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"Recuperação dos livros envolveu 22 mil pessoas"

Philipp Jedicke (av)2 de setembro de 2014

Mesmo dez anos após o incêndio que destruiu 50 mil livros em Weimar, trabalhos de restauração ainda revelam tesouros como uma primeira impressão de Copérnico, conta o diretor da bibioteca em entrevista à DW.

Foto: Reuters

Passada uma década desde o incêndio que destruiu grande parte de seu acervo, a Biblioteca da Duquesa Anna Amalia de Weimar, no estado alemão da Turíngia, está a caminho da recuperação. Os danos arquitetônicos foram praticamente reparados e o salvamento de seus centenários livros está em franco progresso.

Os "pacientes mais difíceis" ainda terão que passar alguns anos nos ateliês de restauração. Porém muitos já foram recuperados, e das 50 mil publicações perdidas, 10 mil puderam ser readquiridas em antiquários. E, tanto tempo depois da catástrofe, alguns livros tidos como perdidos têm até mesmo aparecido.

Um deles é uma primeira edição de De revolutionibus orbium coelestium, de Nicolau Copérnico, encontrada sob um monte de cinzas num caixote. Com as descobertas e deduções sobre a Terra e o sistema solar, lá expostas, em 1543 o astrônomo polonês sacudiu a concepção medieval do universo.

Michael Knoche, diretor da Biblioteca Anna Amalia desde 1991, relata em entrevista à DW quão importante esse achado é para o precioso acervo, e quão presentes para ele ainda estão os incidentes de 2 de setembro de 2004.

DW:Passaram-se dez anos desde o incêndio. Que lembranças o senhor tem dessa noite?

Michael Knoche:Os acontecimentos daquela noite ainda estão bem vivos diante dos meus olhos, como se fosse ontem. Às 20h25 um funcionário me comunicou que haviam sido detectadas chamas no prédio principal da biblioteca. Cerca de seis minutos mais tarde, eu estava no local, pois moro próximo, e vi com meus próprios olhos que subia fumaça do telhado. Eu senti uma fraqueza nos joelhos e compreendi que não se tratava de um alarme falso, mas sim de uma catástrofe.

Michael Knoche dirige a Anna Amalia desde 1991Foto: Klassik Stiftung Weimar/Maik Schuck

Nós contatamos por telefone a Associação de Emergência de Weimar, um departamento de ajuda às instituições culturais locais. Seus técnicos chegaram pouco depois dos bombeiros, que estavam lá desde as 20h31. Com a ajuda deles, começamos a retirar do Salão Rococó certas obras de arte e livros especialmente valiosos.

E o corpo de bombeiros deixou o senhor agir, sem problemas?

O incêndio se deflagrou na área do sótão e o Salão Rococó fica no primeiro andar. Então, havia dois andares entre os técnicos e o telhado em chamas. O corpo de bombeiros permitiu nossos trabalhos por uma hora e meia, pois não considerou que houvesse grande perigo. A casa estava em plenas chamas no telhado, mas do lado de dentro ainda se podiam salvar livros.

Consta que o senhor mesmo salvou a Bíblia de Martinho Lutero...

Isso foi mais tarde, quando os bombeiros avaliaram que a situação era crítica demais e temiam que a casa fosse ruir. Aí, nem civis nem os próprios bombeiros podiam mais entrar. Só nesse momento me ocorreu que a nossa peça mais importante ainda estava na primeira galeria do Salão Rococó. Eu entrei com um bombeiro e retirei o livro. Mas tarde se constatou que os temores tinham sido injustificados, pois o prédio permaneceu estável.

Incêndio na biblioteca em 2 de setembro de 2004Foto: picture-alliance/dpa

Esse incidente ficou tão conhecido pelo fato de se tratar da famosa Bíblia de Lutero, de 1534. Do meu ponto de vista, não foi nenhuma façanha fora do comum. Houve gente que se empenhou com a mesma energia e paixão no resgate dos livros.

Depois houve uma onda de solidariedade, também do exterior. Quem eram esses doadores?

Formou-se, por exemplo, um grupo American Friends of the Herzogin Anna Amalia Library para coletar donativos. Da Sociedade Goethe da Coreia do Sul vieram doações, assim como do Japão; uma classe escolar de Bruxelas se empenhou em especial; a cidade-parceira de Weimar, Blois, na França, contribuiu. Houve grande apoio para além da Europa. Ao todo, 22 mil pessoas participaram da recuperação.

Qual é o maior desafio para o senhor hoje, dez anos após o desastre?

A Anna Amalia é uma biblioteca de pesquisa e se encontra diante de uma série de desafios que não têm a ver diretamente com o incêndio. A palavra-chave aqui é "digitalização". Mas no setor de restauração, eu diria que são os livros seriamente carbonizados e os montes de cinzas aparentemente irrecuperáveis, que salvamos dos destroços.

Eles se mostraram ainda bastante intactos, assim que se removeu a camada externa. Temos ainda muitos textos, partituras, manuscritos, velhas gravuras, cuja capa ou frontispício falta, mas o resto do livro está intacto. Lidar com isso, do ponto de vista da técnica de restauração e, sobretudo, da identificação, dar conta desse volume – são 25 mil volumes em cinzas –, esse é, na verdade, o maior desafio.

Um desses livros queimados se tornou um achado sensacional. Por que só agora apareceu essa primeira edição de De revolutionibus orbium coelestiumde Nicolau Copérnico?

É porque depois do incêndio nós definimos diferentes categorias de danos. Os livros menos danificados ficam na classe um, os mais atingidos, na classe quatro, e nós cuidamos primeiro das classes um a três, antes de nos ocuparmos com a quarta. Esse achado se encaixa, justamente, na classe quatro, à qual só estamos chegando agora. Ainda falta muito até termos inspecionado todos os livros incinerados. Precisamos de uns dois anos, só para concluir a identificação.

Nestes dois anos, pode ser que façamos um ou outro achado fora do comum. É quase impossível acelerar o processo, pois, claro, é preciso combinar tantos conhecimentos especiais, para conseguir identificar novamente publicações do século 16. Numa dessas caixas da categoria de dano quatro estava o Copérnico.

"De revolutionibus orbium coelestium" salvo das cinzasFoto: picture-alliance/dpa

Trata-se da primeira impressão, de 1543, de De revolutionibus orbium coelestium, em que o astrônomo propõe uma nova visão cósmica, com a Terra girando em torno do próprio eixo e como parte de um sistema planetário centrado no Sol. Isso contrariava inteiramente a concepção do cosmo da Idade Média. Por isso, esse livro tem um significado tão grande.

Ainda existem numerosos exemplares em diferentes bibliotecas por todo o mundo. Mas cada um deles é tão disputado e interessante do ponto de vista da história da ciência, por trazer sempre comentários diferentes. Esse é também o caso do nosso exemplar. Em 2008, o último exemplar dessa publicação de Copérnico foi leiloada em Nova York por 1,4 milhão de euros.

O processo de recuperação de um livro queimado é sabidamente muito trabalhoso...

Cada página recebe tratamento. Primeiro é hidratada, para eliminar as substâncias tóxicas, depois recebe uma margem, feita com massa de papel nova, para que possa ser manuseada. Em seguida a folha é secada e, por fim, revestida com uma camada finíssima de papel japonês. Aí ela está novamente estável e pode ser novamente encadernada, junto com as demais páginas.

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