Refugiados sírios podem estar diante do exílio permanente por causa de lei de propriedade emitida por Assad e que os obriga a comprovar posse de imóveis no país no prazo de 30 dias. Oposição fala em limpeza étnica.
Anúncio
Os refugiados sírios correm o risco de perder suas residências na Síria em consequência de um decreto de reconstrução urbana emitido pelo presidente Bashar al-Assad.
Segundo a nova lei, os fugitivos do país devastado pela guerra civil têm apenas 30 dias para provar, por meio de documentação, a propriedade de imóveis depois que um novo plano de urbanização de uma área for aprovado, informaram jornais europeus nesta sexta-feira (27/04).
O chamado Decreto 10, emitido em 4 de abril, equivale a coagir de milhões de sírios deslocados – incluindo meio milhão que está na Alemanha – a retornar às regiões da Síria sob controle de Assad, avaliou o diário alemão Rheinische Post.
O jornal Süddeutsche Zeitung acrescentou que o governo alemão exortou a ONU, e particularmente a Rússia, a bloquear a legislação. Segundo os jornais alemães, que citaram especialistas da ONU no Oriente Médio, os afetados são especialmente aqueles que possuem apartamentos, prédios e terrenos e, especialmente, a classe média empreendedora.
A nova lei levantou temores de que os cidadãos sírios que se opuseram a Assad estarão sujeitos ao exílio permanente e que as pessoas consideradas leais ao regime receberão as propriedades daqueles.
Segundo o diário britânico The Guardian, como a maioria dos refugiados e deslocados está impossibilitada de retornar à terra natal apenas para provar a posse de propriedades, analistas e exilados afirmam que a lei e o prazo curto por ela estipulado podem servir como instrumento de mudança demográfica e engenharia social.
O Rheinische Post citou o Banco Mundial ao argumentar que a maioria dos refugiados sírios também não será capaz de apresentar provas por escrito porque os registros de terras cobrem apenas metade da Síria. Além disso, muitos documentos oficiais, por exemplo em Homs, foram destruídos na guerra, e poucos refugiados levaram consigo documentos de propriedade.
E comparecer com papéis ou entregar uma procuração para um advogado – conforme também estipulado no decreto – pode ser fatal, porque 1,5 milhão de sírios são procurados sob a acusação de terrorismo pelos serviços secretos da Síria.
O Guardian traçou paralelos entre o decreto de Assad e as leis promulgadas no Líbano, após a guerra civil, para tomar terras no centro de Beirute, e a lei de propriedade em Israel, em 1950, que legalizou as apreensões de palestinos expulsos de suas terras.
O Ministério do Exterior da Alemanha criticou o decreto de Assad, afirmando que ele equivale a uma desapropriação de propriedades "em grande escala" dos refugiados sírios, informou o Süddeutsche Zeitung.
Trata-se de uma aparente tentativa de modificar fundamentalmente as condições locais "em benefício do regime e de seus apoiadores e impedir o retorno de um grande número de sírios", acrescentou o governo alemão, segundo o diário.
O decreto de Assad é visto pelos grupos de oposição na Síria essencialmente como um pontapé inicial para a execução de uma espécie de limpeza étnica no país, segundo o Rheinische Post. Aqueles na vanguarda do levante na Síria em 2011, notadamente sunitas, enfrentam o despejo de centros econômicos, como Damasco, Homs, Aleppo e a costa do Mediterrâneo.
Os remanescentes nas regiões centrais de Assad seriam minorias – para as quais o líder sírio se apresentou como protetor – como alevitas, cristãos, drusos, xiitas e ismaelitas.
PV/ots
______________
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos noFacebook | Twitter | YouTube | WhatsApp | App | Instagram
Cronologia da guerra na Síria
O que se iniciou com protestos pacíficos em 2011 virou uma guerra civil brutal que já matou centenas de milhares de pessoas e fez milhões de refugiados. Reveja os principais acontecimentos.
Foto: Reuters/Stringer
2011: O início
Em 15 de março de 2011, protestos pacíficos contra a detenção de jovens acusados de fazer pichações antigoverno em sua escola, na cidade de Daraa, são reprimidos por forças de segurança, que abrem fogo contra manifestantes desarmados, matando quatro. Os protestos continuam por vários dias, fazendo 60 mortos e se espalham por todo o país. Segue-se um período de repressão violenta.
Foto: Anwar Amro/AFP/Getty Images
2011/2012: Isolamento internacional
O ex-presidente Barack Obama insta o presidente Bashar al-Assad a renunciar, e os EUA anunciam sanções a Assad em maio e congelam bens do governo sírio nos EUA em agosto de 2011. A União Europeia também anuncia sanções, em setembro. Em novembro, a Liga Árabe suspende a Síria e impõe sanções ao regime. Também a Turquia anuncia uma série de medidas, incluindo sanções, em dezembro.
Foto: AP
2012: Observadores internacionais desistem
Em dezembro de 2011, a Síria permite a entrada de observadores da Liga Árabe para monitorar a retirada de tropas e armas de áreas civis. A missão é suspensa em janeiro de 2012. Em fevereiro, os EUA fecham sua embaixada em Damasco. Em abril de 2012, chegam observadores da ONU, que partem dois meses depois por falta de segurança.
Foto: REUTERS
2013: Ataque com gás
Em março, um ataque com gás mata 26 pessoas, ao menos a metade deles soldados do governo, na cidade de Khan al-Assal. Investigação da ONU conclui que foi usado gás sarin. Em agosto, outro ataque com gás mata centenas em Ghouta Oriental, um subúrbio de Damasco controlado pelos rebeldes. A ONU afirma que mísseis com gás sarin foram lançados em áreas civis. Os EUA e outros países culpam regime sírio.
Foto: picture-alliance/AP Photo
2013: Destruição de armas químicas
Em agosto, investigadores da ONU chegam à Síria para averiguar o uso de armas químicas, em meio a denúncias de médicos e ativistas. EUA afirmam que 1.429 pessoas morreram num ataque, e Obama pede ao Congresso autorização para ação militar. Em setembro, o Conselho de Segurança da ONU ameaça usar a força e, em outubro, Damasco inicia a destruição de seu arsenal declarado de armas químicas.
Foto: AFP/Getty Images
2014: EUA atacam "Estado Islâmico"
Em setembro, os EUA iniciam ataques aéreos a alvos do "Estado Islâmico" na Síria. Em outubro, o mediador da ONU, Staffan de Mistura, começa a negociar uma trégua ao redor de Aleppo, mas o plano fracassa meses depois.
Foto: picture-alliance/AP Photo/V. Ghirda
2015: Rússia entra no conflito
Em setembro, a Rússia, que desde o início fornecera ajuda militar ao governo sírio nos bastidores, entra ativamente no conflito, bombardeando opositores do regime. A ajuda se mostra decisiva, e a guerra civil passa a pender para o lado de Assad, que nos meses seguintes recupera território perdido para os rebeldes.
Foto: Reuters/Rurtr
2016: Governo controla Aleppo
A ONU e a Opac afirmam que tanto militares sírios quanto o "Estado Islâmico" usaram gás em ataques a opositores. O ano é marcado por várias tentativas de tréguas. Em setembro, a cidade de Aleppo é alvo de 200 ataques aéreos por forças pró-Assad num fim de semana. Em dezembro, as forças governamentais assumem controle de Aleppo, encerrando quatro anos de domínio dos rebeldes.
Foto: Getty Images/AFP/G. Ourfalian
2017: Ataque em Idlib
Em fevereiro, Rússia e China vetam resolução do Conselho de Segurança da ONU pedindo sanções ao governo sírio pelo uso de armas químicas. Em abril, ao menos 58 pessoas morrem na província de Idlib, dominada pelos rebeldes, no que aparenta ser um ataque com gás. Testemunhas afirmam que o ataque foi executado por jatos sírios e russos, mas tanto Moscou quanto Damasco negam bombardeio.
Foto: Getty Images/AFP/O. H. Kadour
2017: Resposta dos EUA
Em abril, os EUA lançam dezenas de mísseis sobre a base militar de onde se acredita ter saído o ataque em Idlib. Em maio, o presidente Donald Trump aprova planos para armar combatentes das milícias curdas YPG na luta contra o "Estado Islâmico". A medida enfurece a Turquia, que vê as YPG como um grupo terrorista. Em outubro, o "Estado Islâmico" perde o controle de Raqqa, sua autoproclamada capital.
Em janeiro, aviões turcos bombardeiam a região curda de Afrin, dando início à operação contra as YPG intitulada "Ramo de Oliveira". A Turquia anuncia a morte de centenas de "terroristas", mas entre os mortos estão dezenas de civis, dizem ativistas. Em fevereiro, as milícias YPG chegam a acordo com o regime sírio para o envio de tropas pró-governo para auxiliar no combate aos turcos em Afrin.
Foto: picture alliance/AA/E. Sansar
2018: Ofensiva em Ghouta Oriental
Em 21 de fevereiro, tropas pró-regime executam ofensiva em larga escala contra enclave rebelde localizado ao leste de Damasco. Em torno de 400 mil civis ficam sitiados, com acesso limitado a alimentos e cuidados médicos. Os ataques matam centenas de pessoas. No dia 24 de fevereiro, o Conselho de Segurança da ONU aprova trégua humanitária de 30 dias vigente em todo o território sírio. Ela fracassa.
Foto: Reuters/B. Khabieh
2018: O bombardeio ocidental
Após dias de ameaça, em 14 de abril Trump anuncia o lançamento de mais de cem mísseis, em conjunto com França e Reino Unido, na Síria. O ataque é uma retaliação ao ataque químico na cidade de Duma, que matou dezenas de civis e que o Ocidente atribui ao regime de Bashar al-Assad.
Foto: picture-alliance/AP Photo/L. Matthews
2019: Estados Unidos começam a se retirar da Síria
Em janeiro de 2019, os Estados Unidos começaram a se retirar da Síria. O presidente americano afirmou que o Estado Islâmico havia sido derrotado e, por isso, a presença dos EUA não seria mais necessária. A decisão foi contestada dentro do próprio governo e também pelas milícias curdas na Síria, aliadas dos EUA, que temiam enfraquecer-se.
Foto: Getty Images/AFP/D. Souleiman
2019: fim do autoproclamado califado do EI
Em março de 2019, as Forças Democráticas Sírias (FDS), aliança liderada por curdos, anunciaram que o autoproclamado califado do Estado Islâmico foi totalmente eliminado, após combates em Baghouz, considerado o último reduto jihadista na Síria. Militantes curdos e árabes das FDS, apoiados pela coalizão internacional liderada pelos EUA, combatiam há várias semanas os jihadistas.