Relato de ex-nazista põe em xeque fogo no Reichstag em 1933
27 de julho de 2019
Descoberto agora, depoimento de ex-oficial lança dúvidas sobre versão nazista de que comunista ateou fogo no prédio do Parlamento alemão. Crime foi usado por Hitler para reprimir seus oponentes e se consolidar no poder.
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O incêndio que atingiu o prédio do Parlamento alemão (Reichstag) em 1933, considerado um duro golpe na democracia alemã, pode não ter ocorrido da forma como pregaram as autoridades nazistas da época. O depoimento de uma testemunha, datado de mais de 60 anos atrás e descoberto somente agora, reavivou um mistério sobre o incidente.
O fogo, que destruiu o edifício em Berlim, é descrito por historiadores como um momento crucial na tomada de poder por Adolf Hitler. O Partido Nazista usou o evento para justificar um decreto de emergência e reprimir os comunistas, responsabilizados pelo incêndio.
Nesta sexta-feira (26/07), a imprensa alemã teve acesso a uma declaração juramentada em 1955, recém-descoberta nos arquivos de um tribunal em Hannover, que muda a versão defendida pelos nazistas de que um comunista holandês estava por trás do crime.
No relato em questão, Hans-Martin Lennings, ex-membro da força paramilitar nazista Sturmabteilung (SA), conta ter levado o holandês Marinus van der Lubbe até o Reichstag na noite do incêndio.
Segundo o depoimento, quando Lennings e sua equipe da SA chegaram ao prédio da Parlamento com Van der Lubbe, eles notaram "um estranho cheiro de queimado, e havia nuvens de fumaça flutuando pelos cômodos".
Não está claro por que a unidade da SA teria transportado Van der Lubbe de uma enfermaria para o Reichstag naquele dia, mas o depoimento sugere que o fogo já havia começado quando eles chegaram.
O comunista holandês foi mais tarde culpado pelo incidente, condenado por incêndio criminoso e executado após admitir ter cometido o ato sozinho. À época, ele afirmou que provocou o incêndio para unir os comunistas contra o fascismo. Outros quatro réus no julgamento foram absolvidos, uma decisão que irritou Hitler.
Lennings, que morreu em 1962, disse ainda em seu depoimento que ele e seus colegas chegaram a protestar contra a prisão de Van der Lubbe, à época com 24 anos.
"Estávamos convencidos de que Van der Lubbe não poderia ter sido o incendiário, porque, de acordo com a nossa observação, o Reichstag já estava pegando fogo quando o deixamos lá", afirmou o ex-oficial da força paramilitar.
Lennings alegou ainda que ele e outras testemunhas foram detidas e forçadas a assinar um documento negando qualquer conhecimento sobre o incidente. Mais tarde, quase todos eles foram executados. Lennings disse que foi previamente alertado e, por isso, conseguiu fugir para a antiga Tchecoslováquia.
O ex-membro da SA teria pedido que seu depoimento fosse certificado em 1955, para o caso de o incêndio do Reichstag voltar a ser julgado.
Oficialmente, até hoje permanece um mistério quem iniciou o fogo em 1933. Desde o fim do regime nazista, a culpa de Van der Lubbe tem sido repetidamente questionada. A maioria dos historiadores concorda que o holandês agira sozinho, enquanto alguns acusam autoridades nazistas de terem provocado o incêndio deliberadamente para justificar uma repressão a seus oponentes.
Em 2008, a Alemanha perdoou postumamente Van der Lubbe, sob uma lei introduzida em 1998 para suspender condenações de pessoas que cometeram crimes durante o regime nazista.
Incêndio abriu caminho para os nazistas
O incêndio ocorreu em 27 de fevereiro de 1933. Naquele momento, os nazistas ainda não haviam se consolidado no poder, pois somente em 30 de janeiro de 1933 é que o presidente do Reich, Paul von Hindenburg, havia nomeado Hitler para o cargo de chanceler.
Hitler não tinha a menor intenção de deixar o poder, e seu grande receio era uma possível insurreição dos comunistas. Com o Reichstag em chamas, ele viu um suposto fundamento para suas preocupações, e chegou a insistir que uma conspiração comunista estava por trás de tudo.
No dia seguinte, 28 de fevereiro, foi assinado o Decreto do Presidente do Reich para a proteção do povo e do Estado, que eliminava a liberdade de expressão, de opinião, de reunião e de imprensa. O sigilo do correio também era abolido. Além disso, o governo em Berlim ganhava poderes para "intervir" nos estados, a fim de garantir "a paz e a ordem".
Com o Decreto do Incêndio do Reichstag, como ele ficou conhecido a seguir, os nazistas passaram a dispor da ferramenta decisiva para combater seus inimigos. Sem provas nem controle jurídico, eles podiam deter qualquer um que lhes fosse desconfortável. O decreto pavimentou, assim, o caminho para a ditadura de Hitler.
Passadas duas décadas, "embrulho" do Reichstag continua sendo uma das ações mais espectaculares do casal de artistas Christo e Jeanne-Claude. Christo precisou lutar 23 anos pela sua aprovação.
Foto: picture alliance/dpa/W. Kumm
O triunfo
"Nós vencemos!", gritou Christo no dia 25 de Fevereiro de 1994. Após 23 anos de luta tenaz, o parlamento alemão finalmente aprovou seu projeto "Reichstag embrulhado". No dia 17 de Junho de 1995 chegavam os caminhões com a enorme quantidade de tecido. A ação, considerada até hoje espetacular, completa 20 anos e é homenageada em uma exposição.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Mãos à obra
Christo veste suas luvas de trabalho antes de dar início ao empacotamento. Desde 1971 ele e a esposa, Jeanne-Claude, tentavam convencer o parlamento alemão a autorizar a ação artística. Christo sempre foi um entusiasta da localização e simbologia do Reichstag. Mas foi justamente por se tratar de um símbolo histórico que o projeto suscitou debates acirrados no parlamento.
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Um símbolo de liberdade
Em 1978, Christo apresentou seu modelo no Museu de Design de Zurique. Para ele, o prédio construído no final do século 19 pelo imperador alemão Guilherme 2º era, apesar de sua história turbulenta, um símbolo de liberdade. A República de Weimar foi proclamada ali em 1918. O tema da liberdade acompanha Christo e sua arte desde que ele fugiu da Bulgária comunista, em 1951.
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A coleção "Reichstag embrulhado"
O que foi visto em 1995, na abertura da exposição com Christo e Jeanne-Claude, retorna agora a Berlim. A coleção "Reichstag embrulhado" deve ser exposta após o recesso de verão do Parlamento. O artista búlgaro vai expor os 320 desenhos, modelos, colagens e fotografias, bem como os restos de panos, cordas e ganchos daquele tempo.
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Embrulho temporário
As obras de Christos são efêmeras. Como representante da chamada "Land Art", ele se voltou contra a propriedade de obras artísticas. Ele defendia que a arte nos espaços públicos pode ser apreciada por todos, ela não deve ser propriedade de ninguém. Christo considera durabilidade da obra como sinônimo de posse. Mesmo o Parlamento alemão só pôde ser visto embrulhado durante 14 dias.
Foto: picture alliance/dpa/W. Kumm
Um acontecimento
A última das 70 tiras de tecido prateado foi fixada no Parlamento dia 23 de junho de 1995. Mais de 100 mil metros quadrados de tecido, amarrados por vários quilômetros de cordas azuis, fascinaram os espectadores. Cinco milhões de visitantes passaram pela obra ao longo de 14 dias: um recorde mundial de público num intervalo tão curto de tempo.
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Empacotando o nada
Christo começou com seus empacotamentos espetaculares na década de 1960. Seu embrulho de 5,6 mil metros cúbicos na "documenta 4" de Kassel, em 1968, ficou famoso no mundo inteiro. Desde cedo, Christo embalou cadeiras, jornais e barris de petróleo, mas aquela era a primeira vez que o artista empacotava o ar.
Foto: cc-by-3.0/Dr. Ronald Kunze
A cortina no Vale Rifle
Na década de 1970, as ações de Christo e Jeanne-Claude foram ficando mais trabalhosas e coloridas. A fim de preservar sua liberdade artística, o casal financiava os próprios projetos com a venda de desenhos, fotografias e modelos. Um espetáculo: a cortina laranja esvoaçante de 400 metros de comprimento que Christo pendurou no Vale Rifle, no Colorado, em 1972.
Foto: picture alliance/Everett Collection
Um olhar diferente
Christo e Jeanne-Claude nunca tornaram objetos e edifícios irreconhecíveis. A estética era importante para ambos. Sob a cobertura, o objeto continuava à vista, para estimular a imaginação. Em 1985, os dois cobriram a Pont Neuf, em Paris. Com a variação do clima, o tecido cintilava em cores diferentes – a ponte se mostrava, literalmente, sob uma nova luz.
Foto: picture-alliance/dpa
Arte como espetáculo
Na década de 1990, as ações do casal de artistas foram ficando cada vez mais arriscadas. Em "The Umbrellas", no Japão e na Califórnia, um dos assistentes morreu durante a montagem dos 3 mil guarda-sóis. Depois disso, Christo só trabalhou com escaladores profissionais e engenheiros. A "família" de ajudantes está em constante expansão.
Foto: Getty Images/Gamma-Rapho/K. Kaku
Longa espera para "The Gates"
Christo envolve não apenas coisas, mas também paisagens e parques, como fez em 2005 com "The Gates", no Central Park de Nova York. Christo e Jeanne-Claude já tinham planejado os tecidos esvoaçantes para os portões na década de 1980, mas a aprovação levou ainda mais tempo do que a do Reichstag. Hoje, em geral, são preocupações ambientais que dificultam a liberação.
Foto: picture-alliance/Schroewig/Graylock
Work in progress
Christo já se acostumou a esperar. O artista, prestes a completar 80 anos, está trabalhando em três projetos simultaneamente. Alguns deles foram projetados com Jeanne-Claude, que morreu em 2009. Como a obra "The Mastaba", em Abu Dhabi, uma pirâmide gigantesca de 410 mil barris de petróleo. Por este primeiro grande projeto permanente, Christo poderia ganhar um monumento.