Presidente boliviano já governa o país há uma década e, agora, quer mudar a Constituição para que possa ficar mais um mandato no poder. Seu apoio popular, no entanto, está minguando.
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Durante muito tempo, Evo Morales foi um dos presidentes mais populares da América Latina. Nas últimas eleições gerais, em 2014, o seu partido Movimento ao Socialismo (MAS) teve pela segunda vez mais de 60% dos votos.
Neste domingo (21/02), os bolivianos deverão decidir em referendo se Morales pode se candidatar mais uma vez. Ainda um ano atrás, parecia que a população iria atender a esse desejo presidencial. Mas ele tem perdido apoio nos últimos meses.
Nas eleições regionais e municipais, os candidatos do MAS tiveram que ceder cargos importantes para a oposição. Além disso, Morales teme perder ainda mais apoiadores, pois a crise econômica deverá se acentuar ainda mais até 2017. Os seus seguidores estão diminuindo porque, cada vez mais, constatam que a política de Morales não se dirige nem a todos os bolivianos nem a todos os povos indígenas.
Voz dos oprimidos
Mas foi justamente com essa promessa que o líder do sindicato dos plantadores de coca se tornou em 2005 "o primeiro presidente indígena da América Latina". Foi assim que Morales se apresentou, embora antes dele tenha havido outros presidentes com raízes indígenas – inclusive na própria Bolívia. Além disso, a sua formação cultural não combina exatamente com esse cenário: ele não cresceu numa comunidade indígena nem fala a língua de povos nativos.
De qualquer forma, a estratégia funcionou: Evo é um homem que veio direto do povo nativo oprimido. Segundo a alemã Anne Weiss, que supervisionou durante quase 30 anos projetos sociais na Bolívia, Morales também fez por onde merecer esse apoio.
"Ele deu uma voz a essas pessoas", diz Weiss, que pediu que seu nome real fosse alterado pela reportagem da DW, para que o trabalho de sua organização não seja prejudicado.
Corrupção e opressão
Esse fato já diz muito sobre a forma como o MAS e Morales tentam consolidar o seu poder: há cada vez mais relatos de ameaças contra críticos e oposicionistas. Segundo observadores, quem apoia o governo pode contar com recompensas.
A acusação mais recente de corrupção atinge o próprio presidente, e isso uma semana antes da consulta popular: Morales teria concedido sigilosamente à empresa chinesa Camce encomendas no valor de cerca de 500 milhões de euros (2,2 bilhões de reais). A ex-esposa do presidente faz parte da diretoria da empresa.
Mesmo que essas acusações tenham sido espalhadas propositalmente, Morales já tomou suas precauções: "Boa parte da mídia boliviana é controlada pelo governo. Os poucos meios de comunicação independentes se submetem à autocensura para evitar problemas", escreveu a Fundação Konrad Adenauer (FAZ) em relatório sobre a Bolívia.
Não importa quantas vezes as mídias fomentem a imagem do indígena ligado à terra – cada vez mais bolivianos percebem que há algo de errado. Pois aumentam os casos de violação dos direitos de comunidades indígenas por parte do governo.
Especialmente quando se trata da exploração de matérias-primas como gás natural e minério, as empresas de exploração nacionalizadas não poupam o habitat natural das comunidades indígenas. Pois a receita proveniente dessa exploração é de grande importância para o governo, já que é daí que vem grande parte do dinheiro usado para financiar seus benefícios sociais.
Turbulência econômica à vista
Ainda não se sabe quanto tempo isso ainda vai funcionar, tendo em vista a queda dos preços das commodities. Pois, em vez de aproveitar o boom dos últimos anos para desenvolver estruturas sustentáveis ou ao menos acumular reservas para tempos piores, Morales fomentou o consumo, inflando assim o crescimento. Na Venezuela e no Brasil, já ficou claro aonde isso leva.
Também na Bolívia, os economistas preveem uma crise iminente para a prosperidade econômica registrada até o momento. O setor privado vai ser particularmente afetado, pois o salário mínimo estatal deixa pouco espaço para as empresas compensarem as perdas de demanda. "Pequenas empresas já estão tendo que fechar, porque não podem arcar mais com o último aumento do salário mínimo", diz Weiss.
A assistente social alemã pode dar muitos exemplos em que talvez haja boa vontade, mas são pouco realistas: todos os professores na Bolívia devem aprender a língua quíchua ou aimará. Mas o que ganham os guaranis com isso? Na Bolívia, existem mais de 30 idiomas indígenas.
Uma escola operada pela organização de Weiss poderá fechar em breve, se não conseguir reduzir o tamanho das turmas dos atuais 50 a 60 alunos para no máximo 30.
"É claro que isso seria desejável, mas não dispomos nem de espaço nem de pessoal para tal." Para as crianças, o fechamento significaria que elas não poderiam ir à escola de forma alguma, explica Weiss. "Nas ruas estão os traficantes que oferecem a muitas crianças perspectivas mais atraentes."
Última chance de Morales?
Ainda é mais do que incerto se Evo Morales vai conseguir, de fato, ganhar mais uma vez a eleição presidencial de 2019 – embora o governo venezuelano tenha lhe mostrado, em 2013, como chegar a uma maioria nas urnas, apesar de uma desastrosa política econômica. Mas muita coisa pode acontecer nos próximos anos.
Agora, o que está em jogo é a possibilidade de Morales poder se candidatar mais uma vez. Os analistas da Fundação Konrad Adenauer (KAS) consideram o momento adequado: a economia ainda é forte o suficiente e, há bem pouco tempo, os empregados receberam um 13° salário dobrado, que é uma parte obrigatória do salário mínimo.
O que também angariou simpatia até mesmo entre os opositores foi que o governo em La Paz obrigou o Chile a voltar à mesa de negociações com a ajuda da Corte Internacional de Haia: há mais de cem anos, a Bolívia vem lutando por uma saída para o Pacífico em solo chileno.
O referendo deste domingo vai mostrar se tudo isso vai ser suficiente para que Morales possa mais uma vez se candidatar à presidência boliviana.
O fim da era Cristina Kirchner
Após 12 anos de kirchnerismo, a Argentina elege um novo presidente. Relembre a trajetória de Cristina Fernández de Kirchner, que deixa tanto problemas econômicos quanto avanços sociais como herança de seu governo.
Foto: Getty Images/AFP/F. Monteforte
Cristina Fernández, "relato" e dramaturgia
Em oito anos de governo, Cristina se destacou por seu estilo e a tendência ao drama – foi acusada, inclusive, de criar um "relato" próprio da realidade da Argentina. Neste ano, ela deixa a Casa Rosada, e a era Kirchner chega ao fim. Com uma maioria kirchnerista no Congresso, porém, Cristina promete seguir influenciando a vida política do país.
Foto: Getty Images/A.Pagni
A sucessora de Néstor Kirchner
Cristina começou sua carreira política em 1989, como deputada pela província de Santa Cruz. Conheceu Néstor Kirchner durante a militância peronista, em 1974, e os dois se casaram no ano seguinte. Ele foi presidente da Argentina de 2003 a 2007, ano em que a mulher ganhou as eleições para sucedê-lo. A morte de Néstor, em 27 de outubro de 2010, foi um duro golpe para Cristina e seus dois filhos.
Foto: D. Garcia/AFP/Getty Images
Laços estreitos com o Mercosul
Na foto, Cristina e o presidente da Bolívia, Evo Morales, vestem trajes típicos bolivianos durante uma cerimônia na Casa Rosada, sede da presidência em Buenos Aires. Ela sempre defendeu laços estreitos com os países vizinhos. Em 2013, anunciou que aceleraria "a reconstituição do Mercosul" e, no mesmo ano, disse que a espionagem dos EUA sobre o Brasil afetava a "dignidade" de toda a América do Sul.
Foto: Reuters/M. Brindicci
A reeleição
Em 2011, Cristina foi reeleita presidente da Argentina com 54,11% dos votos. Na foto, ela posa entre os dois filhos, Máximo e Florencia, em frente ao Congresso Nacional, em Buenos Aires, após tomar posse. Atualmente candidato a deputado, Máximo está sendo investigado sob suspeita de manter contas secretas nos Estados Unidos e Irã. Ele nega as acusações.
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Um vice em apuros
Amado Boudou, então ministro da Economia, foi nomeado vice-presidente no segundo mandato de Cristina. A escolha foi mais tarde criticada, principalmente pelas polêmicas acusações que emergiram contra ele. O escândalo político conhecido como Ciccone, por exemplo, ligou Boudou à compra de uma falida empresa monopolista a fim de operar com o Estado na impressão de notas e documentos fiscais.
Foto: picture-alliance/dpa/S.Goya
A luta contra o "Clarín"
O debate sobre a concentração da mídia segue aberto na Argentina. Cristina Kirchner travou uma longa batalha contra o grupo argentino "Clarín", acusando-o de monopólio midiático. Ao mesmo tempo, foi criticada por estimular a criação de um grupo de "veículos viciados no governo", segundo apontou, em entrevista à DW, a jornalista Laura di Marco, autora de uma biografia não autorizada da presidente.
Foto: picture alliance/dpa Fotografia
Direitos humanos
Cristina deu continuidade às políticas de direitos humanos de Néstor: aprovou leis acerca do casamento gay e da transexualidade e apoiou a busca por crianças desaparecidas durante a ditadura militar argentina (1976-1983). Na foto, ela conversa com Estela de Carlotto, presidente da organização Abuelas de Plaza de Mayo. Seu neto, Guido, recuperou a verdadeira identidade ao ser encontrado em 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
Discurso em rede nacional
A presidente está acostumada a falar em rede nacional – algo aplaudido por seus seguidores e criticado pela oposição. Ao se dirigir ao público, Cristina mantém um estilo sempre muito pessoal e, para muitos, carismático. "O kirchnerismo trouxe independência à Argentina", disse ela em um de seus discursos, em julho de 2015.
Foto: picture-alliance/dpa/L. La Valle
Falta de transparência
Em junho de 2015, Cristina enviou ao Congresso um projeto de lei para que alguns programas sociais sejam ajustados de tempos em tempos. Entre eles está o Benefício Universal por Filho (AUH, na sigla em espanhol), equivalente ao Bolsa Família. Esses avanços na área social, porém, acabam sendo ofuscados pela falta de transparência com os índices de pobreza, a alta inflação e o déficit fiscal.
Foto: Reuters/E. Marcarian
Argentina versus "fundos abutres"
A batalha contra os chamados "fundos abutres" segue no país. Em setembro de 2015, a ONU aprovou uma resolução, recomendada pela Argentina, que propõe a criação de um marco legal para a reestruturação da dívida soberana. O ministro da Economia, Axel Kicillof (dir.), comemorou a decisão como "um passo fundamental".
Foto: Leo La Valle/AFP/Getty Images
Cristina, papa e "Estado Islâmico"
Em setembro de 2014, o papa Francisco recebeu Cristina, sua compatriota, no Vaticano. Após um encontro privado com o pontífice, a presidente revelou ter sofrido ameaças do grupo extremista "Estado Islâmico" (EI) por conta de sua posição diplomática diante dos conflitos no Oriente Médio – ela é favorável à existência de dois Estados: o da Palestina e o de Israel.
Foto: picture-alliance/dpa
Incentivo à cultura
Em nível nacional, o governo Cristina Kirchner deu um impulso importante à realização de eventos culturais e artísticos, mas com um estilo claramente personalista. Na foto, a presidente argentina participa da inauguração do Centro Cultural Kirchner, em Buenos Aires, em maio de 2015. Na ocasião, ela classificou o local como o "mais importante centro cultural da América Latina".
Foto: Reuters/Argentine Presidency
Duas cirurgias
Em seu segundo mandato como presidente da Argentina, Cristina foi submetida a dois procedimentos cirúrgicos sérios: um para remover um tumor na tireoide, em janeiro de 2012, e outro para drenar um hematoma cerebral, em outubro de 2013. Ela teve boa recuperação em ambos os casos, mas precisou ficar afastada do trabalho por um curto período de tempo.
Foto: picture-alliance/dpa
Negócios com a Rússia
Cristina se reuniu com o presidente russo, Vladimir Putin, em abril de 2015, e do encontro pode ter saído muito mais que os acordos energéticos e econômicos firmados. Em ano eleitoral na Argentina, o gesto chegou a ser interpretado como um esforço da presidente para afastar o país de seu tradicional alinhamento com os Estados Unidos e a União Europeia e estimular uma aproximação com os Brics.
Foto: Reuters/A. Nemenov
Caso Nisman choca o país
A morte do promotor Alberto Nisman abalou a sociedade argentina e continua sem esclarecimento perante a Justiça. Ele foi encontrado morto em casa em 18 de janeiro de 2015, dias antes de divulgar um relatório polêmico contra a presidente. Nisman acusaria Cristina de ajudar a acobertar o pior ataque terrorista da história do país: o atentado a bomba à Associação Mutual Israelita Argentina, em 1994.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Pisarenko
Sucessor da era Kirchner?
Daniel Scioli, da coligação Frente para a Vitória, é o candidato à presidência argentina capaz de dar continuidade ao programa político do kirchnerismo. Segundo especialistas, o governo deixa como herança para o próximo presidente graves problemas econômicos e estruturais, mas também avanços sociais e um aumento no nível de consumo da população.
Foto: Reuters/A.Marcarian
Adeus à figura que polariza
Com seu estilo autoritário e maternal, Cristina Kirchner polarizou a sociedade argentina. Esteve cercada de acusações de corrupção, e a insegurança jurídica cresceu durante seu governo. Por outro lado, deu impulso à cultura e aos direitos civis. Ao dizer adeus, Cristina deixa um legado complexo à próxima administração, e é improvável que se afaste totalmente da agenda política do país.