Raoni e filha de Chico Mendes criam aliança contra Bolsonaro
16 de janeiro de 2020
Em encontro com lideranças indígenas no Mato Grosso, cacique pede união "para defender nosso povo, nossa causa, nossa terra". "Não aceito mineração e madeireira na terra indígena", afirma o líder caiapó.
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O cacique caiapó Raoni, diversas outras lideranças indígenas e Ângela Mendes, filha do líder seringueiro Chico Mendes, lançaram nesta quarta-feira (16/01) uma aliança para se contrapor ao que consideram retrocessos impostos pelas políticas ambientais e indígenas do governo Jair Bolsonaro.
Centenas de membros de várias etnias se reuniram na terra indígena Capoto-Jarina, localizada no Mato Grosso, na região do Xingu, para o encontro promovido pelo Instituto Raoni. O objetivo é discutir maneiras de resistir a medidas tomadas por Bolsonaro para enfraquecer a proteção ao meio ambiente e aos povos indígenas.
No início deste mês, o governo finalizou a minuta de um projeto para permitir a exploração de terras indígenas para atividades como mineração, construção de usinas hidrelétricas, pecuária, extrativismo, exploração de petróleo e gás, entre outras.
Bolsonaro chegou a afirmar que os indígenas possuem terras demais e diz querer tirar essas comunidades da pobreza. O presidente também já fez várias críticas a Raoni, afirmando que ele não representa os demais comunidades indígenas do país.
Em resposta, o cacique caiapó convocou a reunião, que deve resultar numa carta aberta que será enviada ao Ministério Público e ao Congresso Nacional. A líder indígena Sônia Guajajara também estão presentes no encontro, que se encerra nesta sexta-feira.
Raoni e filha de Chico Mendes se unem contra Bolsonaro
01:21
"Esse encontro não é para planejar uma guerra, um conflito. Estamos aqui para defender nosso povo, nossa causa, nossa terra. Eu quero pedir mais uma vez que o homem branco nos deixe viver em paz, sem conflito, sem problema", disse Raoni em coletiva de imprensa. "Estamos reunidos aqui para nos defender. Não aceito, não aceito conflito. Nem conflito entre nós", afirmou.
"Quero falar para Bolsonaro: veja se faça coisas bonitas, veja se faça as coisas direito. Ajude seu povo. Ajude o povo indígena. Você vem fazendo as coisas querendo destruir. Você mesmo não está respeitando o seu povo. Você não está respeitando meu povo indígena. Vê se me escuta. Vê se minha voz chega a você, para você respeitar seu povo e o povo indígena. Não gosto de você prejudicar o povo indígena e seu povo", disse o cacique.
"Ele tem falado muita coisa com que eu não concordo e está fazendo divisão entre nós. Isso que ele está falando e fazendo eu não aceito", reiterou. "Eu não aceito mineração na terra indígena. Eu não aceito madeireira na terra indígena."
Ângela Mendes afirmou que a ideia é formar um pacto semelhante à Aliança dos Povos da Floresta, uma iniciativa lançada por seu pai, assassinado em 1988, nos anos 1980 para defender as comunidades indígenas e os seringueiros. Ela disse, no entanto, que o cenário atual é mais preocupante do que o de 30 anos atrás.
Ela ressaltou a necessidade de unir forças para resistir. "Eles têm o poder e a autoridade do Estado a favor deles, mas nós temos uns aos outros e a força das águas, das florestas e dos nossos ancestrais", afirmou, citada pelo jornal Folha de S. Paulo.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) afirmou através de nota que o encontro não está "alinhado à política institucional" do órgão e diz que não apoia iniciativas "alheias ao projeto governamental" da fundação.
Criado em 1961 por decreto presidencial, ele está localizado no norte de Mato Grosso e, atualmente, é casa de 16 etnias. A principal via de ligação entre as aldeias é o rio Xingu.
Foto: DW/N. Pontes
Convívio com o rio Xingu
O Parque Indígena do Xingu foi a primeira área demarcada no país. Com cerca de 27 mil quilômetros quadrados, atualmente é casa de 16 etnias: aweti, ikpeng, kaiabi, kalapalo, kamaiurá, kĩsêdjê, kuikuro, matipu, mehinako, nahukuá, naruvotu, wauja, tapayuna, trumai, yudja, yawalapiti. O rio Xingu, onde os indígenas pescam, tomam banho e lavam roupas, é a principal via de ligação entre as aldeias.
Foto: DW/N. Pontes
Terra demarcada
Criado em 1961 por decreto presidencial como Parque Nacional do Xingu, a área incide sobre 10 municípios do norte de Mato Grosso. Embora os principais idealizadores tenham sido os irmãos Villas Bôas, o projeto foi escrito pelo antropólogo Darcy Ribeiro. As primeiras expedições datam de meados de 1880, comandadas pelo etnólogo alemão Karl von den Steinen. Hoje é chamado de Parque Indígena do Xingu.
Foto: DW/N. Pontes
Esforço logístico na floresta
O acesso a maior parte das aldeias do Xingu é feito por meio de barco. Existem poucas estradas que levam à área. Uma delas sai da cidade de Canarana (MT) e vai até a aldeia Kalapalo, num percurso de 250 km de estrada de terra. Para os indígenas, o transporte é difícil e caro: para cada viagem de barco é preciso calcular a quantidade de combustível necessária, que é trazido em galões da cidade.
Foto: DW/N. Pontes
Diaurum: o início do Parque
Os pés de manga foram plantados por Claudio Villas Bôas quando a aldeia Diauarum começou a ser formada (foto). Ela foi o segundo ponto de apoio com serviços do governo, como escola. Susana Grillo, a primeira professora a dar aula para crianças no território, entre 1975 e 1978, disse à DW Brasil que, na década de 1990, a aldeia foi o primeiro centro de formação de professores indígenas.
Foto: DW/N. Pontes
Cultura forte do povo kaiabi
Os kaiabi que fundaram a aldeia Ilha Grande, médio Xingu, foram trazidos da região do rio Teles Pires, onde sofriam com a invasão de empresas seringalistas. Atualmente, 250 pessoas moram na aldeia, que conta com posto de saúde e escola até o quarto ano fundamental. Na foto, cacique Sinharo se prepara para uma apresentação cultural com mulheres kaiabi.
Foto: DW/N. Pontes
Agricultura de subsistência
Nas aldeias do Xingu, cada família tem sua roça para subsistência. Na Ilha Grande, os indígenas cultivam batata, vários tipos de mandioca, cará, inhame, batata doce, milho, banana, abacaxi e amendoim (foto). A mandioca é muito usada para produzir farinha, beijus e mingaus. Alguns alimentos vêm da cidade, como sal e arroz.
Foto: DW/N. Pontes
Cacica Mapulu Kamayurá
Cacica Mapulu Kamayurá é uma das lideranças femininas mais antigas no Xingu. Detentora de conhecimentos ancestrais, ela recorre à medicina tradicional indígena para cuidar dos moradores. Na foto, ela conta a outras mulheres as suas principais preocupações: ameaça da perda de terra e desmatamento. Ela ganhou, em 2018, o Prêmio de Direitos Humanos, do ministério que hoje é gerido por Damares Alves.
Foto: DW/N. Pontes
Floresta preservada às margens do Xingu
O Parque do Xingu é marcado por grande biodiversidade e fica numa região de transição ecológica, com cerrados, campos, florestas de várzea, florestas de terra firme e florestas em Terras Pretas Arqueológicas. Entre duas usinas hidrelétricas, Paranatinga 2 e Belo Monte, os indígenas dizem sofrer com a queda do número de peixes. O tucunaré, um dos mais consumidos, está mais difícil de ser fisgado.
Foto: DW/N. Pontes
Fundo Amazônia no Xingu
Diversos projetos de desenvolvimento sustentável e preservação da floresta têm o apoiao de recursos do Fundo Amazônia no parque. Um deles é a Rede de Sementes do Xingu, que oferece sementes nativas para plantios de restauração, unindo comunidades indígenas, pesquisadores, organizações governamentais e não governamentais, prefeituras, movimentos sociais, agricultores familiares e produtores rurais.
Foto: DW/N. Pontes
Desmatamento e soja
No entorno do Parque Indígena do Xingu, fazendas de grãos dominam o espaço. Mato Grosso é o maior exportador de soja do país. Estima-se que 66% das florestas nas proximidades foram desmatadas para dar lugar a grandes lavouras nos últimos 30 anos. O uso de agrotóxicos, secas e fogo descontrolado estão entre os principais impactos relatados pelos indígenas com essa mudança na paisagem.