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ONG premia jornalistas que temem por suas vidas

12 de setembro de 2019

Três mulheres, uma maltesa, uma saudita e uma vietnamita, são condecoradas por luta pela liberdade de imprensa. Perseguidas após críticas aos governos de seus países, duas não puderam receber pessoalmente o prêmio.

Jornalistas da Tunísia em greve protestam por liberdade de imprensa, após meses de tensões com o governo do país
Protestos na Tunísia: liberdade de imprensa, de fato, inexiste em praticamente todos os países do mundo, segundo a RSFFoto: picture-alliance/abaca/N. Fauque

Às vezes, a luta pela liberdade de imprensa é tão desesperada que jornalistas são forçados a se tornar ativistas. Isso se comprova com o relato de Caroline Muscat, cofundadora da rede de investigação maltesa The Shift News.

"Fiz uma entrevista na BBC recentemente, e eles disseram: 'Você não é jornalista, é ativista'", recorda Muscat. "Sinto muito, mas não temos mais escolha. Se não defendermos a liberdade de imprensa, quem vai? Se os jornalistas não fizerem isso, quem vai?"

Muscat foi uma das três jornalistas de países completamente distintos, mas todas com motivos para temer por suas vidas, premiadas pela ONG Repórteres sem Fronteiras em um evento em Berlim nesta quinta-feira (12/09).

Somente Muscat pôde comparecer para receber pessoalmente seu "Prêmio da Independência". A blogueira vietnamita Pham Doan Trang, que venceu o "Prêmio de Impacto", e a ativista saudita dos direitos das mulheres Eman al-Nafjan, ganhadora do "Prêmio da Coragem", seguem impedidas de deixar seus países. Ambas tiveram suas páginas na internet bloqueadas e vivem sob constante ameaça de detenção e assédio.

Trang e Nafjan foram representadas em Berlim por amigos que se mudaram para países mais livres e que também estão comprometidos com a luta pela liberdade de imprensa.

Trang enviou Huu Long Trinh, um jornalista de Taipei que cofundou a organização civil Iniciativas Legais para o Vietnã (LIV, na sigla em inglês), enquanto Nafjan foi representada por sua ex-aluna Omaima al-Najjar, que iniciou na Itália seu próprio blog sobre os direitos das mulheres sauditas.

Arábia Saudita e Vietnã: regimes diferentes, mesma repressão

A organização Repórteres sem Fronteiras deixa claro que seus prêmios são especificamente destinados a pressionar os governos: segundo uma porta-voz, o prêmio entregue a Nafjan foi uma consequência direta da morte do jornalista saudita Jamal Khashoggi no consulado da Arábia Saudita em Istambul, no ano passado.

A amiga Najjar tem falado com frequência sobre como o governo saudita tenta mascarar sua imagem nos momentos em que sua brutalidade se torna ofuscantemente aparente – por exemplo, ao suspender a proibição de mulheres conduzirem veículos num momento em que atrocidades no Iêmen se tornaram públicas.

Para a jornalista maltesa Caroline Muscat, Malta é um "centro da corrupção" tolerado há anos pela União EuropeiaFoto: DW/B. Knight

"Acredito que o timing das chamadas reformas ocorreu num período em que a Arábia Saudita estava recebendo muitas críticas em relação aos crimes que cometeram no Iêmen", diz Najjar em entrevista à DW. "Após o assassinato de Jamal Khashoggi, eles sofreram uma repercussão negativa na mídia tradicional. Logo depois, eles libertaram algumas ativistas para que o mundo ficasse feliz e se esquecesse um pouco de Khashoggi."

Najjar afirma que ainda há dezenas de pessoas presas por terem escrito em blogs sobre o regime ou mesmo por terem expressado simpatia pelas pessoas que escreviam nesses blogs. "A maioria das pessoas enfrenta acusações relacionadas ao terrorismo", diz. "Mas, após a reação da mídia tradicional e a pressão internacional, o governo transformou isso em crime cibernético."

O regime vietnamita não é religioso, mas não menos repressivo. O Vietnã ainda é um país comunista dominado por um único partido político que não permite nenhuma mídia privada e independente.

Por esse motivo, a organização LIV criou as duas revistas Luat Khoa, que foca em questões políticas e jurídicas, e The Vietnamese, publicada em inglês, além de treinar e fornecer recursos a jornalistas no Vietnã para produzirem seus próprios conteúdos. "Estamos tentando tornar a imprensa livre uma realidade no Vietnã", diz Trinh à DW.

Trinh conta que Trang tem ajudado a produzir essas revistas apesar da extrema perseguição do governo. "Ela foi detida pela polícia inúmeras vezes, espancada algumas vezes", diz. "Ela não pode nem ficar no mesmo lugar por mais de uma semana. Tem que se mudar para lugares diferentes a cada uma ou duas semanas. O que estou tentando fazer agora é que ela seja reconhecida internacionalmente, para que seja mais seguro para ela em casa."

Malta: "Centro da corrupção"

Das três vencedoras, a história de Muscat é a mais próxima da União Europeia, que aprendeu a tolerar Malta – o "centro da corrupção", segundo Muscat – como membro do bloco comunitário há anos.

"Na maioria dos trabalhos investigativos realizados por jornalistas na Europa, Malta entra em cena em algum momento", diz Muscat. "Estamos falando de corrupção e lavagem de dinheiro."

Fotografia da jornalista Daphne Caruana Galizia, assassinada em 2017, rodeada por flores e velas em MaltaFoto: picture-alliance/Zuma/S. Babbar

Após o assassinato, em outubro de 2017, da jornalista Daphne Caruana Galizia, que revelou um esquema de corrupção no governo maltês, Muscat decidiu largar seu cargo de editora do diário The Times of Malta. A morte de sua amiga mudou tudo.

"Não podia mais ser a editora de um jornal que não entendia o significado do assassinato de um jornalista", afirma Muscat. "Sentimos a necessidade de mudança. Então reuni pessoas para montar o The Shift News e continuar o trabalho que poderíamos fazer, que Daphne Caruana Galizia havia começado."

Segundo Muscat, o governo de Malta está fazendo o possível para enterrar a memória de Galizia. Os três homens presos por seu assassinato ainda não foram julgados, e as flores e velas deixadas em seu memorial são removidas quase diariamente, afirma Muscat.

Uma olhada no mapa da Repórteres sem Fronteiras, que classifica a liberdade de imprensa em todo o mundo, sugere que a imprensa é realmente livre em apenas uma pequena área do mundo – basicamente em um punhado de países do norte da Europa.

Mas a organização tem motivos para alegar que seu trabalho e seus prêmios têm surtido efeito: Reza Alijani, vencedor em 2001, foi libertado de uma prisão iraniana poucos dias depois de ter sido premiado.

Por outro lado, a autora indiana Swati Chaturvedi, vencedora no ano passado e que expôs o exército de trolls do partido governante na Índia, afirma que o prêmio reflete um triste testemunho da situação desesperadora da imprensa no mundo.

"Não acho que você deva receber um prêmio por fazer seu trabalho", diz em entrevista à DW. "Mas a maneira como a imprensa está sendo desapoderada em todo mundo... É muito triste que você seja recompensado por fazer seu trabalho."       

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