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Refugiados sírios mantêm "revolução" viva na Turquia

Ruby Russell / Louise Osborne, de Antakya (ca)26 de agosto de 2015

Foco do violento conflito mudou das atrocidades do regime Assad para o "Estado Islâmico". Mas ativistas que participaram dos protestos pacíficos de quatro anos atrás dizem que compromisso com o movimento não arrefeceu.

O jovem sírio Mustafá e sua esposa Leila
Foto: DW/L. Osborne

Na cidade turca de Antakya, o jovem sírio Mustafá e sua esposa Leila reveem no laptop cenas da revolta pacífica da qual participaram mais de quatro anos atrás em seu país. São imagens de homens e mulheres balançando bandeiras enquanto marcham pelas ruas de Latakia, no nordeste da Síria.

Muito mudou desde aqueles dias, que a mídia internacional descreveu como "levante" na Síria. Agora, os confrontos violentos entre uma infinidade de grupos armados é normalmente chamado de "conflito". Mas para Leila e Mustafá, como também para muitos sírios, isso foi e ainda é "a revolução".

Atrocidades ofuscadas

No início deste mês, cidadãos de Latakia também ganharam as ruas em protesto, depois que um primo do presidente Bashar al-Assad matou a tiros na rua um oficial da Força Aérea síria. Em Antakya, Aboud, outro antigo residente daquele bastião do regime, afirmou não ter esperanças de que tais protestos venham a ter muito impacto sobre Assad.

"O máximo que essa manifestação estava pedindo era punição para o primo de Assad. Mas sabemos que não se trata do seu primo. A família Assad fez muitas coisas semelhantes. É culpa do regime", diz Aboud, que desertou há três anos do Exército sírio e agora trabalha para uma ONG em Antakya.

Ele diz que, sob Assad, os cidadãos nem ousam pensar criticamente sobre o governo. E, desde que o levante teve início, em 2011, o regime ficou ainda mais cruel. Aboud relata que a cidade de Latakia, onde a sua família ainda vive, é aterrorizada pela milícia pró-regime Shabiha e que é grande o número de sequestros. O próprio pai de Aboud foi levado há três anos pelos milicianos e não foi visto desde então.

Protestos na revolução síria em 2011Foto: picture-alliance/dpa/Shaam New Network

Mas, atualmente, tais atrocidades têm sido ofuscadas pela brutalidade de combatentes estrangeiros que entraram no conflito. Particularmente doloroso para ativistas como Aboud é o fato de que, desde o início, o regime classificou erroneamente o levante pacífico como sectário, islamista e a serviço de interesses estrangeiros. Agora, tais acusações se tornaram realidade.

"Em algum momento, a revolução mudou para outra coisa", diz Aboud. "Agora temos o 'Estado Islâmico', temos Al Qaeda, temos diferentes grupos islâmicos conservadores. Pelo lado do regime, temos o Hisbolá, o Irã. De uma revolução, o sonho se transformou numa guerra civil, numa guerra sectária. Não é mais uma guerra síria."

Uma mulher na linha de frente

Leila e Mustafá testemunharam de perto essa transformação. A jovem síria descreve como suas atividades em Latakia progrediram de pichação e participação em protestos públicos para contrabando de armas para os combatentes do Exército Livre da Síria (ELS) escondidos nas montanhas ao norte da cidade. Entre eles, estava Mustafá, que atendia pelo nome de Assad al-Islam – "Leão do Islã". Numa dessas missões, conta Leila, ela recebeu um telefonema de um amigo dizendo para ela não voltar para casa, pois o regime estava atrás dela.

"Então falei aos rapazes que queria ficar", afirma Leila. "Havia o comandante, Abu Bazir. Ele falou: 'Ok, você faz parte da família agora'. E também tinha o Assad al-Islam. Ele disse: 'De forma alguma. O que ela vai fazer aqui?'"

O que ela fez foi tomar conta do depósito de munições e trabalhar na logística. Mas o "Leão do Islã" não ficou feliz com o acordo. Quando os seus argumentos contra a permanência de Leila perderam o sentido, ele a viu tomar parte da linha de frente sob o peso da jaqueta e das armas. Mas ela passou no teste com "graça", aponta Mustafá. E ele percebeu estar apaixonado. Eles informam que foram o primeiro casal a se casar numa área controlada pelos rebeldes.

No entanto, essa união foi motivo de controvérsia junto a um determinado grupo aliado do ELS naquela época: o "Estado Islâmico" (EI). Mustafá explica que o fato de sua esposa ter origem croata faz dela um motivo de suspeita.

"Quando estávamos na Síria, eu esperava constantemente que o EI atacasse a base e prendesse Leila", lembra Mustafá. "Todo mundo sabe que tenho uma mentalidade jihadista – mesmo antes da revolução. Mas perguntei sobre isso, e a resposta deles me chocou. Eles disseram: 'Você é um cara legal, mas devido ao seu casamento com esta mulher, que é uma espiã, você mudou.'"

Família de Assad já cometeu muitas atrocidadesFoto: picture-alliance/dpa

Uma traição súbita

O evento decisivo para o afastamento entre o ELS e o EI aconteceu em junho de 2013, quando o grupo radical islâmico matou o comandante do ELS Kamal Hamami, também conhecido como Abu Bazir, o homem que havia aceitado Leila na brigada.

"Ele morreu devido à sua honestidade e por querer salvar vidas", explica Mustafá. "Havia uma disputa entre nossa brigada e milícias do EI. Um encontro foi marcado entre Abu Bazir e o líder das brigadas do EI na região. Bazir disse aos homens que o acompanhavam para deixar as armas no veículo e vir desarmados."

A demonstração de boa fé não foi recíproca. Mustafá conta que, após 20 minutos de conversa, ele viu o comandante iraquiano do EI atirar na cabeça de Hamami. "Foi uma virada na história da revolução. Antes disso, não sabíamos que o EI poderia ser uma ameaça séria à revolução síria. Depois do ocorrido, decidimos combatê-lo."

"A surpresa foi que o inimigo adveio de pessoas que havíamos acolhido", acrescenta Mustafá. "Pessoas de quem esperávamos que lutassem ao nosso lado e nos protegessem. Nunca esperávamos ser traídos por essa gente." Mais tarde, Mustafá convenceu a esposa de que ela e a filha do casal, atualmente com um ano e meio de idade, estariam mais seguras na Turquia.

EI e outras ameaças

Aboud, Mustafá e Leila relembram juntos os dias heroicos da revolta – a esperança e a euforia. Isso não quer dizer que eles veem o futuro da Síria da mesma forma. Mustafá é um declarado salafista, enquanto para Aboud deseja um Estado secular. Mas há pontos de intersecção.

"Mustafá e eu temos muitos pontos de vista diferentes", explica Leila. "Mas, no final, não queremos que a Síria toda pense da mesma forma. Este é o teor da revolução. Eu posso ter a minha opinião e ele pode ter a dele. Não importa que você seja um socialista, um liberal, um islamista, está tudo bem desde que você não machuque ninguém. Desde o início, essa é a minha esperança. De que todos tenham o direito de expressar suas opiniões."

Entrada de combatentes estrangeiros mudou caráter de guerra civil na SíriaFoto: Reuters/Alaa Khweled

Os ativistas sírios, no entanto, são extremamente realistas quanto aos desafios que têm pela frente. "Se você quiser voltar para combater por aquilo que lutamos inicialmente, é preciso afastar o EI", diz Leila.

Mustafá continua a cruzar a fronteira e a lutar contra o EI na Síria. Atualmente, Leila trabalha com crianças sírias na Turquia, ensinando matemática, entre outros. Mas ela se diz frustrada.

"Neste momento, estamos fazendo o possível para ajudar a revolução. Mas podemos fazer mais se estivermos na Síria, porque aquelas crianças precisam de nós."

Leila afirma estar disposta a voltar – desta vez acompanhada de uma criança pequena. "Estou tentando planejar como podemos chegar lá. Hoje. Amanhã. Depois de amanhã. Mas a fronteira está fechada. Tem o EI, tem a Frente al-Nusra. É muito perigoso. Eu não sei o que vai acontecer. Mas há o plano de voltar."

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