Relatório aponta indícios de prisões da CIA na Europa
24 de janeiro de 2006Ao apresentar um relatório parcial de suas investigações, o suíço Dick Marty, da Assembléia Parlamentar do Conselho da Europa (Pace) e chefe das investigações sobre as atividades da Agência Central de Inteligência (CIA) na Europa, afirmou nesta terça-feira (24/01) que o serviço secreto americano teria prendido pessoas na Europa, transportando-as em seguida para outros países, onde teriam sido submetidas a torturas. Marty afirmou ainda que é "muito pouco provável" que governos europeus nada soubessem das atividades da CIA em seus territórios.
Segundo o coordenador das investigações, a CIA teria prendido mais de 100 pessoas no continente, levando-as então para outros países nos quais elas teriam sido torturadas. As "provas irrefutáveis" da existência de prisões clandestinas na Europa, entretanto, não foram encontradas, mas ele garante que os governos sabiam do trabalho dos americanos há muito tempo.
Resultados das investigações
Há "um grande número de indícios coerentes e convergentes apontando para a existência de uma rede de relocação e terceirização da tortura", afirmou Marty aos representantes das 46 nações que integram o Conselho Europeu de Direitos Humanos, em Estrasburgo.
A investigação não encontrou, contudo, qualquer evidência direta da existência de prisões secretas em países europeus como Polônia ou Romênia, conforme denúncia da organização Humans Right Watch.
Marty defendeu ainda que os governos europeus, ou ao menos seus respectivos serviços secretos, dificilmente não sabiam que nos últimos anos foram transportados prisioneiros dos EUA ilegalmente em território europeu.
Como caso de transporte e prisão ilegal por parte do governo norte-americano, Marty lembrou os casos do religioso islâmico egípcio Abu Omar, seqüestrado na Itália, e do alemão de origem libanesa Khaled el-Masri, preso por americanos e levado ao Afeganistão.
"Centenas de vôos da CIA passaram por diversos países europeus", afirmou Marty, completando que certas revelações já haviam sido publicadas na imprensa. "Foi comprovado e de fato nunca negado que indivíduos foram seqüestrados, privados de sua liberdade e transportados pela Europa, para serem entregues a outros países nos quais eles teriam sofrido torturas", destacou o suíço.
Relatório sem grandes novidades
Marty salientou ainda que a secretária de Estado norte-americana, Condoleezza Rice, em seu discurso aos europeus em dezembro, em nenhum momento negou a existência das assim chamadas "transferências extraordinárias" de suspeitos de terrorismo a países terceiros.
Mas o parlamentar chegou bem perto de acusar diretamente os Estados Unidos de mentir pura e simplesmente, destacando somente que "a única coisa que Rice negou categoricamente foram as torturas".
As afirmações divulgadas em Estrasburgo, entretanto, não causaram surpresa, uma vez que o parlamentar suíço já havia indicado a direção que suas investigações preliminares estavam tomando. No início deste mês, ele havia acusado líderes europeus de passividade "chocante", afirmando que eles sabiam das atividades da CIA já nos últimos dois ou três anos. "Há países que colaboraram ativamente, e há aqueles que foram tolerantes. Outros simplesmente viraram a cara", disse ele.
Futuro das investigações
O que fica em aberto são as conseqüências da publicação do relatório do Conselho da Europa, que coincide com as investigações de um comitê provisório do Parlamento Europeu montado na última semana para averiguar atividades da CIA em espaço aéreo europeu. O comitê planeja convocar autoridades políticas e oficiais de inteligência a Bruxelas nos próximos meses, mas poucos crêem que isso realmente aconteça.
As investigações foram iniciadas a partir de uma reportagem publicada em novembro no jornal norte-americano The Washington Post sobre uma rede de prisões secretas operadas pela CIA em toda a Europa. O serviço secreto também teria realizado uma série de vôos clandestinos para o transporte de prisioneiros através do continente. O governo americano nunca confirmou, nem negou as acusações.