropas russas aparentemente esperavam, diz Oleh Baturyn, um jornalista de Kakhovka, cidade a oeste de Melitopol. Ela também foi ocupada nos primeiros dias da guerra. "Os russos aparentemente esperavam ser recebidos com flores. Eles estão muito irritados com os protestos e veem insurgentes nos cidadãos". Ele disse que sentiu que os ocupantes "não estão aqui por muito tempo, estão saqueando e se preparando para destruir tudo no caso de se retirarem".

Baturyn diz que também foi sequestrado por oito dias. Um conhecido o havia chamado e solicitado uma encontro, em que pessoas uniformizadas o levaram em uma van para uma delegacia. Não havia nenhuma acusação contra ele. "Nos primeiros interrogatórios, estavam presentes colaboradores locais, bem como russos", diz Baturyn. Ele acredita que alguém de seu círculo de conhecidos queria vingar-se dele.

"No início, eu pensava que era isso. Havia ameaças e violência, eu continuava ouvindo tiros e outras pessoas sendo interrogadas." Depois disso, não houve mais violência, apenas pressão psicológica. Ele disse ter sido interrogado sobre organizadores de comícios pró-Ucrânia. "Um dia, simplesmente nos levaram para casa", diz Baturyn. Não lhe foi oferecida nenhuma cooperação como jornalista. O website de seu jornal já havia sido fechado no início de março.

 

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