1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Referendo pode precipitar Itália em anos de impasse político

Megan Williams md
2 de dezembro de 2016

Apesar das advertências de que o resultado da votação sobre as reformas constitucionais da Itália pode levar a uma paralisia política, muitos pretendem usar o pleito para protestar contra o premiê Matteo Renzi.

Cartaz sobre referendo italiano 2016 em Roma
Foto: DW/M. Williams

Manifestações contra o referendo programado para o próximo domingo (04/12) têm ocorrido em cidades de toda a Itália, nas últimas semanas. Em Roma cartazes dizendo "não" são empunhados por grupos tão distintos quanto neofascistas, católicos conservadores, o anti-establishment  Movimento Cinco Estrelas (M5S), a anti-imigrante Lega Nord, a Forza Italia de Berlusconi e até mesmo membros do próprio Partido Democrata, do primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi.

À medida que os movimentos populistas varrem toda a Europa e os EUA e que os políticos do establishment  entram em queda, é difícil evitar comparações com o Brexit e as eleições americanas.

Por um lado, existem os políticos liberais centristas, apoiados por líderes empresariais e estrelas culturais – desde o tenor Andrea Boccelli e o diretor ganhador do Oscar Paolo Sorrentino, a Massimo Bottura, chef três estrelas do Guia Michelin – publicamente anunciando seu "sim" a uma série de reformas destinadas a racionalizar o processo legislativo italiano e trazer estabilidade política a um país que já viu 63 governos nos últimos 70 anos.

Premiê italiano Matteo Renzi afirma que renunciará se o "não" ganharFoto: Reuters/R. Casilli

No lado do "não", há um conjunto de cidadãos desiludidos, que viram seu padrão de vida cair continuamente na última década, com o desemprego em 40% entre os jovens, apesar das reformas de Renzi do mercado de trabalho. Estes se preocupam que as mudanças removam freios e contrapesos essenciais para a democracia italiana, os quais mantiveram o autoritarismo ao largo no pós-guerra.

Colocando essa revolta em palavras estão o líder da Lega Nord, Matteo Salvini, e Beppe Grillo, do Cinco Estrelas, que incansavelmente lançam sua retórica não filtrada contra o antes promissor jovem líder italiano. "Renzi está assustado por causa da votação de 4 de dezembro, ele está agindo como uma porca ferida, que ataca quem estiver pela frente", alegou Grillo, antes de comparar os partidários do "sim" a assassinos em série.

Crise constitucional

O que provocou a feroz tempestade política é uma série de reformas constitucionais, segundo alguns, mal escritas, destinadas a tornar o processo legislativo italiano mais transparente. O que parece bom no papel, no entanto, aparentemente só adicionou confusão à incerteza geral.

Como muitos italianos, Brunella Buscicchio, curadora de arte e mãe de três filhos pequenos, está indecisa de como vai votar, dividida entre querer uma grande mudança numa Itália estagnada há tempos, e a desconfiança – e confusão – quanto ao que está sendo proposto.

"Muitas vezes, tenho a sensação de que na Itália tudo está se movendo e, no entanto, nada está se movendo", disse à DW. "O país precisa de uma mudança, mas ao mesmo tempo, é muito difícil entender o que está sendo proposto, é tudo muito cheio de detalhes. Então, como o cidadão médio pode entender o que está realmente votando?"

Se aprovado, o referendo limitaria o poder do Senado italiano, reduzindo o número de senadores de 315 para 100, e fazendo com que alguns de seus membros não sejam eleitos e sim nomeados pelas regiões italianas.

Acabar com o perfetto bicameralismo  – um equilíbrio de poder entre as câmaras alta e baixa – ajudaria a pavimentar o caminho através do tortuoso processo legislativo da Itália, argumenta o "sim". As mudanças também confeririam mais poder a qualquer partido que ganhe as eleições, dando-llhe um bônus de assentos no Parlamento.

Essa é a parte que mais preocupa os oponentes, já apreensivos em perder o direito de votar seus senadores. "Aqui, temos uma mudança que vai impor severas limitações à participação democrática neste país", afirma Massimo Velloni, professor de direito constitucional na Universidade de Nápoles Federico II.

Ele diz entender o desejo de votar "sim" por algo – um desejo que Renzi teria sido hábil em explorar. No entanto, insiste Velloni, mexer com a sólida Constituição do país não ajudará a Itália, já que, na visão do professor, "o povo vai passar a contar menos, não mais".

"A ideia por trás da proposta de Renzi é que se vá às urnas escolher seu governo por cinco anos e depois de cinco anos se cheque de novo e vote se gosta dele ou não. Nesse meio tempo, é para ficar de boca fechada. E isso é justamente o que não funciona."

Campanha pelo "não": reformas afetarão direitos fundamentais dos italianosFoto: DW/M. Williams

Tiro do M5S pode sair pela culatra

Renzi disse inicialmente que renunciaria se o "não" vencesse, uma promessa da qual ele se distanciou quando as pesquisas mostraram que provavelmente perderá, mas à qual retornou nas últimas semanas. Agora, o que está realmente em jogo – e no que a maioria admite que votará abertamente – é o futuro político do primeiro-ministro.

"Ele é o chefe de um partido que deveria estar à esquerda, mas que hoje não representa nenhum desses valores, e sim mais uma mutação dos 25 anos de berlusconismo que nós tivemos. Ele é como um Berlusconi 2", diz Alberto Lupo Janelli, ex-cantor de ópera, cujo plano manifesto é se mudar da Itália para as Ilhas Canárias, devido a sua profunda frustração com a falta de mudança no país.

Humorista Beppe Grillo, líder do Movimento Cinco EstrelasFoto: picture alliance/AP Photo/G. Borgia

"A ironia para mim, como alguém que se considera mais de esquerda, é que agora me vejo votando igual a alguns de extrema direita, mesmo que por razões completamente diferentes", ressalta.

Na mesma medida, porém, que muitos italianos estão usando o referendo para exprimir sua frustração com Renzi e a classe política, outros podem usá-lo para bloquear a ascensão do que consideram um movimento de amadores políticos com tendências populistas, que agora é a maior ameaça ao Partido Democrata: o Movimento Cinco Estrelas.

"Acho que também podemos ver um efeito bumerangue contra o Movimento Cinco Estrelas", diz Vera Capperucci, professora de história europeia contemporânea da universidade de estudos sociais LUISS, de Roma.

"Há muitos italianos que querem votar pelo "não" no referendo, mas testemunham a incapacidade dos líderes do Cinco Estrelas de governar adequadamente, especialmente aqui em Roma", diz ela, referindo-se ao caos político na administração da nova prefeita da capital italiana, Virgínia Raggi. "Muitos que nem gostam das reformas podem, no final, votar a favor delas, simplesmente como protesto contra o Movimento Cinco Estrelas.

 

Pular a seção Mais sobre este assunto