Relatores da ONU pressionam por justiça no caso Marielle
14 de março de 2019
Grupo de especialistas das Nações Unidas exige que autoridades brasileiras concluam investigação o quanto antes e descubram quem mandou matar a vereadora. "Brasil não deve seguir caminho da impunidade", diz a nota.
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Relatores de direitos humanos da ONU emitiram uma nota nesta quinta-feira (14/03) pressionando o Brasil a concluir o mais rápido possível as investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco e levar à Justiça tanto aqueles que cometeram o crime como seus mandantes.
O texto foi divulgado pelo Escritório das Nações Unidas para os Direitos Humanos no dia em que a morte de Marielle e a do motorista Anderson Gomes completam um ano.
"O assassinato de Marielle Franco é um ataque ao coração de uma sociedade democrática e um caso emblemático das ameaças enfrentadas pelos defensores de direitos humanos no Brasil", afirma o grupo de especialistas da ONU e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
A nota acrescenta que, "se o Estado não fizer justiça neste caso, enviará uma mensagem alarmante aos defensores de direitos humanos, em particular àqueles que enfrentam ameaças e ataques".
Marielle, de 38 anos, e Anderson, de 39, foram assassinados em 14 de março de 2018 no bairro do Estácio, região central do Rio, quando saíam de um evento no qual a vereadora palestrou. O carro foi alvejado por vários disparos, dos quais quatro atingiram a cabeça dela.
Na terça-feira, a polícia prendeu dois ex-policiais suspeitos de participar do assassinato: Ronnie Lessa, de 48 anos, teria disparado os tiros do banco de trás do carro usado no crime, e Élcio Vieira de Queiroz, de 46, seria o motorista do veículo. Os investigadores ainda não revelaram, contudo, quem foi o mandante da execução.
"Reconhecemos o trabalho realizado pelos investigadores da polícia e promotores, bem como o progresso concreto feito nos últimos dias, mas é preciso fazer mais para esclarecer os motivos do ataque e descobrir quem está por trás dele", diz o grupo, formado por cerca de 15 especialistas de várias nacionalidades.
Preso no caso Marielle foi homenageado na Alerj
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Segundo eles, "o Brasil não deve seguir o caminho da impunidade". "O Estado tem a obrigação de garantir uma investigação completa, independente e imparcial sobre esses assassinatos."
"Instamos o Brasil a concluir a investigação o quanto antes, levando os responsáveis intelectuais e materiais à Justiça e oferecendo reparação e indenização às famílias", diz a nota, que não é a primeira a ser divulgada pela ONU para pressionar as autoridades brasileiras.
No texto, os relatores ainda lembram o trabalho exercido por Marielle enquanto vereadora do Rio pelo Psol, tendo feito campanhas em nome de mulheres, negros e jovens e denunciado o uso excessivo da força pelos agentes militares e as ações das milícias que operam no Rio.
"Marielle foi uma fonte de esperança e inspiração no Rio de Janeiro e em outros lugares. Ela trabalhou incansavelmente para promover os direitos das mulheres, a igualdade racial e os direitos das pessoas LGBTI", afirma o documento.
Investigações sobre o assassinato da vereadora e de seu motorista Anderson Gomes ainda deixam muitas perguntas sem respostas.
Foto: CMRJ/Renan Olaz
Pressão por respostas
Um ano após o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista Anderson Gomes, muitas perguntas permanecem sem resposta, apesar da repercussão nacional e internacional e da cobrança das multidões que foram às ruas em protesto.
Foto: Getty Images/AFP/M. Pimentel
Avanços nas investigações
Na semana em que o crime completa um ano, dois ex-PMs foram presos e denunciados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. As investigações concluíram que o policial militar reformado Ronnie Lessa foi o autor dos disparos e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, que foi expulso da corporação em 2015, foi o motorista do veículo usado para a execução.
Foto: picture-alliance/AP/
Assassinato político
As investigações do MP do Rio revelaram que o crime foi meticulosamente planejado ao longo de três meses. Nesse período, Lessa fez buscas na internet sobre locais que a vereadora frequentava. A promotoria assegurou que a motivação do assassinato decorre da atuação política de Marielle.
Foto: picture alliance/AP Photo/L. Correa
Quem mandou matar?
Os investigadores ainda não revelaram quem foi o mandante da execução. Após um ano de investigação, a polícia e o Ministério Público do Rio decidiram dividir o inquérito em duas partes: uma sobre os executores do crime, já encerrada; outra sobre os mandantes.
Foto: Reuters/P. Olivares
Polícia Federal acompanha o caso
Desde o final do ano passado, após longo debate sobre a federalização, a Polícia Federal (PF) ganhou acesso às investigações. O então ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, chegou a colocar a PF à disposição, mas a Polícia Civil do Rio recusou a oferta. A PF apurou, a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, supostas tentativas internas de frear a conclusão do inquérito.
Foto: Getty Images/AFP/M. Schincariol
Mobilização contínua
A morte da vereadora provocou reações imediatas de políticos, ativistas e ONGs no Brasil e no exterior, além de ter levado seguidas vezes milhares às ruas. Ela foi homenageada na Câmara dos Deputados e por deputados da esquerda do Parlamento Europeu. Desde então, as manifestações em memória da vereadora não param. Neste ano, a passeata do Dia Internacional da Mulher em Berlim lembrou Marielle.
Foto: Getty Images/C. Koall
Polarização
Na esteira da polarização política do Brasil, o crime também desencadeou reações negativas, já que a vereadora era de esquerda, defensora dos direitos humanos e crítica da violência policial. Fake news chegaram a associar o nome de Marielle a traficantes e facções criminosas. Os rumores, já desmentidos, foram compartilhados até mesmo por figuras públicas.
Foto: DW/Thomas Milz
Símbolo
Um símbolo da polarização foi uma placa que imita sinalizações de rua com o nome de Marielle, afixada em uma praça em frente à Câmara Municipal do Rio. A placa foi quebrada pelos então candidatos do PSL Rodrigo Amorim e Daniel Silveira, atuais deputado estadual e federal, respectivamente. O hoje governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), discursou no ato em que a placa foi partida.
Foto: picture-alliance/AP Photo/L. Correa
Homenagens no Carnaval
As homenagens mais recentes a Marielle aconteceram nos desfiles e blocos de rua do Carnaval de 2019. Familiares participaram do desfile da Unidos de Vila Isabel, enquanto a viúva da vereadora, Monica Benício, e os antigos colegas de trabalho Marcelo Freixo e Tarcísio Motta desfilaram pela Mangueira, campeã do Carnaval do Rio. A Vai-Vai, de São Paulo, também fez tributo à vereadora.
Foto: Reuters/P. Olivares
Quem era Marielle Franco
Marielle foi a quinta vereadora mais votada do Rio, tinha 38 anos e era defensora dos direitos das mulheres, especialmente das negras, e da inclusão social. Foi presidente da Comissão da Mulher da Câmara Municipal e coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj, com Marcelo Freixo (PSOL). Marielle era socióloga e mestre em Administração Pública.