Motim na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, próximo a Natal, teria sido motivado por briga de facções criminosas. Após as numerosas vítimas de Manaus e Roraima, mais um capítulo violento da crise carcerária no país.
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Segundo dados do governo do Rio Grande do Norte, 26 pessoas morreram na rebelião na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, na região metropolitana de Natal, neste sábado (14/01). O motim começou por volta das 17h (horário local, 18h em Brasília), segundo o governo, e terminou apenas na manhã deste domingo, após 14 horas, com a entrada da polícia militar.
A rebelião na maior prisão do Rio Grande do Norte marca mais um capítulo da crise penitenciária no país. Desde o início do ano, houve uma série de motins com mortes, o mais grave deles em 1º de janeiro, quando 56 pessoas morreram no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus.
"É a maior rebelião em número de mortos, mas não vamos superar Roraima", afirmou o secretário de Justiça e Cidadania do Rio Grande do Norte, Walber Virgolino, em referência ao massacre do dia 7 em Boa Vista, que deixou 33 mortos.
Segundo as autoridades, o motim na penitenciária de Alcaçuz se restringiu aos pavilhões 4 e 5. Há relatos de presos decapitados. A pedido do governo estadual, a Força Nacional também foi para o local, permanecendo nas imediações do presídio.
Em entrevista coletiva, Virgolino afirmou que seis presos que comandaram a rebelião foram identificados. Eles seriam pertencentes à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
Segundo o secretário, havia armas dentro do presídio, apesar de, durante a semana, a polícia ter feito quatro operações na penitenciária e apreendido armamento com os detentos.
Presos cortaram eletricidade
Durante a rebelião, segundo o secretário, os presos cortaram fios de eletricidade. Como houve queda de energia, os bloqueadores de sinal de celular pararam de funcionar, e os detentos puderam alertar as famílias.
Um detento conseguiu fugir durante o motim, mas foi preso novamente. Foi ele que teria avisado sobre o número de mortos. O secretário afirmou que a situação no Norte do país pode ter influenciado a rebelião em seu estado.
"A situação do Norte estimulou aqui. Mas são coisas diferentes", disse.
Durante a rebelião, foram deslocados para Alcaçuz equipes dos batalhões de operações especiais e de choque da polícia militar, além de viaturas de apoio. Os policiais militares permaneceram na área externa da penitenciária ao longo da madrugada e entraram no presídio no início da manhã deste domingo, por volta das 7h (horário de Brasília).
Os detentos de um pavilhão teriam invadido outra ala do presídio, onde estavam integrantes de outra organização criminosa. "Pelo que vimos, podemos afirmar que pelo menos três presos morreram decapitados. Pudemos ver as cabeças arrancadas", afirmou o administrador da penitenciária, Zemilton Silva.
Segundo a investigação inicial, por trás do motim está a briga de membros do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Sindicato do Crime, uma dissidência do PCC criada por volta de 2012.
“Como em qualquer outro canto do país, no Rio Grande do Norte há uma briga entre facções criminosas. Há uma organização de nível nacional que está tentando dominar o Brasil. E há as facções locais que tentam impedir esse crescimento", comentou Virgolino.
A Penitenciária de Alcaçuz fica no município de Nísia Floresta, a cerca de 25 quilômetros de Natal. Elem capacidade para 620 detentos, distribuídos por cinco pavilhões, mas abriga 1.083.
Reunião de emergência em Brasília
Em mensagem publicada no Twitter, o presidente Michel Temer disse que determinou ao ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que "preste todo o auxílio necessário" ao governo do Rio Grande do Norte.
Moraes afirmou, por meio de nota, que lamenta as mortes ocorridas no presídio. Ele autorizou que parte dos 13 milhões de reais do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), liberados recentemente para aquisição de equipamentos, seja destinada a reforçar a segurança no presídio.
O ministro e os presidentes dos Colégios de Secretários de Justiça e Assuntos Penitenciários, Lourival Gomes e de Segurança Pública, Jeferson Portela, marcaram reunião com os secretários de todos os estados e do Distrito Federal para a próxima terça-feira, em Brasília.
AS/RPR/dpa/abr/ots
Cronologia da crise nos presídios
Ano de 2017 começa com crise inesperada para o governo Temer: na primeira quinzena de janeiro, 120 presos são barbaramente assassinados dentro de presídios do norte do país, com ação de facções criminosas.
Foto: Reuters/J. Goncalves
Eles se matam, e a polícia não age
1º de janeiro: presos iniciam uma rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus. A polícia decide não entrar para conter o massacre. Autoridades locais alegam que tomaram tal decisão para evitar uma tragédia semelhante à do Carandiru, quando 111 presos morreram num motim com a ação policial, em São Paulo, em 1992.
Foto: picture-alliance/Zumapress/A Critica
56 mortos, corpos decapitados e esquartejados
2 de janeiro: a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas divulga o número de mortos: 56 presos assassinados, boa parte deles decapitada e esquartejada. Foram mais de 17 horas de massacre. As autoridades de Manaus atribuem a tragédia à disputa entre as facções criminosas Primeiro Comando da Capital (PCC) e Família do Norte (FDN). Em desespero, famílias aguardam identificação de corpos.
Foto: Reuters/M. Dantas
"Tudo sob controle"
3 de janeiro: o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, visita o Complexo Anísio Jobim, onde aconteceu a rebelião de Manaus, e diz que situação está "sob controle". Moraes afirma que governo não corrobora a tese de confronto entre facções. Uma rebelião como a de Manaus, diz, é provocada por um somatório de fatos que ainda precisariam ser analisados pelo governo.
Foto: Isaac Amorim/Ministerio da Justica e Cidadania
"Ninguém ali era santo"
4 de janeiro: o governador do Amazonas, José Melo de Oliveira (Pros), faz uma declaração chocante sobre a matança no presídio: "Não tinha nenhum santo. Eram estupradores, matadores (...) e pessoas ligadas a outra facção, que é minoria aqui no Estado do Amazonas". O governo estadual decide, só depois da tragédia, retirar os presos ameaçados de morte e transferi-los para outro local.
Foto: Divulgacao/SECOM/H. Pereira
Protagonismo do Supremo
5 de janeiro: a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, assume um papel de protagonismo na crise. Um dia após a tragédia, ela decide viajar a Manaus e afirma que a situação é explosiva. No Amazonas, faz reuniões com juízes e desembargadores. Por orientação dela, o Conselho Nacional de Justiça monta uma força-tarefa para supervisionar as medidas do estado do Amazonas sobre a crise.
Foto: Divulgacao/SCO/STF
"Mais do mesmo"
5 de fevereiro: o governo anuncia o Plano Nacional de Segurança em resposta à crise. O ministro da Justiça apresenta, entre as medidas, a construção de cinco presídios de segurança máxima, sem detalhar custos e prazos. Especialistas ouvidos pela DW dizem que programa reedita propostas dos governos Lula e Dilma, é genérico e não dá nova perspectiva para o fim do aprisionamento em massa.
Foto: Isaac Amorim/Ministerio da Justiça e Cidadania
O silêncio e o acidente
5 de janeiro: o presidente Michel Temer faz o primeiro comentário sobre as mortes, referindo-se aos massacres como "acidente pavoroso". "Eu quero me solidarizar com as famílias que tiveram seus presos vitimados naquele acidente pavoroso que ocorreu no presídio de Manaus." O presidente, que já tinha sido criticado por seu silêncio e omissão, foi reprovado pelo uso da palavra acidente.
Foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil
Em Roraima, outra barbárie
6 de janeiro: na madrugada, outro massacre é iniciado, desta vez na penitenciária Agrícola Monte Cristo, em Roraima. Mais 33 presos são mortos. O governo classifica as mortes de barbárie e diz não ter indícios claros se o massacre tem relações com vingança de facção criminosa.
Foto: Getty Images/AFP/V. Almeida
Baixa no governo
6 de janeiro: a crise penitenciária produz a primeira baixa no governo. O secretário nacional de Juventude, Bruno Júlio, é demitido após declarações polêmicas publicadas no "Globo". "Tinha que fazer uma chacina por semana", teria dito. Ele negou ter feito a afirmação. À "Folha de S. Paulo", disse: "Fico triste porque não estão dando tanta importância para as pessoas de bem que morrem todo dia".
Foto: Divulgacao/JPMDB
A matança continua
8 de janeiro: mais quatro presos são mortos em novo motim no Amazonas. A rebelião, desta vez, é na Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, no centro de Manaus. Três detentos são decapitados, e um foi morto por asfixia.
Foto: Agência Brasil/Marcelo Camargo
Reforço tardio
9 de janeiro: o governo federal autoriza envio de cem homens da Força Nacional de Segurança a Manaus e outros cem para Roraima. Ministro da Justiça se compromete a atender pedidos de sete estados das regiões Norte e Centro-oeste para auxiliar no policiamento e segurança, autorizando transferência de presos para penitenciárias federais e liberando recursos.
Foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil
Após a tragédia, a tentativa de controle
10 de janeiro: a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e a PM do Amazonas fazem revistas nas unidades prisionais da capital. A ação dos policiais foi iniciada no dia 5. Na ala dos presos que cumprem regime semiaberto do Complexo Penitenciário Anísio Jobim são encontrados pen-drives, walkie-talkies, cabos telefônicos, celulares, alicates, facas, martelos e outras ferramentas.
Foto: Bruno Zanardo/Secom
Mais um capítulo da crise: 26 mortos no RN
15 de janeiro: um novo motim ocorre no presídio de Alcaçuz, na cidade de Nísia Floresta, região metropolitana de Natal. O governo do estado confirmou a morte de 26 detentos. Assim como em outras rebeliões do Norte, os corpos estavam desfigurados. A perícia levará 30 dias para fazer as identificações. Após a rebelião, presos foram revistados nus. Houve auxílio da Força Nacional de Segurança.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Marcone
Confusão sem fim em Alcaçuz
16 de janeiro: Um dia após o motim que terminou com ao menos 26 mortos, a penitenciária de Alcaçuz (RN) volta a ser palco de tumultos. Em dia de "clima tenso”, um grupo de detentos voltou a ocupar os telhados dos pavilhões e proferir ameaças contra facções rivais de dentro do presídio. Agentes da PM, do Bope e do GOE não conseguiram controlar a situação. A Força Nacional teve de ser acionada.
Foto: Reuters
Onda de rebeliões chega a Minas Gerais
17 de janeiro: Cerca de 1.200 detentos do presídio Antônio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves (MG), anunciam um motim para reivindicar a saída do diretor da prisão e a melhora no tratamento de familiares e presos. Em vídeos que circulam pela internet, eles ameaçam uma carnificina caso não sejam ouvidos. "Vai morrer muita gente, o massacre vai começar", diz um dos presos encapuzado de vermelho.
Foto: Quelle: Youtube/Portal O TEMPO
Forças Armadas entram nos presídios
17 de janeiro: Governo autoriza que as Forças Armadas passem a inspecionar materiais proibidos, como armas e drogas, dentro dos presídios estaduais. A segurança interna continua, porém, sob responsabilidade de agentes penitenciários e policiais. Segundo a presidência, a "operação visa restaurar a normalidade e os padrões básicos de segurança nos estabelecimentos carcerários brasileiros."
Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Peres
Agentes penitenciários protestam por trabalho
17 de janeiro: Em Brasília, agentes penitenciários reivindicam a contratação de profissionais aprovados em concursos públicos e melhores condições de trabalho. Segundo a Federação Brasileira dos Servidores Penitenciários, o Brasil teria de aumentar em 30 vezes o número de agentes penitenciários para atender à recomendação nacional de um agente para cada cinco presos.
Foto: Agência Brasil/M. Casal Jr.
Caos chega às ruas de Natal
18 de janeiro: Na capital Natal, ao menos 14 ônibus, dois micro-ônibus, um carro do governo, cinco viaturas da polícia, duas delegacias e um prédio de uma secretaria de Saúde foram alvos de atos criminosos. O vandalismo ocorreu depois de 220 detentos terem sido transferidos do presídio de Alcaçuz (RN). A polícia também registrou quebradeiras nas cidades de Macau, Parnamirim e Caicó.
Foto: Reuters/J. Goncalves
Proteção às fronteiras
19 de janeiro: O ministro da Defesa, Raul Jungmann, visita o Sistema Integrado de Sensoriamento em Dourados (MS), próximo à fronteira com o Paraguai. O governo investirá 450 milhões de reais no Sisfron, que usará radares e câmeras para monitorar os mais de 16 mil km de fronteiras contra o narcotráfico. O Brasil é hoje o principal ponto de saída de cocaína produzida na América do Sul para a Europa.
Foto: Agência Brasil/V. Campanato
Campo de guerra em Alcaçuz
19 de janeiro: A confusão no presídio de Alcaçuz, em Nísia Floresta (RN), pulou os muros da penitenciária e chegou às ruas de Natal e cidades próximas, que foram palco de ao menos 26 veículos incendiados e diversos prédios apedrejados. Militares foram acionados para tomar o controle da segurança nas cidades.