Renúncia de Cunha pode ser manobra, mas marca declínio
Jean-Philip Struck8 de julho de 2016
Deputado age para frear andamento do processo de cassação e tenta emplacar aliado como sucessor na presidência da Câmara. Cientista político avalia, no entanto, que Cunha não tem mais chances.
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A morte política do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi decretada inúmeras vezes desde que o seu nome passou a figurar entre os suspeitos da Operação Lava Jato. Ele sempre manteve, porém, uma atitude desafiadora em relação aos seus adversários.
Nesta quinta-feira (07/07), no entanto, um Cunha bem diferente apareceu diante das câmeras. Chorando, o deputado anunciou que renunciaria à chefia da casa, cerca de dois meses depois de ter sido afastado por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF).
Inusitado, o ato imediatamente levantou dúvidas sobre seu significado. Nos últimos meses, apesar de vários tropeços, Cunha sempre pareceu exibir um arsenal infinito de manobras para permanecer na presidência da Câmara e preservar seu mandato.
Deputados da oposição ao governo interino do presidente Michel Temer afirmaram que a renúncia não seria mais do que uma nova manobra de Cunha para salvar seu mandato e manter sua influência.
Escolha do sucessor
Essa manobra passa justamente pela escolha do sucessor de Cunha. Se for alguém próximo dele, isso o favorecerá. No momento, o cargo é ocupado interinamente pelo deputado Waldir Maranhão (PP-MA), um desafeto de Cunha.
As especulações sobre a sucessão começaram logo após o anúncio de Cunha. Com a renúncia, a interinidade de Maranhão chega ao fim. Antes um aliado, Maranhão passou a ser visto por Cunha como uma ameaça quando se aproximou da presidente afastada Dilma Rousseff.
Agora, como uma nova eleição marcada para a próxima terça-feira (12/7), a expectativa é que um nome do "Centrão" seja escolhido. O nome mais cotado é justamente o de um aliado de Cunha, Rogério Rosso (PSD-DF). Caso ele vença, Cunha poderá contar com alguém próximo para presidir a sessão do plenário que eventualmente poderá decidir pela sua cassação.
Cabe ao presidente marcar o dia dessa votação. Isso pode abrir espaço, por exemplo, para protelar a data ou para escolher um dia esvaziado para beneficiar Cunha. Ele só perderá o mandato se ao menos 257 dos 513 deputados votarem pela sua cassação.
Revisão do processo na CCJ
Mas o arsenal de manobras de Cunha não se encerra por aí. Após ser finalmente derrotado, em junho, no Conselho de Ética, depois de meses de manobras protelatórias, o deputado ainda tenta virar o jogo com um recurso na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da casa.
Com a renúncia, ele passou a argumentar que seu processo deve ser revisado no Conselho porque as circunstâncias mudaram, já que os membros analisaram o caso quando ele ainda era presidente e não na sua atual situação de mero deputado.
Aliados de Cunha na CCJ defendem que o Conselho refaça toda a votação. Como a Câmara deve entrar em recesso "branco" (não oficial) no fim de julho, a expectativa é de que o pedido seja analisado apenas a partir de agosto.
Razões jurídicas também parecem ter desempenhado algum papel no cálculo de Cunha. Com a renúncia, as ações penais que tramitam contra ele no STF vão mudar de mãos, saindo da alçada do plenário do tribunal (que normalmente analisa processos contra os presidentes do Senado e da Câmara) e passando para a 2ª Turma da corte, que é presidida pelo ministro Gilmar Mendes. Sessões dessa turma não costumam ser televisionadas, o que pode resultar em uma pressão menor da opinião pública.
Luz no fim do túnel fica mais forte
Para o cientista político Rolf Rauschenbach, do Centro Latino-Americano da Universidade de St. Gallen, no entanto, apesar de a renúncia de Cunha soar como mais uma manobra, ela também escancarou a fragilidade e perda de influência do deputado. Para Rauschenbach, mesmo que Cunha ainda consiga algumas vitórias, elas serão temporárias.
"No fundo, o afastamento pelo STF já marcara o início do fim. Cunha pode ter feito a renúncia soar como um gesto voluntário, mas ele está é encurralado. Tudo que ele pode fazer agora é tentar ganhar tempo. Não parece existir a possibilidade de uma salvação da cassação. Sua base de apoio diminui a cada dia. Muitos aliados já estão virando as costas. A luz no fim do túnel para a saída de Cunha da Câmara está ficando mais forte", afirma o cientista.
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
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O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
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As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
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As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
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De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
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... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
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As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
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As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
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O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
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Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.