Reichstag: o símbolo da luta alemã pela democracia
Kay-Alexander Scholz
1 de setembro de 2020
Parlamento em Berlim foi palco de diversos episódios históricos da Alemanha. Devido a esse passado, tentativa de invasão do local por extremistas de direita durante atos negacionistas da covid-19 chocou o país.
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Em comparação com outros Estados ocidentais, como o Reino Unido ou os Estados Unidos, a Alemanha ainda é uma jovem democracia. O Reichstag em Berlim, a sede do Parlamento alemão desde 1999, representa essa história recente e dinâmica. Além, talvez, do Portão de Brandemburgo, não há nenhum outro edifício na capital alemã que ostente uma carga tão simbólica.
Construído no final do século 19, durante a breve era do Império Alemão, o Reichstag ficava a cerca de um quilometro da então era a residência imperial, o Palácio da Cidade de Berlim (Berliner Stadtschloss). Diz-se que Guilherme 1º – o primeiro imperador do unificado Império Alemão a partir de 1871 – se irritava com o fato de que a cúpula do Reichstag era mais alta do que a do palácio.
Já naquela época, muito girava em torno do simbolismo. O imperador não ligava muito para o Parlamento e há relatos de que ele inclusive se referiu à assembleia como "Reichsaffenhaus" (jaula de macacos do Império, na tradução literal). A aprovação da inscrição "Dem deutschen Volke" (Ao povo alemão), encravada acima do portal oeste do Reichstag, foi dada por Guilherme 1º apena em 1916, em plena Primeira Guerra Mundial.
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Palco de diversos marcos da história
O fim da monarquia também está atrelado ao edifício do Reichstag. Em 9 de novembro de 1918, da varanda do prédio, o político do Partido Social-Democrata (SPD) Philipp Scheidemann proclamou a "República Alemã", que posteriormente levaria o nome oficial de República de Weimar.
Os nazistas sob Adolf Hitler desprezavam o parlamento e a democracia. No início de 1933, eles chegaram ao poder. Em fevereiro do mesmo ano, um incêndio criminoso danificou quase por completo o Reichstag. As circunstâncias do incêndio nunca foram esclarecidas. Os extremistas de direita, porém, usaram o incidente para impulsionar a suspensão da maioria dos direitos básicos garantidos pela Constituição de 1919. Estava aberto o caminho para o reinado de terror, guerra e o Holocausto de Hitler seguir seu curso.
Em 1945, depois que o Exército Vermelho invadiu e libertou Berlim, uma bandeira soviética foi hasteada no Reichstag como símbolo da vitória. A foto ganhou o mundo e está impressa em vários livros de história.
Depois do fim da Segunda Guerra, iniciou-se a restauração do Reichstag, mas devido à divisão da Alemanha, os trabalhos de reconstrução ficaram estagnados por décadas, já não havia mais um Parlamento alemão unificado.
O muro, que cortou a Alemanha e Berlim a partir de 1961, transcorria rente ao lado leste do edifício, que ficava no limite do setor britânico. O Bundestag (Parlamento alemão) da República Federal da Alemanha, fundada em 1949, estava localizado em Bonn, a então capital da Alemanha Ocidental.
Com a Reunificação da Alemanha em 1990, Berlim se tornou não apenas a capital do país, mas também novamente a sede do Parlamento – no antigo prédio do Reichstag. O pontapé inicial para o recomeço foi dado em 1995, quando o casal de artistas Jeanne-Claude e Christo embrulhou o edifício.
Por duas semanas, entre 24 de junho e 7 de julho de 1995, milhões de pessoas visitaram o Reichstag empacotado com mais de dez hectares de polipropileno resistente ao fogo e uma capa prateada e cintilante de alumínio, antes de ser reinstaurado como sede do Parlamento alemão.
Especialmente devido a essa história, os políticos alemães demonstraram indignação com a tentativa de invasão ao Reichstag promovida por extremistas de direita no fim de semana, durante os protestos contra as restrições impostas para conter a pandemia de coronavírus.
O presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, falou de "um ataque insuportável ao coração da nossa democracia". O porta-voz do governo federal, Steffen Seibert, criticou as "imagens vergonhosas que são inaceitáveis". O presidente do Bundestag, Wolfgang Schäuble, vê violados "os limites da decência".
Os manifestantes foram impedidos de entrar nas dependências do edifício, mas conseguiram romper as barreiras e ocupar a escadaria externa do Reichstag. Muitos dos envolvidos portavam roupas e bandeiras associadas ao movimento neonazista Reichsbürger (cidadãos do Reich), que nega a legitimidade do Estado alemão pós-guerra e quer o retorno das fronteiras nacionais de 1937.
No próprio Bundestag, iniciou-se um debate sobre como o Parlamento alemão pode ser mais bem protegido. Todos os partidos ali representados condenaram os incidentes do fim de semana. A populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que promoveu os protestos negacionistas, distanciou-se dos ataques ao edifício parlamentar.
Vida de político na Alemanha
Quanto ganha um deputado federal alemão? E a chanceler Angela Merkel e o presidente Steinmeier? Além do salário, parlamentares e autoridades governamentais alemães têm vários outros benefícios.
Foto: picture alliance/dpa/L.Schulze
Salário da chefe de governo
Além de um salário de 18,7 mil euros, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, tem direito como membro do Parlamento à metade da "dieta" de um deputado federal, ou seja, 4,8 mil euros, como também a uma ajuda de custo livre de impostos de 3,3 mil euros e a outros benefícios. No total, sua remuneração chega a cerca de 28,8 mil euros mensais ou quase 345 mil euros (1,55 milhão de reais) anuais.
Foto: Getty Images/AFP/Hoang Dinh Nam
Apartamento funcional
A chefe de governo também tem direito a uma residência completamente equipada. Na Chancelaria Federal (foto), no centro de Berlim, há um apartamento funcional no oitavo andar à sua disposição, mas Angela Merkel preferiu continuar vivendo em sua antiga moradia num prédio de quatro pavimentos onde mora com o esposo em frente à Ilha dos Museus, não muito longe do seu local de trabalho.
Foto: imago/IPON
Aviões governamentais
Um Airbus serve ao transporte aéreo da chanceler Angela Merkel e do presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier. Depois que panes em antigos aviões da frota governamental de 14 aeronaves levaram Merkel a chegar atrasada ao G20 em Buenos Aires no final do ano passado, o governo em Berlim anunciou a compra de três novos A350-900. Planeja-se também uma aeronave reserva sempre à disposição.
Foto: Michael Kappeler/AFP/Getty Images
Stylist, guarda-costas e motorista
Obviamente Angela Merkel tem uma assessora que cuida de seu visual, como também uma chefe de gabinete que trata de sua agenda. Sua proteção é assegurada por uma equipe de 15 a 20 guarda-costas, que trabalham em turnos. O motorista da chefe de governo dirige um Audi A8 blindado. A frota da Chancelaria Federal abrange 20 carros, todos de marcas alemãs: Mercedes, BMW, Audi e Volkswagen.
Foto: Imago
"Dieta" de deputados
Na Alemanha, os 709 parlamentares em Berlim não recebem oficialmente um salário, mas um subsídio também chamado de "dieta". Atualmente, ela corresponde a 9.780 euros, mas é corrigida anualmente em 1° de julho, conforme o aumento do custo de vida. Neste ano, a "dieta" dos deputados federais alemães ultrapassará os 10 mil euros. Esse aumento também afetará as pensões dos parlamentares.
Foto: Getty Images/J. MacDougall
Aposentadoria parlamentar
A cada ano no Bundestag, um deputado alemão tem direito a 2,5% de sua remuneração para sua aposentadoria, ou seja, mais de 251 euros em 2019. A taxa máxima de 67,5%, a ser paga a partir de 67 anos de idade, é alcançada após 27 anos de trabalho parlamentar. Junto a "dieta" e pensão, os parlamentares em Berlim também têm outros benefícios.
Foto: picture alliance/dpa/O. Berg
Ajuda de custo e viagens de trem
Além de sua remuneração, cada parlamentar alemão recebe mensalmente uma quantia de 4.418 euros, livre de impostos e corrigida a cada 1° de janeiro. Ele serve para cobrir os custos incorridos no contexto do mandato político, como acomodação e refeições. Despesas de viagens oficiais são ressarcidas, e cada deputado tem direito a viajar gratuitamente de primeira classe em trens na Alemanha.
Foto: picture-alliance/dpa
Parentes às próprias custas
Os parlamentares também têm direito a atuais 21.536 euros mensais para despesa com funcionários. O dinheiro é pago diretamente aos empregados. Se o parlamentar empregar algum familiar, ele vai ter que pagá-lo do seu próprio bolso. O Parlamento também possui um serviço de motoristas que funciona dentro da cidade de Berlim e que pode ser requisitado pelos deputados caso necessitem.
Foto: picture alliance/Markus C. Hurek
Ajuda de reinserção
Os deputados também podem exercer atividades paralelas à sua função no Bundestag, como em conselhos de empresas. O ganho proveniente de tais atividades não é descontado de sua remuneração parlamentar. Para cada ano de mandato, o deputado tem direito ainda a uma chamada "ajuda transitória" para sua reinserção na antiga profissão equivalente a 9.541 euros mensais, pagos até 18 meses.
Foto: Imago/Westend61
Remuneração ministerial
Segundo a União dos Contribuintes da Alemanha (BdSt), os ministros alemães ganham pouco mais de 15 mil euros mensais, mais uma ajuda de custo. Há ainda uma quantia anual livre de impostos de cerca de 3,7 mil euros. Aqueles com mandato parlamentar (atualmente 10 de um total de 15 ministros) ainda recebem uma parcela de sua "dieta" que faz elevar seus salários a mais de 20 mil euros.
Foto: picture-alliance/dpa/M.Kappeler
Voos comerciais
Uma decisão tomada este ano em reação às panes com aviões governamentais estipula que, com exceção do ministro do Exterior, do ministro das Finanças e do ministro do Interior, os demais membros do gabinete deverão recorrer a aeronaves comerciais para seus compromissos oficiais no exterior. Mas todos os ministros têm direito a um carro oficial, que também pode servir para uso particular.
Foto: Fotolia/dell
Ajuda e pensão
Já após um dia no cargo, um ministro tem direito a quase 71 mil euros em ajuda transitória pós-mandato, que pode ascender a 213 mil euros dependendo do tempo que ficou na pasta. E quem foi ministro por ao menos dois anos pode esperar aposentadoria, que é de 28% do salário para quatro anos de mandato. A cada ano adicional, a pensão aumenta 2,4 % até um máximo de 11,3 mil euros.
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"O primeiro homem no Estado"
Na Alemanha, o presidente é o principal cargo estatal, não é à toa que ele é chamado de "o primeiro homem no Estado", mas sua função é, sobretudo, representativa. O chefe de Estado é antes de tudo uma autoridade moral e sua influência vai depender de sua personalidade. Segundo o escritório presidencial, ele recebe um salário de 236 mil euros anuais mais uma ajuda de custo anual de 78 mil euros.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Zinken
Casa, carro e avião
O presidente alemão vive em residência oficial, que hoje está abrigada na Villa Wurmbach no bairro berlinense de Dahlem após reforma do escritório presidencial no Palácio Bellevue (foto); é guiado em limusine blindada com a placa "0-1" e tem uso privilegiado da frota de aviões governamentais. Os benefícios a que têm direito após deixar o cargo foram, no entanto, revisados após recente polêmica.
Foto: picture-alliance/dpa/L. Schulze
Cortes de benefícios
A crítica se dirigia em primeira linha ao ex- presidente Christian Wulff (foto), que renunciou em 2012 após somente 20 meses no cargo, recebendo "soldo honorário" de mais de 200 mil euros anuais. Além de cortes no pessoal do escritório dos ex-presidentes, a partir deste ano, a pensão presidencial vai passar a ser descontada de ganhos provenientes de qualquer atividade que exercer após o mandato.