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MigraçãoBrasil

Radicado na França, chef sonha com Brasil do passado

27 de dezembro de 2021

Há dez anos Tiago Barbosa saiu de Salvador para estudar numa prestigiada escola francesa de gastronomia. Hoje tem três sorveterias em Lyon. Apesar da qualidade de vida, afirma que não quer se tornar um idoso na Europa.

O brasileiro Tiago Barbosa com a esposa e colega de trabalho Julia, em uma de suas sorveterias em Lyon
Tiago Barbosa com a esposa e colega de trabalho Julia, em uma de suas sorveterias em LyonFoto: Privat

Tiago Barbosa diz que tem orgulho do sotaque. Faz questão. Enfatiza. Quer sempre ser um brasileiro que fala francês. E, imigrante, conseguiu espaço em um nicho em que os franceses costumam ser hors concours: a gastronomia.

Goiano de São Luís de Montes Belos, criado em Salvador, filho de bem-sucedidos empresários do ramo de vestuário, empolgou-se com a ideia de ser chef de cozinha quando o Brasil vivia um boom do setor, nos anos 2000.

"Em 2009 eu já tinha uma faculdade de administração no bolso, trabalhava com meus pais na administração das lojas de roupas e sapatos deles. Mas a gastronomia estava explodindo no Brasil, e eu queria sair desse círculo vicioso de 'trabalhar com os pais'", recorda.

Começou então uma nova graduação na área. "E resolvi investir meu tempo na parada dos restaurantes", diz. Entre um trabalho e outro, determinou o foco: queria uma formação internacional.

Em março de 2022 vai fazer dez anos que ele chegou à França para estudar no prestigiado Institut Paul Bocuse, na pequena cidade de Écully. Arranhava pouco o francês e trazia o dinheiro da venda de um carro, além da promessa de ajuda do pai para pagar a escola.

Era para ser uma temporada europeia com prazo de validade. "Queria ficar dois anos e meio, que era o tempo do curso. Mais uns seis meses de estágio", conta. "Então voltaria ao Brasil para montar um restaurante."

Barbosa diz que a adaptação à França não foi fácil. Tinha o frio e não tinha a praia. Na falta de um amigo que falasse português, aproximou-se de colegas latino-americanos — e o portunhol se tornou a língua afetiva. Dentre os 26 alunos de sua turma, eram 16 nacionalidades. Do Brasil, tinha ele e mais uma. Havia ainda um boliviano, um paraguaio e um venezuelano.

A decisão de ficar mais

Em seu segundo ano de França, a crise econômica brasileira afetou os negócios de sua família. "Meu pai não teve mais como ajudar [nas despesas] e eu comecei a trabalhar feito louco, à noite e aos fins de semana, em restaurantes da região. Com o pouco que eu ganhava conseguia pagar a escola e sobreviver", diz.

A rotina puxada, na verdade, serviu como intenso aprendizado. Ao fim do segundo ano de curso, ele candidatou-se para um estágio na China. E foi lá, em Xangai, que decidiu: não retornaria ao Brasil tão logo assim, como antes havia planejado.

"Eu me dei conta que não sabia se queria viver o perrengue de abrir restaurante no Brasil. Isso é profissão difícil em todo lugar, no Brasil acho que é dez vezes pior", comenta.

A essa altura, já estava apaixonado por uma francesa, também aluna do mesmo instituto. Julia, o nome da moça. Quando ele estava na China, ela foi para a Austrália, e, ao retornarem, o que seria reencontro virou proposta de novo afastamento: Julia recebeu um convite para ser chef de uma sorveteria em Mônaco.

O namoro prosseguiu aos fins de semana, a distância não era tanta assim. "No verão, ela falou que precisava de ajuda e que havia espaço se eu quisesse passar a estação trabalhando lá", recorda.

Um chef sorveteiro

Barbosa conta que detestou a vida no principado. "Mas adorei ter descoberto esse novo métier: fazer sorvete não deixa o profissional tão preso aos horários, dá uma liberdade maior. Você pode produzir de manhã e voltar ao trabalho à tarde… Você volta a ser mestre do seu tempo", explica.

As coisas deram certo. O casal se entendeu trabalhando junto. E se entendeu morando junto.

Em 2016 os dois começaram a não se entender mais com o dono da sorveteria. E passaram a vislumbrar abrir o próprio negócio. Não em Mônaco. Talvez não na França. Cogitaram Portugal, cogitaram o Brasil.

"Meu pai desaconselhou a volta. Julia queria, ela adora o Brasil, talvez seja mais brasileira do que eu. Mas meu pai disse que estava tudo muito caótico, que não era o momento de empreender lá", recorda.

A essa altura já estavam casados, em uma cerimônia realizada na ilha da Córsega, terra da família da noiva. E o pai dela topou ajudar no negócio — com a condição de que fosse, sim, na Europa. "Então escolhemos Lyon", resume Barbosa.

A sorveteria abriu as portas em agosto de 2017. "Lyon é uma cidade satélite da escola [de Bocuse], então é a cidade da gastronomia. Temos uma rede de contatos muito grande. E as pessoas confiam", diz ele. "O pontapé inicial foi ótimo. No primeiro dia, servimos dez clientes. Um mês e meio depois, estávamos atendendo 300 por dia."

Um frisson. E o sucesso prosseguiu. Aos 33 anos, Barbosa abriu em 2021 a terceira unidade, também em Lyon — enquanto as duas primeiras são sorveterias, esta tem uma pegada mais doceria.

As cores da saudade

Se hoje ele é um dos 81.400 brasileiros que residem na França — o que deixa o país, segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, na décima colocação dentre os que mais recebem nascidos no Brasil —, seu desejo é que a emigração não seja definitiva. Ou, pelo menos, que não seja integral.

"Eu não quero me tornar idoso aqui na França. Quero poder ficar velho no Brasil", sonha. "Tenho saudades da praia de Salvador, da vida que não é levada tão a sério…"

O casal cogita também um meio-termo: se agora ficam um mês por ano em Salvador, de férias, que tal estender isso para dois, três, até seis meses? "Em algum momento, talvez quando tivermos filhos e quisermos que eles também se adaptem ao Brasil…", vislumbra ele, imaginando uma vida só de verões, o escaldante da Bahia seguido daquele dos sorvetes franceses.

Mas ele admite que gosta da vida em Lyon. "Moramos no centro, estamos a três minutos de uma loja, a cinco da outra, a cinco da terceira. Não temos carro, e isso não faz falta. Tiramos férias duas vezes por ano, jantamos em restaurantes duas vezes por semana, acabamos de comprar um apartamento, e isso não foi problema."

"No Brasil, para ter esse nível de conforto que a gente tem aqui seria preciso ganhar muita grana", resigna-se.

Mas aí teve a ilustração da Magali tomando sorvete de melancia na primeira unidade da sorveteria. E, também ali, a ideia de uma parede homenageando o Senhor do Bonfim. E a bandeira do Brasil, enorme, na sala de casa. "Bem grande, de 1,80 metro de comprimento. Fica na parede. A Julia acha brega", conta.

Para Barbosa, verde e amarelo são os tons da saudade. Do passado. Talvez do futuro? "O grande xis da questão", diz ele, pausadamente, como quem saboreia um sorvete enquanto reflete. "É que aquele Brasil que eu deixei dez anos atrás não é o Brasil que existe hoje."

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