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Receita da Alemanha tem ONGs "políticas demais" na mira

27 de novembro de 2019

Após perda do status não lucrativo de associação de vítimas do Holocausto, instituições em todo o país temem restrições do discurso político na sociedade civil. Berlim afirma estar apenas endurecendo leis tributárias.

Ativista mascarado durante protestos contra a operadora de energia RWE
Ativista mascarado durante protestos contra a operadora alemã de energia RWE, em maio deste ano, em EssenFoto: Getty Images/AFP/I. Fassbender

A indignação era palpável neste fim de semana (23-24/11), quando se divulgou que o Departamento de Finanças de Berlim retirara o status de entidade sem fins lucrativos da mais antiga organização antifascista da Alemanha, devido a seus laços com partidos de ultraesquerda.

Políticos e líderes da comunidade judaica defenderam a Associação dos Perseguidos pelo Regime Nazista / Federação dos Antifascistas (VVN-BdA, na sigla em alemão), fundada em 1947 por sobreviventes do Holocausto e membros da resistência ao nacional-socialismo. A própria organização frisou que muitos dos que combatiam o nazismo eram comunistas.

Outras organizações sem fins lucrativos se uniram em torno da VVN-BdA – não por necessariamente compartilharem suas tendências políticas, mas porque acreditam que as autoridades tributárias da Alemanha estão punindo instituições de caridade por assumirem posicionamentos políticos.

Os portões para essa decisão foram abertos em fevereiro, quando o grupo de campanha antiglobalização Attac perdeu uma batalha jurídica de seis anos para preservar seu status de entidade sem fins lucrativos perante o Tribunal Fiscal Federal de Munique.

A Attac está preparando um contra-ataque legal, mas a decisão deu às autoridades financeiras um novo precedente: o grupo de campanha ambiental Campact perdeu em outubro seu status de utilidade pública, e o DemoZ, um centro social e cultural em Ludwigsburg, no início de novembro.

"Estão cada vez menores os espaços para a sociedade civil crítica", acusou a porta-voz da Attac, Frauke Distelrath, em entrevista à DW. "Há uma clara tendência de tirar o status não lucrativo de vozes críticas." "Existe uma tendência, e vai piorar", prevê Thomas Willms, do VVN-BdA. "Trata-se de limitar o envolvimento político de instituições de caridade."

"Tendência a piorar"

A opinião de Distelrath e Willms é partilhada por Selim Caliskan, diretora de relações institucionais do escritório de Berlim da Open Society Foundations (OSF). Segundo ela, muitas organizações apoiadas pela OSF temem a chegada em suas caixas de correio de cartas dos departamentos de finanças locais.

"Ficamos um pouco alarmados com as declarações do Ministro das Finanças, Olaf Scholz, especialmente quando se tratava da VVN", conta Caliskan. A OSF, que apoia a sociedade civil em 120 países, se encontra na posição única de ter mudado recentemente sua sede de Budapeste para Berlim, a fim de escapar de novas restrições às ONGs impostas pelo governo de Viktor Orbán.

"A Alemanha realmente tem uma compreensão pluralista e democrática da liberdade muito forte", lembra Caliskan. "Se ela começar a limitar essa sociedade civil pluralista, estará enviando um sinal aos outros países. Caso se apresente como uma forte defensora dos direitos humanos, digamos, na União Europeia, outros países poderão dizer: 'Bem, olhem o que vocês estão fazendo no seu país.'"

O status "sem fins lucrativos" isenta as organizações de vários impostos e permite que os apoiadores registrem doações em suas declarações fiscais. De acordo com a VNN-BdA, a decisão da retirada do status pode levar a restituições fiscais de dezenas de milhares de euros, possivelmente comprometendo a sobrevivência da associação. Além disso, segundo Willms, a decisão é como "nos dizer que não somos socialmente valiosos, um problema extremista, coisas assim".

O que condenou a VVN-BdA foi um relatório de 2016 da secretaria do Interior da Baviera, que a listou entre "organizações e grupos extremistas de esquerda" – uma avaliação não compartilhada por nenhuma das demais 15 agências estatais de inteligência na Alemanha, ou mesmo por sua contraparte nacional, o Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV).

Cidadão alemão carrega bandeira da VVN-BdA durante visita ao campo de concentração de Buchenwald, perto de WeimarFoto: imago images//E. Schulz

Questão de "clareza jurídica"

Por esse motivo, o Ministério das Finanças deseja separar o caso VVN-BdA das decisões anteriores sobre Attac e Campact. Em outubro, o ministro Scholz declarou que a decisão judicial contra a Attac teria mostrado que o status de entidade sem fins lucrativos precisava de esclarecimento jurídico.

Scholz afirmou que seu ministério estava em diálogo com a Attac, o Campact e outras ONGs para tentar chegar a um consenso, e até apresentou as mudanças pretendidas como uma tentativa de proteger a capacidade das instituições de caridade de se envolverem politicamente. "Se as organizações que fazem campanha pela democracia e pelos direitos humanos estão em pior situação do que qualquer outra associação, então temos que mudar a lei tributária", disse.

A solução proposta pelo Ministério das Finanças é criar uma nova categoria tributária para "corporações políticas" ou organizações de interesse público que agem mais como partidos políticos. Contudo, de acordo com juristas, é mais provável que a nova medida deixe muitas instituições inseguras.

Ser definido como "corporação política" pode significar benefícios para organizações como Campact e Attac, já que os partidos políticos têm diferentes tipos de privilégios fiscais, "mas ainda rejeitamos isso, porque muitas outras associações teriam que tomar uma decisão", disse Koch.

O medo é que grupos sem objetivos políticos óbvios, como associações esportivas ou os clubes de carnaval da Renânia, devam pensar duas vezes antes de participar de uma manifestação contra o racismo, por exemplo, por medo de sanções da receita federal. O efeito, segundo Attac e Campact, seria um discurso político restrito a grupos "autorizados" a ter uma opinião, e uma divisão na sociedade civil.

As instituições de caridade sugeriram ampliar a definição de sociedade civil. Elas querem que a lista o que conta como "interesse do público geral", conforme a lei tributária alemã, seja estendida para incluir temáticas mais atuais, como direitos humanos, justiça social e paz.

"No momento, uma organização como a Anistia Internacional, por exemplo, tem que descrever outros objetivos, como 'entendimento internacional', para poder reivindicar status de organização sem fins lucrativos", relata Distelrath. "Isso é um absurdo, e precisa ser revisto."

Há também um atraso no reconhecimento dos métodos modernos das ONGs. Koch afirmou que a ação política direta é vital para as campanhas contemporâneas. "Se você é uma entidade sem fins lucrativos e está em campanha para proteger a natureza e o meio ambiente, por exemplo, então, em algum momento, precisa acessar quem toma essas decisões. Não faz sentido se você não tem permissão para tentar influenciar a política do dia a dia."

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