Repressão chinesa provoca onda de emigração em Hong Kong
Ching-yan Lee av
30 de maio de 2020
Cada vez mais residentes do território autônomo chinês temem fim de suas liberdades e não veem um futuro para suas famílias. Nova lei de segurança nacional anunciada por Pequim foi a gota d'água para milhares deles.
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Após ser aprovada pelo Congresso Nacional do Povo da China, deverá entrar em vigor no princípio de 2021 uma lei de segurança para Hong Kong, com o fim declarado de combater o terrorismo. O fato provavelmente acelerará um processo em curso nos últimos anos: cada vez mais habitantes optam por deixar a ex-colônia britânica.
Embora mantendo status autônomo desde sua devolução em 1997, quando a China reassumiu o controle do polo financeiro, nos últimos anos Hong Kong tem vivenciado uma lenta erosão de suas liberdades. Membros do movimento de protesto pró-democrático temem que a nova legislação vá intensificar a opressão de Pequim. E muitos cidadãos comuns veem pouco futuro para si e suas famílias no território.
Cerca de 50 mil de seus 7,5 milhões de habitantes emigraram no segundo semestre de 2019, em meio aos protestos e a escalada da violência. Em dezembro, 20 mil requereram um nada-consta da polícia, documento essencial para quem considere emigrar: 60% a mais do que no ano anterior.
Sair o mais depressa possível
Josephine, uma jornalista de 30 anos nascida em Hong Kong, participou dos protestos contra o governo e sua lei de extradição, que acabou sendo retirada no fim de 2019. Apesar da dominação crescente por Pequim, ela pretendia permanecer, mas mudou de ideia após a aprovação da lei de segurança nacional.
"Eu nunca teria acreditado que um dia os residentes de Hong Kong se tornariam refugiados. Quero emigrar." Ela conta que, em seguida ao anúncio, o clima na redação em que trabalha era de desânimo. "Meus colegas e eu ficamos perplexos. Contávamos que, mais cedo ou mais tarde, haveria uma lei de segurança para Hong Kong, mas ficamos surpresos que Pequim a quisesse impor a nós assim." Até mesmo alguns políticos pró-chineses ficaram desconcertados com a medida.
O sr. Chou, funcionário de um banco chinês, também se diz pessimista quanto ao futuro do território autônomo e quer emigrar, de preferência com a família para o Canadá. Ele já vinha pensando em ir embora há muito tempo, e o anúncio da nova lei fortaleceu sua decisão.
"Todo tipo de transgressão pode ser usado para restringir os direitos civis. Não será mais possível garantir a liberdade de expressão no trabalho, em casa ou online. Agora sou muito cauteloso ao me manifestar em público", explica. Ele também não quer que seu filho, de 2 anos, venha a ser alvo de violência policial no futuro por participar de uma manifestação.
O bancário não esqueceu a brutal repressão ao movimento estudantil pró-democracia na Praça da Paz Celestial da capital chinesa, em 1989. "Pequim quer controle total", comenta, duvidando que no futuro serão toleradas passeatas pacíficas ou debates no Parlamento de Hong Kong. Ele tampouco acredita na eficácia de sanções do Ocidente, como têm pleiteado certos políticos.
Woo Hong-pong, empregado de uma agência especializada em emigração para o Canadá e Austrália, revela que nos últimos quatro dias mais de 20 clientes abastados o contataram: "Muitos deles hesitaram em ir embora em 2019, mas agora querem uma solução rápida. Eles querem sair já."
Taiwan é outra opção para quem quer mudar de país, embora Pequim também venha tentando restringir sua autonomia e liberdades civis. Quem esteja disposto a investir quantias elevadas pode obter o status de residência com relativa facilidade. Chang Heung-Lin trabalha para uma agência que agiliza a emigração para a ilha e recebeu mais de 200 pedidos no último fim de semana.
"Tem muita gente que parece estar com pressa. Eles nem perguntam quanto é necessário investir em Taiwan ou que taxas a agência cobra. Isso é pouco usual para residentes de Hong Kong com mentalidade empresarial. Muitos queriam assinar um contrato imediatamente, para iniciar o processo o mais depressa possível."
Londres acena com cidadania
Nesta quinta-feira (28/05), o secretário do Exterior do Reino Unido, Dominic Raab, disse que se Pequim não voltar atrás na lei de segurança, Londres vai mudar as condições associadas ao passaporte britânico no exterior, emitido para os residentes de Hong Kong antes de o território ter sido devolvido à China, em 1997, tornando-o mais favorável e incluindo um caminho para a cidadania.
Atualmente, esse passaporte só permite uma permanência de seis meses no Reino Unido, um limite que seria eliminado para permitir que os portadores do passaporte britânico no exterior procurassem trabalho ou estudassem no país por períodos prorrogáveis de 12 meses. Cerca de 350 mil pessoas seriam beneficiadas com a mudança.
Na sexta-feira, a secretária do Interior, Priti Patel, disse que a medida seria ampliada para todas as pessoas em Hong Kong que possam requisitar um passaporte britânico, ou cerca de 2,9 milhões de pessoas.
Duas décadas depois de Hong Kong retornar ao domínio chinês, predomina entre muitos moradores a insatisfação com a ingerência de Pequim e o desejo por mais democracia.
Foto: Reuters/D. Martinez
1997 - Devolução à China
Após 156 anos de domínio britânico, Hong Kong era devolvida à China exatamente à zero hora de 1º de julho de 1997. Soldados do Exército de Libertação Popular içaram a bandeira chinesa, em sinal de supremacia sobre a antiga colônia britânica. O contrato para a devolução já havia sido assinado em 1984.
Foto: Reuters/D. Martinez
1998 - Ameaça de crise econômica
A crise financeira asiática de 1997-98 levou economias emergentes a impor controles comerciais ou à compra de ativos para tranquilizar investidores. Hong Kong surpreendeu o mercado em agosto de 1998 com uma intervenção de 15 bilhões de dólares para se defender de ataques especulativos. Os apoiadores da iniciativa dizem que isso salvou a cidade.
Foto: Reuters/L. Chan
1999 - Reagrupamento de famílias
As esperanças de um rápido reagrupamento das famílias separadas pela fronteira foram logo destruídas. Embora a Suprema Corte de Hong Kong tivesse concedido amplos direitos de residência, o governo chinês derrubou a decisão a pedido do governo de Hong Kong. Na foto, mais de cem visitantes da China continental protestaram para obter permissão de residência imediata em Hong Kong.
Foto: Reuters/B. Yip
2000 - Sucesso com a bolha
Em fevereiro de 2000, investidores entraram numa fila diante do banco HSBC para comprar ações da empresa Tom.com. Ao se lançar na bolsa de valores, a empresa – que existia apenas na internet – do bilionário Li Ka-shing conseguiu angariar quase 100 milhões de dólares pouco antes de estourar a bolha "dot-com".
Foto: Reuters/B. Yip
2001 - Conflito com grupo espiritual
Seguidores do movimento espiritual Falun Gong protestam regularmente em Hong Kong desde que o grupo foi banido pela China em 1999, sob a acusação de divulgar superstições e manipular as pessoas psicologicamente. Em 2002, 16 seguidores foram condenados por causa de protestos diante da representação da China em Hong Kong. A Suprema Corte do território reverteu metade das sentenças.
Foto: Reuters/K. Cheung
2002 - Famílias desesperadas
A questão das autorizações de residência acirrou-se em 2002, quando Hong Kong começou a deportar 4 mil chineses continentais que haviam perdido batalhas legais para residir no território. Houve protestos dos solicitantes e de seus apoiadores. Na foto, parentes de migrantes chineses depois de terem sido expulsos de um parque no centro de Hong Kong.
Foto: Reuters/K. Cheung
2003 - Nas mãos de um vírus
A Sars, uma doença viral semelhante à gripe, atingiu Hong Kong de tal forma que, em março de 2003, a Organização Mundial da Saúde a declarou uma pandemia. Até a cidade ser considerada livre da doença, em junho, 299 pessoas morreram, entre elas Tse Yuen-man. A médica de 35 anos esteve entre os primeiros voluntários a cuidar de pacientes com Sars. Em seu funeral, ela recebeu as mais altas honras.
Foto: Reuters/B. Yip
2004 - Frustração com Pequim
Centenas de milhares de pessoas participaram de protestos no sétimo aniversário da devolução à China. Pequim descartou o sufrágio universal em Hong Kong em 2007 ou 2008 e continuou freando as reformas políticas. Além disso, a China decretou que o governo de Pequim precisa aprovar qualquer alteração no direito de voto em Hong Kong, o que praticamente elimina qualquer aspiração democrática.
Foto: Reuters/B. Yip
2005 - Violência em protestos
Reuniões da Organização Mundial do Comércio regularmente são alvos de protestos dos adversários da globalização. Em Hong Kong, no final de 2005, não foi diferente. A polícia usou canhões de água e gás lacrimogêneo contra os manifestantes.
Foto: Reuters/L. Jae-Won
2006 - Conflito com o Japão
A China e o Japão disputavam um grupo de ilhas desabitadas. Acreditava-se que perto delas houvesse reservas de petróleo e de gás. Em outubro, um barco com ativistas de um comitê para defender as ilhas Diaoyi e que tem base em Hong Kong se aproximou 20km da ilha principal até ser interceptado por um barco de patrulha japonês.
Foto: Reuters/P. Yeung
2007 - Preservar a história
Um píer da era colonial tornou-se pivô de nova polêmica. O governo queria removê-lo para recuperar terras e construir estradas. Ativistas furiosos que consideravam o píer um local histórico lutaram pela sua preservação. O embate atingiu seu ponto alto em agosto, quando a polícia removeu um acampamento de ativistas e pessoas em greve de fome que já durava três meses. Em 2008, o píer foi demolido.
Foto: Reuters/P. Yeung
2008 - Morar em gaiolas
Terrenos cada vez mais caros tornaram os aluguéis impagáveis para muitas pessoas em Hong Kong. Milhares de moradores passaram a viver em gaiolas, onde dispunham de cerca de 1,4 m2. Em geral, um cômodo tem oito dessas caixas de arame. Em 2017, estima-se que 200 mil pessoas vivam assim ou disponham de apenas uma cama em apartamentos divididos.
Foto: Reuters/V. Fraile
2009 - Contra o esquecimento
Moradores de Hong Kong vestidos de preto e branco fizeram uma vigília no 20º aniversário da violenta repressão aos manifestantes pró-democracia na Praça da Paz Celestial em Pequim em 1989. O Victoria Park, no centro de Hong Kong, transformou-se num mar de velas.
Foto: Reuters/A. Tam
2010 - Projetos indesejados
Crescia em Hong Kong a insatisfação devido à falta de democracia e o fato de o governo não ter de prestar contas. As raiva coletiva é descarregada em forma de protestos contra os planos do governo de construir um trajeto para trens de alta velocidade ligando Hong Kong ao continente. O projeto ferroviário, não implementado até hoje, previa a destruição de um vilarejo.
Foto: Reuters/B. Yip
2011 - Protestos com papel
Um controverso projeto de lei que eliminou o mecanismo de eleições suplementares para o Conselho Legislativo gerou vários dias de protestos em frente ao prédio do conselho. Centenas de manifestantes jogaram aviões de papel com mensagens políticas contra o prédio.
Foto: Reuters/B. Yip
2012 - Desafios da administração
Leung Chun-ying (à esquerda) presta juramento como chefe de governo da região administrativa especial, diante do então presidente chinês, Hu Jintao. Ele prometeu mais democracia e moradias mais acessíveis. Apesar de medidas de contenção, os preços continuaram subindo, e as reformas políticas ainda estão emperradas. Leung Chun-ying não concorreu a um novo mandato.
Foto: REUTERS/File Photo/B. Yip
2013 - Hong Kong no foco da imprensa
Quando começaram a ser publicadas notícias sobre Edward Snowden e segredos dos EUA, o especialista em TI estava em Hong Kong. Apesar de os Estados Unidos terem pedido sua extradição, Hong Kong deixou Snowden voar para Moscou, onde ele recebeu asilo político. Enquanto alguns veem em Snowden um denunciante corajoso, outros o consideram um traidor da pátria.
Foto: Reuters/B. Yip
2014 - Protestos de guarda-chuva
Durante dois meses, Hong Kong teve grandes manifestações pró-democracia. A exigência era a escolha completamente democrática do chefe de governo. A marca registrada dos protestos foram os guarda-chuvas usados pelos manifestantes para se proteger do spray de pimenta da polícia. As manifestações são vistas como o maior desafio à autoridade da China desde o movimento por mais democracia, em 1989.
Foto: Reuters/T. Siu
2015 - Liberdade de expressão no estádio
A partida de futebol entre China e Hong Kong pelas eliminatórias da Copa de 2018 foi palco de protestos. Torcedores de Hong Kong empunharam cartazes com os dizeres "Hong Kong não é China" enquanto era tocado o hino nacional chinês. Há muita tensão entre os dois lados desde os "protestos dos guarda-chuvas". O jogo acabou em 0 a 0.
Foto: Reuters/B. Yip
2016 - Até correr sangue
Novos protestos foram realizados em Hong Kong. Mais uma vez, a polícia usou spray de pimenta e cassetetes. A razão: as autoridades tentaram remover vendedores de rua ilegais num bairro operário. Foram as mais violentas batalhas de rua desde os protestos de 2014.
Foto: Reuters/B. Yip
2017 - O tempo passa
No parque memorial rei George 5º, um dos poucos parques onde ainda há uma ligação com o passado colonial, as raízes de uma figueira cobrem uma placa, 20 anos após a devolução de Hong Kong à China pelos britânicos.