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"Regime isolado do Irã não tem como sobreviver à crise"

Shamil Shams av
2 de janeiro de 2018

Em entrevista à DW, especialista em política iraniana fala sobre atual onda de protestos no país, com o povo exigindo o fim da teocracia, e o regime insistindo no velho mantra de intervenção dos Estados Unidos.

Manifestantes no Irã
Protesto iniciados no fim do ano já deixaram mais de 20 mortos no IrãFoto: picture-alliance/abaca/Stringer

Ao menos 21 pessoas foram mortas nos protestos contra o governo de Hassan Rohani no Irã, desencadeados no fim do ano pelo alto grau de descontentamento popular com a situação econômica nacional. Entre outros fatores, uma elevada taxa de inflação assola o país desde o início dos anos 1970.

Em entrevista à DW, o especialista em política iraniana Paulo Casaca prevê que o governo Rohani não sobreviva à atual onda de manifestações.

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Casaca, que é fundador e diretor executivo do Fórum Democrático do Sul da Ásia (SADF), sediado em Bruxelas, também justifica a estratégia do chefe de Estado americano, Donald Trump, de manifestar interesse pelos iranianos descontentes: "Os EUA precisam transformar a 'política de tuíte' de seu presidente em políticas reais e apoiar inteiramente os protestos em curso no Irã, [...] porque seu sucesso é crucial para os iranianos e a comunidade internacional."

DW: A razão principal por trás dos protestos populares no Irã é a frustração dos cidadãos com a situação econômica do país. Mas também há outros fatores que forçaram os iranianos a irem às ruas?

Paulo Casaca: Questões econômicas deram a partida a um movimento de protesto que rapidamente se transformou em algo maior, com o povo exigindo a troca do regime, o fim da teocracia e sua substituição por uma forma democrática de governo.

O senhor acha que os protestos podem escalar e levar à queda do regime teocrático do Irã?

Sim. Desta vez, esse regime isolado não tem como sobreviver à crise. Ninguém, dentro e fora do Irã, acredita mais na farsa dos "reformistas conservadores". O regime só a manteve intacta através de repressão. A questão é se as condições que permitiram, por exemplo, o regime da Síria continuar, apesar da impopularidade, também se aplicarão ao Irã.

A liberação feminina se transformou numa reivindicação-chave de grande parte dos manifestantes iranianos. A Arábia Saudita também parece estar gradativamente permitindo mais liberdade para as mulheres. Por que se está vendo um movimento feminista nesses dois países, neste momento?

A misoginia é uma marca registrada das velhas formas conservadoras do islã, a exemplo do wahabismo saudita ou de movimentos islâmicos modernos, como a Irmandade Muçulmana e o xiismo iraniano. A revolta contra a misoginia é uma força estrutural fundamental que desafia todas as formas de islamismo, especialmente no Irã, à medida que os países vão avançando culturalmente.

Os setores xiitas linha-dura do Irã acusam os Estados Unidos de estarem orquestrando os protestos. O senhor vê uma participação do governo do presidente Donald Trump?

Esse é o velho mantra do regime iraniano, toda vez que é confrontado com os movimentos cidadãos antigovernistas. A acusação de intervenção americana, no entanto, não pode ser levada a sério.

Na verdade, nos últimos anos, o Ocidente tem assumido uma postura conciliadora em relação ao Irã – a administração americana sob o ex-presidente Barack Obama é um bom exemplo dessa abordagem. Mas Trump reconhece que um regime erguido sobre a permanente narrativa de "morte à América" não pode ser amigo dos EUA. A abordagem de senso comum de Trump ainda precisa penetrar nas complexas estruturas de poder nos EUA (e em outras partes do Ocidente), que ainda estão dominadas por uma falta de compreensão da realidade do Irã.

Os EUA precisam transformar a "política de tuíte" de seu presidente em políticas reais e apoiar inteiramente os protestos em curso no Irã, não só devido à visão simplista de que eles são bons para os EUA, mas porque seu sucesso é crucial para os iranianos e a comunidade internacional.

Que papel tiveram as sanções americanas para o agravamento da situação econômica no Irã, indiretamente causando a revolta?

Nós presenciamos a desescalada das sanções de Washington até o princípio de 2017. As novas sanções americanas ainda têm que surtir efeito sobre a vida cotidiana dos cidadãos iranianos. Obama chegou a dar vários milhões de dólares para as autoridades iranianas que costumavam exportar terrorismo para a região, em vez de empregá-los no bem-estar dos iranianos.

Que opções o presidente Hassan Rohani tem para controlar a situação?

Rohani tem evitado o povo iraniano. Acho que ele não tem credibilidade doméstica, nem influência sobre o único instrumento que poderia funcionar na presente situação: repressão brutal. As Guardas Revolucionárias do Irã não dependem em absoluto dele, pois são controladas pelo líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei.

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