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MigraçãoAlemanha

Refugiados ucranianos na mira da centro-direita alemã

25 de junho de 2024

Para a ala que vai dos conservadores cristãos aos neoliberais, "desertores" que buscaram abrigo da guerra estão abusando do sistema social da Alemanha. Social-democratas e verdes discordam, e estatísticas desmentem.

Indicação de acolhimento para refugiados de guerra ucranianos na estação central de Berlim
Acolhimento para ucranianos na estação central de Berlim: 260 mil dos refugiados na Alemanha são homens entre 18 e 60 anosFoto: Carsten Koall/dpa/picture alliance

Os partidos de centro-direita da Alemanha, que lideram as pesquisas de popularidade, estão endurecendo seu posicionamento em relação aos refugiados da guerra na Ucrânia, iniciada com a invasão pela Rússia em 24 de fevereiro de 2022. O líder da bancada parlamentar da União Social Cristã (CSU), Alexander Dobrindt, pleiteia que quem não encontrar emprego seja enviado de volta.

"Mais de dois anos após o começo da guerra, deve se aplicar o princípio: encontrem trabalho na Alemanha ou retornem às áreas seguras no oeste da Ucrânia", comentou ao tabloide Bild. Em sua coletiva de imprensa regular desta segunda-feira (24/06), o Ministério alemão das Relações Exteriores respondeu: não há zonas seguras na Ucrânia.

Embora a alegação tenha sido repetidamente refutada por especialistas em migração, Dobrindt insistiu que a concessão do bürgergeld (renda cidadã) vem desencorajando os ucranianos de procurar emprego: "Precisamos de pressões mais fortes para os requerentes de asilo cooperarem, quando se trata de aceitar trabalho."

O argumento já fora levantado pela irmã maior da CSU, a União Democrática Cristã (CDU) e em seguida pela menor legenda da coalizão de governo em Berlim, o neoliberal Partido Liberal Democrático (FDP).

"Refugiados recém-chegados da Ucrânia não deveriam mais receber renda cidadã, mas ser colocados sob a Lei de Benefícios para Requerentes de Asilo", reivindicou em 17 de junho, no Bild, o secretário-geral do FDP, Bijan Djir-Sarai. Isso forçaria os ucranianos a procurarem emprego, afirmou.

"Temos falta de mão de obra por toda parte – nos setores de restaurantes e de construção, por exemplo, ou no de cuidados de saúde. Não devíamos estar mais usando o dinheiro dos contribuintes para financiar desemprego, mas sim assegurar que as pessoas consigam emprego."

"Desertores" ucranianos na mira de neoliberais e conservadores alemães

O presidente do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (DIW), Marcel Fratzscher, descarta as exigências do FDP como "populismo descarado": "Ninguém vai estar melhor, ninguém vai ter um só euro a mais, se a Alemanha tratar mal os refugiados e cortar seus benefícios", afirmou à rede jornalística RND.

As demais siglas da coalizão governamental, Partido Social-Democrata (SPD) e Verde, rejeitaram a sugestão do FDP, mas ela foi imediatamente acolhida pela conservadora CDU, antiga parceira dos neoliberais em governos anteriores.

"Não faz sentido falar de apoiar a Ucrânia do melhor modo possível e, ao mesmo tempo, pagar por ucranianos que desertaram de seu país", comentou o secretário do Interior do estado de Brandemburgo, o democrata-cristão Michael Stübgen, à RND.

Democrata-cristão alemão Alexander Dobrindt: quem não encontrar emprego, que volte para a UcrãniaFoto: dts Nachrichtenagentur/picture alliance

Segundo dados oficiais de março de 2024, cerca de 1,3 milhão de cidadãos ucranianos vivem atualmente na Alemanha. A maioria são mulheres e crianças, mas 260 mil são homens entre os 18 e 60 anos de idade.

Os porta-vozes de Berlim se apressaram em esclarecer que o posicionamento do FDP não refletia o do chanceler federal Olaf Scholz, assegurando que não há qualquer plano para modificar a assistência concedida aos refugiados ucranianos. Na realidade, apenas na semana anterior, os secretários do Interior da União Europeia haviam acordado em prorrogar até 2026 a proteção especial a esse grupo de migrantes.

Esse status poupa os ucranianos de atravessarem um longo processo de solicitação de asilo ao chegarem. Eles ficam livres para escolher seu local de residência e têm direito imediato a educação, permissão de trabalho e benefícios sociais – caso sua renda ou eventuais bens não bastem para lhes custear a subsistência.

Ajuda de médio prazo vital para quem chega

O ucraniano Alexander (nome alterado), de 37 anos, recebeu durante cerca de um ano bürgergeld em Berlim. Ele diz compreender o sentimento por trás das reivindicações do FDP e da CDU, porém o benefício foi vital em ajudá-lo a encontrar equilíbrio, num período muito sombrio de sua vida.

"Quando cheguei aqui, eu estava totalmente perdido, perdido mentalmente. Aí nos fomos até a Central de Trabalho e recebemos os pagamentos, tínhamos o apoio deles. No meu caso, tudo correu bem tranquilo."

Alexander tinha uma carreira bem-sucedida como produtor musical e designer de som em seu país. Paralelamente à renda cidadã – atualmente de 563 euros por mês para solteiros – recebeu aconselhamento profissional e ajuda para encontrar um curso de idioma alemão. Dentro de um ano, não mais precisava do auxílio estatal. Sob a Lei de Benefícios para Requerentes de Asilo, ele teria apenas direito a 354 euros mensais, sem acesso à Central de Trabalho.

A história de Alexander não é única, como mostraram análises realizadas por Kseniia Gatskova, do Instituto de Pesquisa Trabalhista (IAB), que coordenou um estudo de longo prazo com refugiados de guerra ucranianos na Alemanha. "Claro que a renda cidadã é importante, ela permite dar conta da vida quotidiana. Mas integração significa muito mais: os refugiados necessitam medidas abrangentes de integração, como cursos de língua e orientação profissional."

Destruição em Donetsk. Ministério alemão do Exterior: não há zonas seguras na UcrâniaFoto: Jose Colon/Anadolu/picture alliance

Em março de 2024 a Agência Federal do Trabalho contava mais de 700 mil ucranianos recebendo benefícios-desemprego básicos. Entre eles, 501 mil classificados como aptos ao trabalho, e 217 mil inaptos, a maioria, crianças. Cerca de 185 mil ucranianos tinham emprego remunerado e contribuíam para a seguridade social.

Em outubro, um estudo da Fundação Friedrich Ebert revelou que a integração dos refugiados ucranianos no mercado de trabalho alemão estava atrás da de outros países da UE: enquanto apenas 18% haviam encontrado emprego na Alemanha, na Polônia, República Tcheca e Dinamarca a marca era de 66% ou mais.

Ainda assim, nos últimos dois anos aumentou a velocidade com que os ucranianos encontram ocupação na Alemanha, frisa Gatskova: "Eles são muito dispostos a se integrar no mercado de trabalho, mais de 90% dos refugiados quer trabalhar na Alemanha." Contudo: "Como é que as pessoas vão poder se financiar, num período em que ainda não aprenderam o idioma alemão, suas qualificações não foram reconhecidas e ainda não encontraram um emprego?"

Nem todo ucraniano quer ir para a guerra

Com o envelhecimento progressivo de sua população, a Alemanha vem se tornando cada vez mais dependente de mão de obra estrangeira em diversos setores. Mas o que incomoda muitos críticos é o fato de tantos refugiados da Ucrânia, como Alexander, estarem em idade de lutar na guerra contra a Rússia. A verdade incômoda, entretanto, é que muitos ucranianos não querem lutar.

"É muito diferente o modo como a gente percebe a guerra aqui, e como um cara de um país onde há guerra percebe", frisa Alexander. "Acho que, se um país promete ajuda, ele precisa ajudar as pessoas. Eu me sinto em dívida com a Alemanha e estou realmente grato, e vou retribuir com os meus impostos."

"Acho bastante bom sustentar quem vem para um país por um ou dois anos, é um investimento em mão de obra futura, vai ajudar o seu país a crescer", prossegue o produtor. "Outra questão é: como sustentar essa gente? Para mim, deveria ser um, dois, três anos no máximo."

Assim como outros especialistas, Gatskova está convencida de que o sistema precisa de uma reforma para ajudar mais refugiados a encontrarem emprego, sejam ucranianos ou não: "Não estamos pedindo a remoção das barreiras institucionais para integração ao mercado de trabalho. Os processos de asilo, proibição de trabalho e restrições de mobilidade mais prolongados têm impacto negativo sobre a integração."