"Remigração" é eleita a "despalavra" do ano na Alemanha
15 de janeiro de 2024
Todos os anos, um termo em alemão é selecionado para representar expressões depreciativas. O vencedor de 2023 é utilizado pela extrema direita para se referir à deportação em massa e expulsão de migrantes.
Anúncio
"Remigração" foi escolhida a pior palavra de 2023 na Alemanha, anunciou o júri da Unwort des Jahres ("despalavra do ano") nesta segunda-feira (15/01).
Em alemão Remigration, o termo trata-se de um eufemismo utilizado pela extrema direita alemã para se referir à deportação em massa e expulsão de migrantes e seus descendentes.
De acordo com o júri, a palavra em si não é o problema, mas, sim, a forma como ela está sendo utilizada para promover políticas de extrema direita. O termo técnico de valor neutro vem das ciências sociais.
"O uso da palavra pela nova direita visa alcançar a hegemonia cultural e a homogeneidade étnica. O que é exigido pelo uso da palavra viola a liberdade básica e os direitos civis das pessoas com antecedentes migratórios", disse a porta-voz do júri, Constanze Spiess.
Em segundo lugar ficou o termo Sozialklimbim ("parafernália social") que surgiu durante a discussão em torno do bem-estar social básico para as crianças, representando uma retórica discriminatória que vem sendo utilizada com frequência cada vez maior.
Na terceira colocação ficou o termo Heizungs-Stasi ("Stasi do aquecedor"), em referência a uma campanha de propaganda política contra medidas de proteção ao clima. A Stasi era a antiga polícia secreta da Alemanha Oriental, conhecida pela vigilância excessiva dos hábitos cotidianos da população durante o regime comunista. O nome foi associado à palavra "aquecedor" em meio ao debate sobre a necessidade de economizar gás natural no país, utilizado no aquecimento das residências.
Anúncio
Xenofobia e polêmica
O termo "remigração" ganhou notoriedade nos últimos dias após o grupo de jornalismo investigativo Correctiv denunciar que políticos do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) – sigla que tem uma parcela de suas estruturas já sob observação da inteligência alemã por suspeita fundamentada de afronta à Constituição e à ordem democrática alemã – participaram de uma reunião na qual teria sido discutida a deportação em massa de milhões de imigrantes e "cidadãos não assimilados".
No encontro, foi apresentado um projeto de "remigração", ou seja, o retorno, forçado ou por outros meios, de migrantes aos seus lugares de origem – independentemente de eles possuírem ou não a cidadania alemã e de terem ou não nascido e vivido a vida inteira na Alemanha.
Na reunião, segundo o Correctiv, foram feitas referências à expulsão de requerentes de asilo, estrangeiros com títulos de residência e alemães com background migratório que não estiverem adaptados à sociedade alemã.
Segundo dados do Departamento Federal de Estatística da Alemanha (Destatis), praticamente um em cada quatro habitantes do país (24,3%) tem raízes migratórias. Isso inclui tanto pessoas que nasceram no país quanto aqueles que migraram para a Alemanha.
A "despalavra do ano" visa promover a conscientização sobre termos que violam a dignidade humana e os princípios da democracia ou levam à discriminação.
Escolhida na Alemanha desde 1991, a "despalavra" de ordem política foi selecionada pela Sociedade da Língua Alemã até 1994, quando um júri independente em Darmstadt assumiu o projeto anual. Qualquer pessoa pode propor uma palavra e cabe ao júri tomar a decisão final.
Segundo os responsáveis pela seleção, entre sugestões enviadas ao colegiado pela população alemã, expressões linguísticas se tornam "despalavras" por serem pronunciadas de forma irrefletida ou com intenções dignas de crítica num contexto público.
Ao longo do ano passado, os jurados receberam 2.301 propostas do público, somando 710 expressões diferentes. Entre estas, 110 se encaixavam no critério de ser uma "não palavra".
Entre as candidatas também estavam termos como Kriegstüchtigkeit ("preparado para guerra"), Gamechanger ("virada no jogo") e Klimakleber ("cola do clima"), que se refere aos ativistas do meio ambiente que colam suas mãos no asfalto durante protestos.
rc/le (EPD, AFP)
As "despalavras" da Alemanha
Escolhida desde 1991 a partir de sugestões da população, a "despalavra do ano" é votada por um júri e designa uma expressão muito disseminada, mas infeliz na sua construção ou significado. Confira as dos últimos anos.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Jansen
2023: "Remigração"
A palavra "remigração" é um conceito sociológico que define o retorno de pessoas aos países de onde emigraram, e inclui tanto o retorno voluntário como involuntário. Porém, para pesquisadores de extremismo, o termo foi apropriado por movimentos da nova direita: a palavra "remigração", evita o uso de expressões neonazistas como "fora estrangeiros" e normaliza posições extremistas de direita.
Foto: Nadine Weigel/dpa/picture alliance
2022: "Terroristas climáticos"
A palavra "Klimaterroristen", ou "terroristas do clima", foi usada no discurso público para descreditar ativistas e protestos por ações contra o aquecimento global. Os jurados avaliaram que a palavra equipara ativistas do clima a terroristas. Isso pode fazer com que manifestações não-violentas e de resistência democrática sejam estereotipadas num contexto de violência e subversão.
Foto: Christoph Soeder/dpa/picture alliance
2021: "Pushback"
O termo emprestado do inglês refere-se a diferentes medidas usadas para forçar migrantes a retornarem para o outro lado de uma fronteira, geralmente logo depois de cruzá-la, sem permitir que apresentem um pedido de refúgio. Os "pushbacks" violam a legislação da UE, o direito internacional e convenções de direitos humanos, mas foram legalizados pela Polônia em outubro de 2021.
Foto: Policja Podlaska/REUTERS
2020: "Ditadura do coronavírus" e "patrocínio de repatriação"
Pela primeira vez, foram escolhidos dois termos como as piores palavras: a expressão "ditadura do coronavírus" difama as medidas restritivas impostas para conter o avanço da covid-19. Já "patrocínio de repatriação" descreve um esquema no qual países da União Europeia que se recusarem a receber refugiados devem organizar e financiar a deportação de requerentes de asilo que tiveram o pedido negado.
Foto: Arne Dedert/dpa/picture alliance
2019: "Histeria climática"
"Klimahysterie" (histeria climática) foi escolhida como a pior palavra de 2019 no idioma alemão. A expressão visa "difamar os esforços e o movimento de proteção climática e desacreditar os debates" sobre o tema, afirmou o júri de linguistas da Universidade Técnica de Darmstadt, que a cada ano escolhe a "despalavra do ano".
Foto: picture alliance/dpa/APA/H. Punz
2018: "Indústria antideportação"
A expressão "indústria antideportação" é do ex-ministro alemão dos Transportes, Alexander Dobrindt, ao atacar críticos à política alemã de enviar à força aos países de origem os requerentes de refúgio cujo pedido de acolhimento foi negado. Dobrindt deu a entender que, a fim de ganhar dinheiro, quem apoia os requerentes de asilo rejeitados também protege os refugiados que se tornaram criminosos.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Arnold
2017: "Fatos alternativos"
"Fatos alternativos" indica a tentativa de substituir argumentos factuais por afirmações não comprováveis, influenciando assim o debate público, explicou o júri da "despalavra". A expressão foi usada por Kellyanne Conway, assessora do então presidente dos EUA, Donald Trump, ao se referir à afirmação errada do porta-voz da Casa Branca de que a posse presidencial teria tido recorde de público.
O termo é um "legado de ditaduras, entre elas a nazista", justificou o júri. Quando usada como crítica a políticos, é uma "despalavra" difamatória que sufoca discussões, necessárias à manutenção da democracia. Foi usada, por exemplo, contra o então ministro alemão da Economia, Sigmar Gabriel, que havia mostrado o controverso dedo do meio aos participantes de uma manifestação de direita.
Foto: Sören Herbst
2015: "Gente boazinha"
Embora composta por dois termos comuns – gut (bom) e Mensch (ser humano) –, a junção de ambos no substantivo "Gutmensch" dá uma conotação de desprezo e malícia à palavra, disse o júri. Na época da onda de migrantes no país, foi tachado assim quem se engaja em prol dos refugiados, reduzindo os voluntários a gente simplória, com síndrome de bom samaritano.
Foto: Imago/C. Ohde
2014: "Imprensa da mentira"
O termo "imprensa da mentira" já era usado como arma pelos nazistas, que difamaram a mídia independente dessa forma. Mais recentemente, na Alemanha, apoiadores do movimento de direita Pegida usaram o termo em suas manifestações. Isso compromete a liberdade de imprensa, concluiu o júri.
Foto: picture alliance/dpa/D.Naupold
2013: "Turismo social"
"Alguns políticos e a mídia usam o termo para se referir a imigrantes indesejados, especialmente os vindos do Leste Europeu", concluiu o júri, insinuando a intenção de se aproveitar dos benefícios sociais. A combinação de "social" e "turismo" é particularmente polêmica por sugerir que a migração por necessidade seria uma viagem de lazer.
Foto: picture-alliance/dpa
2012: "Assinatura de vítima"
O termo "Opfer-Abo" foi cunhado por um antigo apresentador da previsão do tempo alemão, Jörg Kachelmann. Depois de ser julgado e absolvido por estupro, ele reclamou numa entrevista que as mulheres dispõem de uma "assinatura de vítima", ou seja, são sempre consideradas vítimas. O júri criticou como inaceitável a insinuação de que mulheres inventem a violência sexual.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Dedert
2011: "Döner-Morde" (Mortes kebab)
O termo se referiu ao assassinato de oito turcos e um grego na Alemanha, que inicialmente se acreditou ser uma rixa entre as vítimas, em sua maioria donos de mercado, quiosque ou lanchonete. Investigações mostraram que os crimes foram cometidos por neonazistas. De acordo com o júri, o prato turco "döner kebab" foi usado para descrever todo um grupo populacional de forma racista e discriminatória.
2010: "Sem alternativa"
O termo foi cunhado pela chanceler federal, Angela Merkel, em relação à ajuda financeira à falida Grécia. De acordo com o júri, o termo "sem alternativa" foi posteriormente usada de forma inflacionária por políticos. Ele sugere falsamente "não haver, desde o início, alternativas num processo de tomada de decisão e, portanto, não há necessidade de discussão e argumentação".